Dando continuidade ao julgamento de recepção da ação penal proposta pela Procuradoria-Geral da República contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras sete pessoas, os ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciaram na manhã desta quarta-feira (26) a última etapa, e passaram a analisar o mérito da ação, ou seja, votaram se há materialidade no conjunto de provas apresentado pela acusação.
O ministro relator, Alexandre de Moraes, apresentou seu voto defendendo o acolhimento da denúncia e à abertura da ação penal. Para o ministro, a Procuradoria-Geral da República (PGR) descreveu satisfatoriamente os atos ilícitos que qualifica o ex-presidente Jair Bolsonaro como chefe da organização criminosa para buscava consumar um golpe de Estado para impedir a posse do então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.
“O que se exige da denúncia em um primeiro momento é a materialidade dos crimes imputados aos denunciados e a materialidade dos delitos já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal em 474 denúncias que têm idêntica materialidade, os mesmos crimes narrados em que pese a participação diversa de vários denunciados. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a materialidade desses delitos já com 251 condenações, 4 absolvições e 219 ações penais em andamento”, afirmou.
Segundo o ministro, o golpe só não se consumou porque os chefes do Exército e Aeronáutica não aderiram ao projeto golpista. Logo, Moraes lembrou que, no primeiro dia de julgamento, durante as sustentações orais das defesas dos acusados, alguns advogados reconheceram a gravidade dos atos antidemocráticos de janeiro de 2023.
“Quase todas as sustentações orais reconheceram a gravidade dos ocorridos no dia 8 de janeiro”, disse o ministro. “Não foi um passeio no parque”, completou.
Em seguida, o relator apresentou um vídeo que, segundo ele, comprova a materialidade dos crimes cometidos. “É um absurdo ouvir pessoas dizendo que não houve violência”, disse o ministro, durante a exibição do filme. “Essas imagens valem mais que mil palavras”, disse o ministro, explicando que, segundo a denúncia, os atos de 8 de janeiro foram precedidos por ações sucessivas do núcleo golpista.
Moraes lembrou que a aceitação da denúncia não pressupõe a culpabilidade dos denunciados, e que a abertura da ação penal exige a justa causa, ou seja, deve vir acompanhada de conjunto probatório mínimo que demonstre a materialidade, razoabilidade e viabilidade do procedimento.
Alexandre Ramagem e a Abin paralela
Em seu voto, Moraes ressaltou que não é papel da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) fazer controle de urna, muito menos de monitorar autoridades do Poder Judiciário. Durante as sustentações orais, o advogado de defesa do ex-diretor da Abin e atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), afirmou inveridicamente que seria papel da agência garantir a “segurança das urnas”.
O ministro destacou os elementos trazidos pela PGR e que indicam a participação de Alexandre Ramagem em uma concertação para a difusão de informações falsas, com o objetivo de atacar as urnas eletrônicas. Moraes lembrou que o governo dos Estados Unidos, sob liderança do atual presidente Donald Trump, reconheceu a segurança do processo eleitoral brasileiro.
“Não há dúvidas de autoria da participação de Alexandre Ramagem nessa organização criminosa para atentar contra o Estado democrático de direito e a consumação de um golpe Estado”, disse o relator.
Almirante Garnier
Ao analisar o caso do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, o ministro Alexandre de Moraes chamou a atenção para a sustentação oral de seu advogado, o ex-senador Demóstenes Torres, chegou a questionar o fato de os comandantes das outras forças não terem sido indiciados junto ao almirante.
Moraes também criticou a fala de alguns advogados de defesa, que trataram de naturalizar a existência da chamada “minuta do golpe”. “Não é normal que o presidente que acabou de perder uma eleição se reúna com o comandante do Exército, comandante da Marinha e o ministro da Defesa para tratar de uma minuta”, ressaltou.
Anderson Torres
Alexandre de Moraes destacou o papel relevante do então ministro da Justiça, cargo que já foi ocupado por dois dos cinco ministros da Primeira Turma, Moraes e Dino, recordando que a minuta do golpe foi encontrada na casa de Anderson Torres, que se encontrava fora do Brasil no 8 de janeiro de 2023, quando era secretário de Segurança Pública do Distrito Federal.
A PGR detalha a participação do acusado. “A Procuradoria-Geral da República descreve a conduta, destacando sua atuação, detalhando uma participação relevante”, afirmou.
Anderson Gustavo, seguiu Moraes, “participou da live realizada no dia 29 de julho de 2021, em que o denunciado inaugurou os ataques ao sistema eleitoral brasileiro em relação às próximas eleições que seria em 2022”, relatou o ministro, citando ainda a reunião ministerial realizada no Palácio do Planalto, em que Torres manifesta interesse em atacar os ministros do Supremo.
Finalmente, Moraes relatou a concertação de Anderson Torres com policiais rodoviários federais para impedir que os eleitores do então candidato Lula acessassem os locais de votação, de acordo com um mapeamento de votos, realizado a pedido do ministro da Justiça.
Augusto Heleno
Alexandre de Moraes citou a sustentação oral do advogado do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, que tratou de minimizar a relevância da participação do general na organização criminosa. No entanto, disse o ministro, a PGR apresentou provas sólidas do envolvimento de Heleno, como anotações do ex-ministro orientando o então presidente da República, Jair Bolsonaro, a não cumprir ordens do STF.
Moraes falou ainda da relação de Heleno com a Abin e sua diretoria, uma vez que, no governo anterior, a agência de inteligência era subordinada ao GSI. Moraes lembra novamente da reunião ministerial em que o general Heleno afirma que iria “montar um esquema” para monitorar “os dois lados”, interrompido pelo ex-presidente, por se tratar de um assunto “sigiloso”.
Bolsonaro, o chefe
“Há indícios razoáveis da denúncia da PGR que indicam Jair Bolsonaro como chefe da organização criminosa”, disse o ministro, ao analisar o indiciamento do ex-presidente. Moraes lembrou da constituição do chamado “gabinete do ódio” no Palácio do Planalto, e das diversas vezes em que Bolsonaro defendeu a intervenção militar.
“Inúmeros réus confessos disseram em depoimentos que se pretendia dia 8 de janeiro, com a invasão, a agressão e a destruição dos poderes, que se convocasse uma GLO [Garantia da Lei e da Ordem] e que, o Exército, ao atender a GLO seria recepcionado por aqueles golpistas e, a partir daí, seria convencido a proclamar o golpe militar e destituir o governo legitimamente eleito”, disse o relator.
Moraes citou ainda diversas falas públicas do ex-presidente Bolsonaro em ataque frontal aos ministros do STF e ao processo eleitoral. E recordou a reunião convocada pelo ex-presidente com embaixadores, na qual Bolsonaro fez ataques às urnas eletrônicas, o que ensejou a condenação do ex-mandatário na Justiça Eleitoral à inelegibilidade.
“Não houve um só indício de fraude”, disse Moraes, sobre o relatório elaborado por uma comissão de fiscalização das Forças Armadas sobre a segurança das eleições, e que teria sido alterado a pedido do ex-presidente para dizer que não seria possível atestar a inexistência de fraudes.
“Não há dúvidas de que o ex-presidente, Jair Bolsonaro, teve conhecimento sobre a minuta do golpe”, afirmou o relator. “Não há dúvidas de que a PGR apresentou indícios de autoria e materialidade dos elementos apontados pela acusação”.
Depois de ter acompanhado o primeiro dia de sessão, o ex-presidente Jair Bolsonaro decidiu não comparecer ao STF nesta quarta, e acompanhou a finalização do julgamento do Senado Federal, segundo seu assessor Fábio Wajngarten.
Mauro Cid, o delator
Sobre o ex-ajudante de ordens da Presidência da República, o tenente-coronel Mauro Cid, o ministro Alexandre de Moraes não se alongou, já que se trata de um colaborador que confessou os crimes em juízo. No entanto, destacou que a veracidade das alegações apresentadas ainda serão objeto de análise do STF na fase de instrução da ação penal.
Paulo Sérgio Nogueira
De acordo com o relator, o ex-ministro da Defesa do governo de Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira, embora não tenha estado de acordo com a ruptura da institucionalidade, teve conhecimento e participou da elaboração do decreto do golpe.
“Aqui vale destacar fato já narrado, de intervenção do acusado para alterar as conclusões da comissão de acompanhamento das Forças Armadas sobre o processo eleitoral”, disse Moraes, que considerou haver materialidade e razoabilidade na denúncia apresentada pelo Ministério Público, pelo que também defendeu a abertura da ação penal.
Braga Netto, o vice
Moraes lembrou que o ex-ministro da Casa Civil e candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro, já está preso devido à tentativa de interferência nas investigações. O ministro trouxe a baila reunião realizada na residência do general, em 12 de novembro de 2022, na qual, segundo depoimento de outros acusados, para discutir a operação intitulada “Punhal verde e amarelo”, que visava o assassinato de autoridades da República.
O ministro citou declaração de Braga Netto, direto do acampamento golpista em frente ao quartel general de Brasília, pedindo aos manifestantes para terem esperança, garantindo que alguma medida seria tomada. “A denúncia deve ser recebida em relação ao acusado Walter Souza Braga Netto”, votou o ministro.
Os acusados e seus crimes
Além do ex-presidente, os magistrados vão decidir sobre o acolhimento da denúncia contra quatro ex-ministros de Bolsonaro: Walter Braga Netto, da Casa Civil; Anderson Torres, da Justiça; Paulo Sérgio Nogueira, da Defesa; e Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Além deles, compõem o núcleo 1 da acusação o tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid; o deputado federal e ex-presidente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem (PL-RJ); e o almirante de esquadra e ex-comandante da Marinha no governo de Bolsonaro Almir Garnier.
Eles são acusados dos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado, com penas que podem variar de 20 a 26 anos de cadeia.