A Justiça venezuelana prendeu 6 prefeitos desde o começo de março. Eles são acusados de fazer parte de um esquema de tráfico de drogas na região do estado de Zulia, próximo à fronteira com a Colômbia. A operação chamada de “Relâmpago de Catatumbo” apreendeu 5,4 toneladas de cocaína, 27 mil litros de combustível, resina, passaportes colombianos e gerou uma crise interna no Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV), do presidente Nicolás Maduro.
Isso porque, dentre os 6 prefeitos presos, 3 são do PSUV. Os dois primeiros foram Alberto Sobalvarro (de Almirante Padilla) e Jorge Nava (de Miranda), acusados de participarem de um esquema de tráfico de drogas e armas que vinham da Colômbia, além de contribuírem com o paramilitarismo.
Mais tarde foi preso Danilo Áñez (do município de Jesus Enrique Lossada), do PSUV, junto com o opositor Fernando Loaiza (de Catatumbo), integrante do partido histórico de direita Ação Democrática. Os municípios estão às margens do Lago de Maracaibo que, além de ser um importante ponto de extração petroleira, é também um entreposto estratégico com saída para o mar do Caribe.
O local, inclusive, passou a ser usado para o deslocamento de drogas da Colômbia para os Estados Unidos. As prisões foram realizadas em três centros de abastecimento logístico e quatro estaleiros. O estado em questão, Zulia, também se caracterizou nos últimos anos por ser uma região usada para atividades de grupos paramilitares que têm como objetivo promover a desestabilização política da Venezuela.
Foi justamente em Zulia que os grupos criminosos venezuelanos e colombianos criaram rotas de contrabando durante o boicote empresarial que impedia a chegada de produtos à Venezuela.
Para o analista político do grupo venezuelano Missão Verdade, Diego Sequera, a operação não significa que o crime organizado está disseminado na política local venezuelana, já que a região é conhecida como um importante canal de tráfico de drogas no país.
“Não necessariamente é algo generalizado. As outras zonas operam outro tipo de economia e de crimes. Táchira, por exemplo, tem uma questão migratória que leva ao tráfico de pessoas. A questão do Amazonas, tráfico de combustivel. A geografia interfere. São dois pontos chaves: primeiro a questão da saída do lago, mais do que uma rota de produção. Depois há uma proximidade com a Colômbia”, afirmou ao Brasil de Fato.
A operação e o número de prisões acendeu o sinal de alerta dentro do PSUV. A direção nacional passou a avaliar medidas mais enérgicas para controlar a situação e começou a elaborar os próximos passos.
O primeiro deles foi dado pelo ministro do Interior e vice-presidente do PSUV, Diosdado Cabello. Um dos homens históricos do chavismo, ele deu uma coletiva na última semana afirmando que essas operações serão necessárias para prender “quem quer que seja”, dando um claro sinal aos integrantes do partido.
“O Estado venezuelano reafirma o seu compromisso com a luta contra o narco-paramilitarismo, grupos estruturados do crime organizado e quadrilhas criminosas que procuram utilizar o solo do país como terreno para o desenvolvimento de atividades ilícitas. Caia quem caia, continuaremos a garantir a paz e a segurança em todas as áreas do território nacional”, afirmou.
O Brasil de Fato apurou que, logo depois da coletiva, houve uma reunião da direção do PSUV, que foi coordenada por Cabello e pelo presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodriguez. Eles cobraram uma resposta rápida dos integrantes para identificar e punir os responsáveis pelo cometimento de crimes. A reunião teve um tom acima, já que há uma preocupação com a proximidade das eleições regionais.
Em 27 de maio, os venezuelanos vão escolher governadores, prefeitos e deputados para o próximo mandato. Os dirigentes do PSUV temem que haja um desgaste ainda maior da imagem do partido logo depois de uma eleição presidencial que foi contestada pela oposição. O plano agora é evitar que haja qualquer tipo de turbulência até o pleito e mostrar que a direção se preocupa e não vai tolerar o cometimento de crimes.
Cabello chegou a afirmar publicamente que iria “à caça e captura” daqueles que violaram o juramento do partido sobre a Constituição no exercício de cargos públicos. Ele disse que os opositores envolvidos também serão julgados, mas que os “revolucionários” que fazem esse tipo de coisa “pagarão dobrado”.
Para Sequera, a fala de Diosdado representa não só uma postura que será adotada pelo partido, mas uma mensagem para a população de que o governo punirá com o mesmo rigor os integrantes do PSUV.
“Essa fala do Diosdado é um assunto moral, ele mostra que há uma questão estrutural, que não está puramente vinculado ao partido. Ele coloca um castigo exemplar, que é justo, porque é algo que toca a soberania nacional. Mas há também um vínculo direto entre diferentes interesses internacionais e muitas empresas e instituições que se metem nisso”, afirmou.
Mas não são só integrantes do PSUV envolvidos em investigações. O prefeito de Maracaibo, Rafael Ramírez (Primeira Justiça), foi preso em outubro de 2024 acusado de corrupção por financiar atos violentos pós-eleitorais com dinheiro público. Em dezembro, o prefeito de Cabimas, Nabil Maalouf (Um Novo Tempo) também foi detido por peculato e corrupção.
O ano será importante não só pelas eleições legislativas. O governo propôs também uma reforma constitucional que poderá ser decisiva para a política venezuelana. Dentro da direção nacional do PSUV, já se fala também em aproveitar essa reforma para modificar as próprias bases do partido.
Um exemplo disso foi a decisão de que os candidatos esse ano para todos os postos serão definidos pelo próprio PSUV, e não mais em umas prévias com os filiados, como acontecia antes. Sequera afirma que tudo isso está ligado a definição de candidatos que ocupem justamente as zonas que estão ligadas a esses casos de corrupção. De acordo com ele, é preciso um tratamento especial nessas regiões pelo histórico envolvido.
“Eu acho que a questão é que nessa parte da fronteira se requer um tratamento especial. Talvez um tipo de funcionários e de quadros políticos que tenham maior moralidade e solvência. Primeiro com as dificuldades das sanções, faz com que seja mais propenso a se corromper. E não é algo tão direto”, afirmou ao Brasil de Fato.