Alternativa a aplicação de veneno nas plantações, os bioinsumos são uma realidade cada vez mais latente. Em Seberi, pequeno município localizado ao Norte do RS, mais especificamente na sede da cooperativa camponesa Cooperbio, foi iniciada a construção da fábrica de bioinsumos Geasol, pelo Movimento dos Pequenos Agricultores e das Pequenas Agricultoras (MPA). Viabilizada por um convênio com a Fundação Banco do Brasil (FBB), fortalecerá a produção de bioinsumos agrícolas sustentáveis.
O lançamento da pedra fundamental aconteceu durante a 8ª Festa da Semente Crioula e 3ª Feira de Economia Solidária. A expectativa é de que ela seja inaugurada em 2026, na próxima edição do evento. Contará com investimento de aproximadamente R$ 7 milhões através da Fundação Banco do Brasil.
Em 2024, o Brasil bateu recorde de liberação de agrotóxicos, segundo informações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Foram 663 produtos aprovados, um aumento de 19% em relação a 2023, com a liberação de 555 produtos. Servindo como alternativa a essa situação, está o uso de bioinsumos e as práticas tradicionais, vinculadas à agricultura familiar, e as formas de agricultura camponesa do mundo inteiro. Conforme aponta o Mapa, o Brasil é considerado líder global na utilização e produção de bioinsumos, como inoculantes, biofertilizantes e produtos biológicos para controle de pragas.

Transição
“Dando um passo na transição agroecológica, vamos construir uma fábrica, que é para escalonar a produção desses bioinsumos, controladores biológicos, como uma alternativa real aos usos dos agrotóxicos e outros venenos. O objetivo é ter disponível todos os insumos necessários para seguir produzindo alimentos saudáveis em maior escala, que conseguem atingir um maior número de pessoas nas cidades, nas periferias e no próprio campo”, ressalta a presidenta da Cooperbio, Luiza Pigozzi.
Com a fábrica, prossegue Pigozzi, o movimento vai comprovar que os bioinsumos são eficientes e ajudam, de fato, na produção. “É um projeto bem robusto, que passa pela construção da biofábrica, a contratação de equipe, todas as produções de doses de inoculantes e biocontroladores”, aponta.

Em entrevista ao Brasil de Fato RS, o presidente da FBB, Kleytton Guimarães Morais, destaca que na transição agroecológica, os processos também de desenvolvimento de cadeias são essenciais no atual contexto do país: “Para isso, insumos, bioinsumos, saberes tradicionais, sementes, como processos também de soberania nacional, são muito importantes.”
Conforme afirma Morais, lançar a pedra fundamental demarca a posição de construção intelectual, de recuperação das práticas milenarmente postas nos territórios e que são desenvolvidas pelos agricultores e agricultoras, aliançados com os centros de produção, como a Embrapa e as universidades. “A gente entende essa pedra fundamental também como um projeto inovador, um projeto piloto.”
Para Morais, a agricultura familiar e camponesa não está no esteio dessa discussão, mas sim encabeçando. “Esse é um debate que o mundo inteiro já faz e o Brasil entrou agora a partir dos processos de regulamentação, de forma mais organizada. É muito importante que a agricultura familiar e o campesinato brasileiro estejam na proa dessa discussão para poder colher os bons frutos desse processo”.

Prática milenar
A Cooperbio trabalha com bioinsumos desde 2010, desenvolvendo práticas tradicionais, tecnologias vinculadas à agricultura familiar, às formas de agricultura camponesa do mundo inteiro. Algumas práticas com registro de mais de dois mil anos, como biofertilizantes.
O primeiro projeto da cooperativa instalada no local foi a fábrica de pó de rocha, bem como a produção de um bom volume de fertilizantes orgânicos, como bokashi e outros biofertilizantes à base de comunidades de micro-organismos. “Agora, com esse apoio da Fundação Banco do Brasil, nós vamos ter uma biofábrica para produção de bactérias. Uma fábrica tecnificada, com dois laboratórios de microbiologia de alto nível, com laboratório de bioquímica, fisico-químico, para produzir inoculantes e biocontroladores”, explica o engenheiro agrônomo Marcelo Leal, um dos idealizadores do projeto.
Conforme pontua, hoje os grandes produtores já estão usando bioinsumos. Tecnologias já defendidas pelo MPA e que há 30, 40 anos já eram praticadas de maneira artesanal nas propriedades. “Agora vamos poder fazer isso de maneira tecnificada. Um produto da melhor qualidade. Cada litro que vai sair dessa fábrica é um litro a menos de agrotóxico que vai pro solo, que vai pra planta e que vai pro sangue dos brasileiros e das brasileiras”.
A estimativa é que com a fábrica sejam alcançados com inoculantes em torno de 500 mil hectares e com os biocontroladores, 250 mil hectares. “Nós queremos fazer dois movimentos com essa biofábrica. O primeiro é esverdear o crédito do Pronaf. Ao invés de financiar o adubo químico e o agrotóxico, vai financiar o bioinsumo. O outro é construir sistemas de produção agroecológica onde se utiliza esses bioinsumos como um complemento dos manejos, das práticas sustentáveis nos territórios”.
Escola de capacitação
“Nós queremos transformar esse espaço numa grande escola de capacitação de transição agroecológica. Aqui tem o pó de rocha, já vai vir mais investimento também para a gente ter a produção de adubo orgânico, tudo em escala. Mais as práticas tradicionais de insumos e agora também a fábrica de bioinsumos”, destaca Leal
Conforme reflete, um dos maiores desafios da agroecologia hoje é dar escala a produção. Em sua avaliação não é possível escalonar a agroecologia sem alguns pilares importantes. O primeiro é conhecimento por parte dos agricultores, integrar cooperativas e associações, para implementar as práticas produtivas agroecológicas. O segundo é ter semente, biodiversidade, e os bioinsumos.
“Com os elementos das mudanças climáticas, do uso massivo de agrotóxico, com um impacto muito forte sobre o meio ambiente e saúde pública, foi aumentando o apelo para essas tecnologias, que não são mais alternativas, serão as tecnologias que vão substituir a matriz agroquímica. Isso está acontecendo no mundo inteiro”, frisa
Inoculantes e biocontroladores
Inoculantes, conforme explica Leal, substituem, por exemplo, o adubo nitrogenado, a ureia. É uma bactéria que se associa à raiz da soja, que se associa à raiz do milho, em todas as plantas, e pega o nitrogênio do ar, que está aí gratuito, e coloca disponível para a raiz da planta. Dessa forma tornando dispensável o adubo químico. Tem outros inoculantes que eles solubilizam, fósforo, potássio e outros nutrientes que estão no solo, disponibilizando para as plantas, diminuindo o uso de adubo químico.
E os biocontroladores vão substituir inseticidas, fungicidas, nematicidas químicos, que são os grandes impactadores de saúde pública e do meio ambiente.
“ Os bioinsumos produzidos na fábrica de servirão para provar que são tão ou até mais eficientes que os agroquímicos. Vamos capacitar os agricultores a utilizá-los”.
