A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou na quarta-feira (26) a abertura de uma consulta pública para a atualização da atual norma sobre a concessão de autorização sanitária para a fabricação e importação dos produtos medicinais à base de cannabis, assim como dos requisitos para a sua comercialização.
Segundo a agência, a consulta deve ser disponibilizada após a publicação no Diário Oficial da União (DOU) prevista para os próximos dias, e ficará aberta por 60 dias. A Anvisa ainda informa que qualquer interessado poderá participar da consulta. Contribuições à proposta poderão ser feitas por meio da plataforma de participação disponível no site da agência.
A consulta pública foi aprovada pela diretoria colegiada da Anvisa, na quarta-feira (26), e é um desdobramento da Resolução da Diretoria Colegiada (RCD) nº 327, aprovada em dezembro de 2019, de caráter “excepcional e transitório”, que estabeleceu critérios para a importação, fabricação e comercialização desses produtos, a partir de solicitações específicas das empresas.
Segundo a agência, a necessidade de realização da consulta se justifica pela “crescente demanda pela disponibilização desses produtos no mercado brasileiro”.
Dário de Moura, ativista pela legalização da maconha e defensor do uso medicinal da planta, avalia positivamente a resolução, e aponta que as decisões da Anvisa fazem parte da “natureza fragmentada” desse tipo de autorizações, diante da inexistência de legislação federal específica.
Moura explica ainda que, como não existe uma legislação federal clara que permita o plantio, a extração e a fabricação de medicamentos e produtos industriais, a Anvisa tem atuado com decisões judiciais provisórias de autorização.
No Senado Federal, existem pelo menos três projetos de leis para a regulamentação da cannabis medicinal, mas sem avanços.
No relatório publicado nesta quarta, a Anvisa destaca que as evidências científicas que comprovam a eficácia do uso clínico desses produtos são “limitadas”. Dessa forma, a agência mantém o caráter “transitório” da regulação a respeito dos produtos à base de cannabis, mas afirma que a regulação que será submetida à consulta pública visa estabelecer um “equilíbrio entre a viabilização de acesso aos produtos da cannabis sativa para fins medicinais e a promoção do seu uso racional”.
O relatório destaca a complexidade da planta, que a depender da forma de uso, “pode resultar em subprodutos com composição química e efeitos farmacológicos totalmente diferentes, fazendo com que cada produto seja único e tenha que ser individualmente avaliado quanto à sua adequabilidade para o consumo humano”. Por isso mesmo, e para estabelecer parâmetros para a produção, armazenamento e comercialização adequados, a agência destaca a necessidade de uma regulação, ainda que de caráter transitório.
Atualmente, no Brasil, os produtos contendo derivados de cannabis podem ser regularizados em duas categorias: como medicamento, seguindo as normas de comprovação de eficácia e segurança de medicamentos, ou como produto de cannabis, que têm um processo simplificado. Existe hoje no país apenas um medicamento de cannabis aprovado e 36 produtos de cannabis regularizados.
Limites de THC e regras sanitárias
O relatório da Anvisa destaca a necessidade do cumprimento de boas práticas de fabricação, obedecendo os critérios já estabelecidos pela agência com respeito às condições sanitárias das linhas de produção para a obtenção dos insumos ativos originados da planta.
A agência estabelece ainda um controle dos níveis de tetrahidrocanabinol (THC). Segundo o relatório, os produtos de cannabis devem conter como insumo farmacêutico ativo (IFA), exclusivamente o fitofármaco canabidiol (CBD), com um limite de até 0,2% de THC. Acima dessa porcentagem, só serão permitidos produtos “destinados exclusivamente ao tratamento de pacientes portadores de doenças debilitantes graves”, conforme outra resolução emitida pela própria Anvisa, em 2013.
Entre as atualizações propostas, também está a permissão para a fabricação de produtos à base de cannabis em farmácias de manipulação, desde que obedeçam o mínimo de 98% de pureza.
Moura lembra que há uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que estabelece prazo para que a Anvisa regule a produção de medicamentos à base de cannabis por associações da sociedade civil. “As associações têm que importar o extrato do exterior, da Colômbia, da Argentina, do México, do Marrocos, de outros países que produzem esses extratos, encarecendo os produtos no Brasil”, afirma o ativista.
“A gente espera que essa autorização torne esses produtos mais baratos, mais acessíveis à população e que também permita criar o espaço para que seja distribuído no SUS, como já existem mais de 20 municípios que possuem esse serviço”, destaca. “O Brasil precisa plantar para que o acesso ao medicamento seja mais barato, barato significativamente, barato para o sistema de saúde, barato para que as pessoas possam ter acesso a um medicamento de qualidade”, defende.
Formas de uso
O relatório da Anvisa aponta que na minuta da consulta pública a intenção é autorizar a administração dos produtos pelas vias oral, bucal, sublingual, inalatória e dermatológica. No entanto, a agência mantém a proibição de produtos que exijam a combustão e produção de fumaça.
A Anvisa também propõe estabelecer critérios para a publicidade dos produtos e quanto ao prazo de validade das autorizações para a produção e comercialização, estabelecido em cinco anos pelo relatório aprovado.
Os produtos serão comercializados exclusivamente por profissionais farmacêuticos em farmácias e drogarias, com prescrição médica. Sobre os critérios para a prescrição, a Anvisa afirma a autonomia médica, mas aponta que a indicação de uso deve ser para pacientes sem outra alternativa terapêutica.
As empresas que desejarem realizar o pedido para a produção e comercialização dos produtos à base de cannabis terão que apresentar uma série de documentos à Anvisa, comprovando a qualidade dos produtos, as boas práticas de fabricação, além de critérios específicos sobre o controle de qualidade, rotulagem, embalagem e informações obrigatórias, inviolabilidade e rastreabilidade das embalagens, além da fiscalização e monitoramento pós-comercialização.
“Dessa forma, fica evidente que, além do registro de um medicamento, a regularização sanitária disposta na proposta de resolução é o único caminho regulatório possível para a comprovação da qualidade mínima necessária aos produtos de cannabis, pois tem o condão de garantir que o produto contém a matéria-prima com o padrão de qualidade esperado, com a dosagem adequada, e que é livre de contaminantes acima dos limites tecnicamente aceitáveis.”
A Anvisa destaca ainda que a ausência de uma norma complexa que estabeleça parâmetros para a produção desses insumos, tem induzido a alta na importação desses produtos por altos preços, o que inviabiliza o tratamento para pacientes que dependem desses insumos. Também foi aprovado o início de um processo regulatório para revisar a Resolução RDC 660/2022, que diz respeito à importação excepcional de produtos de cannabis para uso pessoal.