São Paulo e outras metrópoles brasileiras, como Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre, passaram por um intenso processo de verticalização nos últimos anos. O adensamento de construções nessas cidades foi tanto que superou o crescimento populacional.
A constatação é de uma pesquisa inédita conduzida pelo instituto WRI Brasil, que avaliou o espaço urbano brasileiro entre os anos de 1993 e 2020. A crise habitacional, no entanto, persiste, conforme avaliam pesquisadores.
“A gente tem indícios para pensar que esse crescimento não se deu forma a acomodar, necessariamente, o déficit habitacional ou a demanda de moradia da população”, afirma Henrique Evers, gerente de desenvolvimento urbano do WRI Brasil.
Entende-se por déficit habitacional pessoas vivendo em habitações precárias, “(…) que precisam ter um banheiro e não tem, ou precisa fazer alguma ação de isolamento térmico para se tornar salubre”, como explica Rodrigo Iacovini, urbanista e diretor do Instituto Pólis; coabitações, com mais de uma família dividindo o mesmo espaço; ou pessoas com renda de até três salários mínimos que pagam mais de 30% do que ganham com aluguel.
Em 2022, o déficit habitacional do Brasil ultrapassava 6 milhões de domicílios, o que representa 8,3% do total de habitações ocupadas no país, de acordo com dados da Fundação João Pinheiro divulgados em 2024. Em números absolutos, o estado de São Paulo liderava a lista, com um déficit de 1,2 milhões de moradias.
“E isso ainda não dá o total, porque ainda tem coisa que fica por fora, como é o caso da população em situação de rua, que não está calculado dentro do déficit”, explica Iacovini.
Ou seja, o número de pessoas necessitando de moradia é ainda maior do que indicam os números. Enquanto isso, prédios de muitos andares se impõe nos horizontes das grandes cidades.
“Tem havido uma verticalização grande da cidade com construções que estão cada vez mais sendo fomentadas a partir do plano diretor”, diz Iacovini.
A atualização do plano diretor de São Paulo, documento que orienta ações de urbanismo, publicada em 2023, favorece o adensamento populacional perto dos eixos de transporte. Uma das alterações nesse sentido foi a ampliação da a área permitida para prédios altos na região de estações de metrô.
Os dados sobre déficit de moradia, no entanto, alertam para o destino dessas construções que, de acordo com o urbanista, “não necessariamente estão sendo vendidos ou destinados para população de baixa renda”.
“O estudo mostrou que a expansão do tecido urbano, para cima e para os lados, vem avançando sem relação com os movimentos populacionais”, diz Guilherme Iablonovski, pesquisador e consultor sobre ciência de dados e autor do estudo. “Provar que a questão existe nas principais metrópoles do país é um primeiro passo importante”, avalia.
A proposta é que a pesquisa sirva de base para iniciativas do poder público em favor de uma melhor distribuição das moradias e de aproveitamento do espaço urbano.
“O planejamento urbano sustentável deve considerar a relação entre expansão horizontal e vertical para garantir cidades com um acesso menos desigual às oportunidades urbanas, especialmente à moradia adequada”, sintetiza Evers.
O estudo indica que o adensamento populacional pode reduzir os investimentos em transporte e infraestruturas para o atendimento dessas populações.
Nas capitais de pequeno e médio porte, como Campo Grande, Cuiabá, Natal, Manaus, Palmas e Teresina, o crescimento urbano segue de forma espraiada, ou seja, horizontalmente. De acordo com a pesquisa do WRI, esse modelo implica em maiores custos de infraestrutura e impactos ambientais mais significativos.
“A gente precisa olhar com muito cuidado, com muita atenção para o que essa pesquisa está mostrando. Ela mostra que a gente está lidando com o recurso valioso, que é o espaço urbano, como se ele não fosse, como se a gente pudesse esbanjar cidade”, pondera Camila Maleronka, urbanista, consultora em habitação e instrumentos de planejamento.