Após críticas do movimento indígena, de entidades indigenistas, do governo federal e de relatores especiais da Organização das Nações Unidas (ONU), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes retirou do seu “anteprojeto de lei” sobre o marco temporal o capítulo que previa mineração em Terras Indígenas (TIs). Outros artigos da minuta, como a indenização de fazendeiros pelo valor da terra nua, entraves no processo demarcatório e uso da Polícia Militar (PM) para despejar retomadas, seguem em discussão.
A atualização aconteceu nesta quinta-feira (27), na reunião da comissão de conciliação sobre o marco temporal no STF. O grupo, composto majoritariamente por representantes do setor ruralista e sem o movimento indígena, que se retirou por considerar o espaço ilegítimo, foi criado pelo decano do STF em abril de 2024.
Desde então, os trabalhos da comissão adiam a decisão do relator Gilmar Mendes sobre as ações que vão definir sobre a validade ou não da lei 14.701/23, mais conhecida como Lei do Marco Temporal. Aprovada pelo Congresso Nacional em setembro de 2023, a legislação instituiu a tese ruralista segundo a qual indígenas só podem ter demarcadas as terras ocupadas por eles até 1988. Enquanto o Judiciário não decide sobre a sua constitucionalidade, a lei segue em vigor.
Em vez de respaldar decisão do Supremo que já considerou o marco temporal inconstitucional dias antes da aprovação da lei, o ministro Gilmar Mendes criou a comissão de conciliação para rediscutir o assunto.
Depois de 34 dias com os trabalhos suspensos, o grupo voltou a se reunir para se debruçar sobre o “anteprojeto de lei” apresentado pelo gabinete do ministro em 14 de fevereiro e amplamente questionado. A intenção de Gilmar Mendes é que esta minuta substitua a Lei do Marco Temporal.
Na abertura da reunião, o juiz Diego Veras, auxiliar do ministro, anunciou que a mineração em TIs foi retirada do texto e será debatida em outra comissão, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 86, impetrada pelo Partido Progressistas (PP) e que também tem Mendes como relator. Apresentada por figuras como Luís Inácio Lucena Adams, que advoga tanto para o PP como para a mineradora canadense Potássio do Brasil, a ação diz que o Congresso é omisso na regulamentação da exploração mineral em territórios dos povos originários.
De acordo com a assessoria de comunicação do STF, a reunião desta quinta debateu dos artigos 1º ao 5º do anteprojeto de lei, que tratam das disposições gerais, do reconhecimento e da demarcação de TIs. Entre os pontos desta parte contestados pelo movimento indígena está a inclusão de novos atores – como estados, municípios e associações ruralistas – desde o início do procedimento administrativo da demarcação, podendo inclusive indicar peritos. Para os movimentos, na prática, isto pode inviabilizar o processo demarcatório.
Governo federal apresenta contraproposta
A Advocacia-Geral da União (AGU) também apresentou uma proposta na reunião desta quinta. Nela, não está a possibilidade de mineração, mas consta que “é facultado o exercício de atividades econômicas” em TIs, “desde que pela própria comunidade indígena, admitidas a cooperação e a contratação de terceiros não indígenas”. Entre os exemplos, o documento cita a possibilidade de turismo nas aldeias.
No texto da União segue prevista a indenização a fazendeiros pelo valor da terra nua. Até recentemente, indenizações eram calculadas apenas levando em conta as chamadas melhorias feitas de boa-fé, como por exemplo o investimento em edificações construídas dentro da área. A inclusão de indenizações pelo valor do imóvel segundo o Imposto Territorial Rural (ITR) ganhou força na votação do STF que decidiu pela inconstitucionalidade do marco temporal, está na minuta de Gilmar Mendes e aparece, também, no texto do governo federal.
A proposta da AGU, no entanto, estabelece mais critérios para que este pagamento seja feito. O texto determina que a indenização pelo valor da terra nua acontecerá em casos em que a posse da terra pelo fazendeiro tiver ocorrido por erro do Estado e se o reassentamento for inviável. Além destes requisitos, somente se for comprovada a existência de um título de propriedade, com ocupação da área ininterrupta anterior a 5 de outubro de 1988.
Assim como no anteprojeto do ministro Gilmar Mendes, a proposta da AGU permite que o não indígena fique no território tradicional até que receba a indenização.
A União tirou do texto a proposta feita pelo ministro de que a PM poderia despejar qualquer grupo que ocupasse TIs após 23 de abril de 2024 – mesmo que fossem os próprios indígenas, por meio de retomadas. Também não consta a possibilidade de deslocar comunidades indígenas para supostas “terras equivalentes” às suas.
Próxima reunião em 2 de abril
A próxima reunião – e teoricamente a última antes da aprovação de um texto final – será na quarta-feira (2). Houve o informe, no entanto, que o ministro Gilmar Mendes já avalia prorrogar, mais uma vez, os trabalhos da comissão.
Caso haja algum acordo da comissão de conciliação, o anteprojeto de lei será submetido ao plenário do Supremo, ainda sem data prevista. Dali, pode ser encaminhado ao Congresso Nacional – o mesmo que aprovou, em reação relâmpago encabeçada pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) ao Judiciário, o próprio marco temporal.