O Projeto de Lei (PL) 60/2025, conhecido popularmente como “PL do Busão 0800”, que propõe a tarifa zero — gratuidade — no transporte público da capital mineira, segue em análise na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH).
Na última semana, um seminário debateu sobre a constitucionalidade da proposta, que agora está em análise na Comissão de Legislação e Justiça (CLJ) da Casa. Durante o evento, foi apresentada uma nota técnica avaliando se o PL está de acordo com as normas da Constituição Federal.
Com foco na Taxa do Transporte Público (TTP), o documento constatou a viabilidade jurídica e tributária da proposta. A TTP é um imposto às grandes empresas — com mais de dez funcionários — proposto pelo projeto para viabilizar o transporte gratuito para a população.
O seminário contou com a participação do professor Francisco Mata Machado Tavares, um dos maiores especialistas brasileiros na área tributária. Ele é professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG), coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas Sócio-Fiscais e líder, em parceria com o Sindifisco Nacional, do Observatório Brasileiro do Sistema Tributário.
“O PL 60/2025 não apenas é constitucional, mas repara o que a teoria jurídica classifica como um ‘estado de coisas inconstitucional’ no âmbito do serviço público de transporte coletivo urbano”, explica o professor.
Entenda
Como explicou a vereadora Iza Lourença (Psol), autora do projeto de lei, em entrevista recente ao Brasil de Fato MG, Belo Horizonte é uma das poucas cidades do Brasil que já tem um fundo municipal para qualidade do transporte público.
Dessa forma, o projeto da tarifa zero propõe alimentar esse fundo e, por meio dele, arcar com a gratuidade do transporte para a população. O recurso seria arrecadado pela criação da Taxa do Transporte Público (TTP), valor pago por empresas com mais de dez funcionários. O montante destinado ao TTP seria menor do que elas gastam atualmente pagando vale transporte para os seus trabalhadores.
“Esse valor é suficiente para custear o transporte, sem que o cidadão tenha que pagar tarifa e sem que o governo tenha que pagar subsídios. Isso vai beneficiar os pequenos comerciantes, que não terão que pagar a passagem dos seus funcionários. A prefeitura também se beneficia, ao deixar de gastar milhões de reais com as empresas de ônibus, como é feito hoje”, justifica a vereadora.
A taxa seria paga somente por cada funcionário que exceda os nove isentos. Ou seja, empresas que têm dez funcionários pagariam a taxa para um funcionário apenas. A empresa que tem 11 pagaria para dois. E assim por diante.
Roberto Andrés, urbanista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), destaca a viabilidade do projeto.
“Pela primeira vez no Brasil, é apresentada uma solução concreta, palpável e tangível para o financiamento do transporte público. Com um endosso grande da Câmara de Vereadores, que pode se tornar realidade e, portanto, ser replicada em outras cidades”, espera.
Ele também destaca que é justamente o endereçamento claro da fonte de financiamento que torna a proposta viável a longo prazo. “O PL estabelece uma fonte de financiamento que é bastante estável e significativa, a contribuição das empresas que empregam no município”, observa.
Proposta corrige distorções
O evento foi aberto ao público e, durante o debate, especialistas demonstraram que a proposta corrige uma distorção: a do pagamento por um serviço que deveria ser público.
Tavares explica que a Constituição assegura, em seu 5º artigo, o direito à livre locomoção e, no 6º artigo, o direito ao transporte para todos os cidadãos.
“Ademais, o artigo 30º é expresso e inequívoco, ao definir que o transporte coletivo urbano se define como um serviço público essencial. Nenhuma outra obrigação estatal, nem mesmo saúde, educação ou segurança, recebem essa caracterização em nosso texto constitucional”, afirma.
Segundo o especialista, a TTP é plenamente válida, inclusive por atender a uma outra obrigação legal, o artigo 17º da Lei de Responsabilidade Fiscal, compensando a criação da despesa obrigatória e contínua gerada pelo custeio do transporte sem tarifas.
A taxa se sustenta, ainda, por se tratar de um serviço público específico e divisível, ou seja, no qual é possível, de maneira simples, compreender o custo unitário da prestação de serviço para casa passageiro. Diante desse cenário, a expectativa dos especialistas é de que o PL avance na CLJ.
Roberto Andrés cita que a proposta adapta e aplica a melhor referência no tema, a legislação francesa, e geraria um enorme ganho para o comércio belo-horizontino.
“Sabemos que os maiores beneficiários dessa política, além da população que passa a circular e a acessar comércio, educação e serviço, são justamente os comerciantes. Temos notícia de cidades com tarifa zero que a venda no comércio aumentou de 30% a 40%”, observa.
Vontade política
Embora tenha alcançado o apoio de 22 vereadores na CMBH, o projeto ainda precisa passar por diversas etapas para entrar em vigor.
“Como conseguimos 22 assinaturas, a maioria dos membros da Câmara, muita gente teve a sensação de que seria rápido, mas não funciona assim. Para aprovar um projeto desse porte, você precisa de muita articulação política”, ressaltou Iza Lourença.
Francisco Tavares aponta que a proposta não tem motivos para não seguir em frente. Após ser aprovado na CLJ, o PL passa por mais três comissões. Caso seja validado pelos vereadores, segue para votação em primeiro turno. Depois, o projeto precisa passar novamente por todas as comissões e ser aprovado em segundo turno.
Após a aprovação, ele ainda vai para sanção ou veto do prefeito. Caso sancionado, a tarifa zero será regulamentada e implementada em quatro anos. Ou seja, com uma gradação até chegar na tarifa zero.
“As barreiras são de ordem política. Acredito que, uma vez implementada a tarifa zero em BH, os benefícios ao comércio, à segurança, ao meio ambiente e à prosperidade serão tão significativos, que é muito provável uma replicação da experiência em escala global”, destaca Tavares.