O cineasta palestino Hamdan Ballal, codiretor do filme Sem Chão (No Other Land, em inglês) vencedor do Oscar 2025 na categoria Melhor Documentário disse que soldados israelenses ajudaram os colonos durante o linchamento que sofreu na segunda-feira (23).
Em uma entrevista ao jornal britânico The Guardian, Ballal relatou que dois soldados israelenses o cercaram enquanto um colono o agredia, antes de golpeá-lo violentamente na cabeça e ameaçar atirar nele.
“Os soldados apontaram seus rifles para mim, enquanto o colono por trás começou a me bater. Eles me jogaram no chão, e o colono começou a me bater na cabeça. Em seguida, um soldado também começou a me bater; com a coronha de seu rifle, ele me atingiu na cabeça. Depois disso, ele disparou sua arma para o alto. Não entendo hebraico, mas percebi que ele disse que o próximo tiro de fuzil me atingiria. Naquele momento, achei que ia morrer”, relatou Ballal.
Mesmo ferido, Ballal foi algemado, teve os olhos vendados e foi levado pelos soldados para um veículo militar junto com outros dois palestinos, e depois para uma delegacia de polícia no assentamento de Kiryat Arba, na Cisjordânia, onde passaram a noite no chão e foram forçados a dormir sob um ar-condicionado gelado.
Ballal disse que foi espancado por soldados da IDF durante a detenção. “Foi uma vingança pelo nosso filme”, disse ao Guardian. “Ouvi as vozes dos soldados, eles estavam rindo de mim… ouvi [a palavra] ‘Oscar’.” Ballal foi liberado pelo exército israelense na terça-feira (25), após a denúncia do seu espancamento e sequestro feita pelo cineasta israelense Yuval Abraham, outro diretor do filme.
Abraham também postou imagens da agressão cometida pelo grupo de colonos que ocupam ilegalmente a terra palestina de Masafer Yata, residência de Ballal.
Linchamento
Na segunda-feira por volta de 18h, ele estava em Susya, na área de Masafer Yatta, ao sul de Hebron, na Cisjordânia, quando recebeu uma ligação informando que colonos haviam invadido sua aldeia, armados com cassetetes, facas e um rifle M16 – e escoltados por solados israelenses.
Alguns dos colonos estavam armados com cassetetes, outros tinham facas e um deles estava segurando um rifle M16, disseram testemunhas ao Guardian. Entre eles havia um grupo de soldados israelenses que escoltaram os colonos para dentro da aldeia onde Ballal mora.
Ballal trabalha para a organização Haqel: em Defesa dos Direitos Humanos, e se dirigiu ao local com sua câmera fotográfica para documentar o que estava acontecendo. “Tirei três ou quatro fotos, e então percebi que a situação estava se deteriorando. Havia dezenas de colonos, e eles estavam se tornando cada vez mais agressivos”, contou ao Guardian.
O documentário
O documentário Sem Chão traz a questão do genocídio palestino a uma posição de destaque na principal premiação estadunidense de cinema. Dois dos diretores do filme, o palestino Basel Adra e o israelense Yuval Abraham (os outros dois são Rachel Szor e Hamdan Ballal), na entrega do prêmio, discursaram e fizeram uma forte denúncia das ações militares israelenses em Gaza e na Cisjordânia.
“Há cerca de dois meses, me tornei pai, e minha esperança para minha filha é que ela não precise viver a mesma vida que vivo agora — sempre temendo a violência dos colonos, as demolições de casas e os deslocamentos forçados que minha comunidade, Masafer Yatta, enfrenta todos os dias sob a ocupação israelense”, disse Adra.
Sem Chão conta, justamente, a história das dificuldades que Adra enfrenta enquanto documenta a destruição de Masafer Yatta na Cisjordânia ocupada. A história também mostra sua amizade crescente com o segundo diretor do filme, o jornalista israelense Yuval Abraham, que passa, neste processo, a compreender as restrições, a discriminação que Adra enfrenta e a importância da resistência palestina.
O documentário já havia conquistado outros importantes prêmios. Foi escolhido o melhor documentário no Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2024, e Melhor Filme Não-Ficcional do Círculo de Críticos de Cinema de Nova York.
Tática de guerrilha para disputar o Oscar
Para disputar o Oscar, os cineastas tiveram de adotar uma “tática de guerrilha”. Não houve nenhum distribuidor que aceitasse distribuir o filme nos Estados Unidos. Como o Oscar exige que a obra estreie no país para disputar a premiação, os cineastas organizaram uma exibição de uma semana no Lincoln Center, em novembro.
“Sem Chão reflete a dura realidade que temos suportado por décadas”, disse também Adra. “Pedimos ao mundo que tome ações concretas para acabar com essa injustiça e interromper a limpeza étnica do povo palestino”, completou o cineasta palestino.
Yuval Abraham também se manifestou na entrega do prêmio e aludiu à sua relação com Abraham. “Fizemos este filme, palestinos e israelenses, porque juntos nossas vozes são mais fortes. Vemos uns e outros a destruição atroz de Gaza e de seu povo, que deve acabar”. Abraham também pediu a liberação dos israelenses feitos prisioneiros pelas ações da resistência palestina em 7 de outubro de 2023.
Abraham ainda teve tempo de criticar o apoio dos Estados Unidos a Isrrael. “A política externa deste país está ajudando a bloquear esse caminho [da paz]”, disse, entre aplausos. “Vocês não percebem que estamos interligados? Meu povo só estará verdadeiramente seguro se o povo de Basel for verdadeiramente livre e seguro”, disse, antes de completar: “Não há outro caminho.”
*Com Guardian