A comemoração do golpe de Estado que instaurou uma ditadura repleta de mortos e desaparecidos no país, em 1964, pelo Clube Militar do Rio de Janeiro é um “arroubo autoritário”, analisa o pesquisador do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social Jorge Rodrigues.
O evento é convocado anualmente na sede da associação militar na Lagoa, zona sul carioca, em “rememoração do movimento democrático de 31 de março de 1964”. O ingresso custa R$ 100. “Será um almoço por adesão para comemorar os 61 anos desse evento histórico”, afirma o anúncio do encontro.
Rodrigues afirma que os clubes militares têm historicamente a característica de dar voz ao autoritarismo presente na instituição, desde notas com conteúdo antidemocrático até a comemoração do golpe. Para o pesquisador, no entanto, o evento ganha uma nova dimensão quando, pela primeira vez, generais estão sendo julgados por tribunais civis.
“Oficiais das Forças Armadas que passaram por toda a carreira, chegaram nas mais altas patentes, agora são julgados por tentativas de golpe de Estado e é importante que se nomeie as coisas como elas são. A dimensão da coisa não deve ser tomada como um convite ao recuo, pelo contrário, ela deve ser encarada como a necessidade de se fazer avançar essa pauta”, pontua ao Brasil de Fato.
Ofício da bancada do PT
Um ofício da bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) do Rio de Janeiro, presidida pela deputada estadual Marina do MST, enviado na última quinta-feira (27) pede que o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual atuem para impedir o Clube Militar de realizar mais uma vez o evento.
“A glorificação de um dos períodos mais obscuros da história brasileira é uma afronta à memória das famílias vítimas dessa violência e incita a população a ideias fascistas e antidemocráticas, como as que motivaram o atentado de 8 de janeiro de 2023”, afirma Marina.
Além da proibição, o documento pede que seja instaurada investigação no âmbito do MP para responsabilização civil e criminal dos organizadores e participantes.
“Essas pessoas atuaram deliberadamente para descredibilizar as urnas eletrônicas, para descredibilizar a justiça brasileira, então são manifestações que devem ser repudiadas e o repúdio deve se dar também do ponto de vista jurídico como faz a bancada do PT em relação ao Clube Militar”, analisa o pesquisador.
Contexto
O pesquisador do Instituto Tricontinental ressalta a importância de responsabilizar quem atenta contra a democracia diante de tentativas para amenizar as penas dos condenados pelo 8 de Janeiro e o Projeto de Lei (PL) da Anistia no Congresso.
“Existe um ponto que é o julgamento de fato, onde se julgam as pessoas que participaram da intentona do 8 de Janeiro, da organização do golpe que vem muito antes do 8 de janeiro de 2023. Mas existe também uma dimensão política de pensar porque as nossas Forças Armadas, que custam muito caro ao povo brasileiro, reiteradamente formam quadros que são tidos, erroneamente, como casos isolados, de generais e de oficiais que são tão contrários e avessos à democracia”, questiona Rodrigues.