Indígenas e lideranças Tupinambá Olivença ocuparam a rodovia BA-001, no município de Ilhéus, no sul da Bahia, na manhã dessa quinta-feira (27) em protesto contra a lei 14.701/2023, que institui a tese ruralista do marco temporal. As comunidades exigem a revogação da lei, a demarcação dos seus territórios e o fim da violência nas comunidades.
“Essa lei é um reflexo da bancada ruralista no Congresso, que busca a qualquer custo dificultar a vida e a luta dos povos indígenas no Brasil, e assim explorar ao máximo as riquezas naturais em nome do progresso e da ganância humana. Por conta disso, o povo Tupinambá foi à rodovia lutar pela vida e pela proteção do planeta, dizendo não à lei 14.701”, explica a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo (Apoinme) por meio das redes sociais.
Na última quarta-feira (26), a comissão de conciliação sobre o marco temporal criada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes retomou as discussões do “anteprojeto de lei” elaborado pelo seu gabinete. A proposta do ministro pretende substituir a lei 14.701/23, que institui que as terras indígenas demarcadas só podem ser aquelas ocupadas por eles até 1988.
No entanto, a iniciativa de Gilmar Mendes abre precedentes considerados igualmente inaceitáveis pelo movimento indígena, como a possibilidade de mineração em Terras Indígenas (TIs), indenização a fazendeiros pelo valor da terra nua, uso da Polícia Militar em despejos de retomadas e a criação de obstáculos no processo de demarcação.
Protesto contra violência
Também na quarta-feira (27), indígenas Pataxó fecharam a BR-101 na área do Trevo do Parque Nacional de Monte Pascoal, entre os municípios de Itamaraju e Itabela, no extremo-sul da Bahia. As comunidades demandam urgência na demarcação das Terras Indígenas Pataxó Barra Velha, Tupinambá de Olivença e Tupinambá de Belmonte, que, segundo o movimento indígena, já foram reconhecidas e delimitadas, mas ainda não receberam a homologação necessária.
“O Estado brasileiro se omite diante da violência e da inércia, deixando as comunidades indígenas vulneráveis a ataques cada vez mais frequentes. É hora de o governo agir e garantir os direitos dos povos indígenas”, salienta a Apoinme por meio das redes sociais.

Além disso, o movimento exige a soltura dos indígenas presos na operação policial do dia 20 de março, que resultou em mais episódios de violência contra os territórios. Em nota divulgada na última sexta-feira (21), a Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (Finpat) e o Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba) denunciam a escalada de violência na região e a arbitrariedade das prisões, feitas, segundo as organizações, a partir de “mandados genéricos e sem identificação clara dos acusados”.
De acordo com nota da Polícia Civil da Bahia, a ação é parte de uma investigação que apura supostos casos de violência de indígenas na região. Os mandados de prisão expedidos pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) citam crimes de esbulho possessório (invasão de propriedade) com emprego de violência, roubo com uso de arma de fogo e organização criminosa.
Confira nota das organizações indígenas na íntegra:
Violência e Repressão no Extremo-Sul da Bahia: Ataques a Indígenas e Impunidades
Nos últimos dias, tem ocorrido no extremo-sul da Bahia uma série de ataques contra os povos indígenas da região, com violência direcionada aos territórios de Barra Velha e Comexatibá, localizados entre os municípios de Porto Seguro e Prado.
Esses ataques estão acontecendo em “áreas de retomadas” realizadas pelas comunidades indígenas na tentativa de autodemarcação dos territórios. Nessas áreas, a violência já resultou em diversas vítimas fatais, e até o momento, os responsáveis permanecem impunes. Entre os casos mais graves, destacam-se os assassinatos brutais dos jovens Gustavo, Naui e Samuel, mortos por pistoleiros e milicianos a mando de fazendeiros.
No último dia 10 de março, novos ataques foram registrados nas aldeias desses territórios, deixando indígenas feridos e resultando no assassinato de Vitor Brás. Além disso, a casa do cacique da aldeia Monte Dourado, na Terra Indígena Comexatibá, foi incendiada.
Por trás dessa realidade, está um projeto colonial ainda em curso, sustentado por setores que historicamente se opõem aos direitos indígenas. O agronegócio, a bancada ruralista, fazendeiros e milicianos atuam de forma articulada para expulsar os povos originários de suas terras, negando-lhes o direito à autodemarcação. Essa estrutura de opressão, planejada e mantida desde a invasão colonial, se intensifica com a conivência do Estado brasileiro, que não apenas falha em proteger os territórios indígenas, mas também utiliza suas forças de segurança para reprimir aqueles que lutam por seus direitos.
Agora, o Estado brasileiro, em vez de garantir a demarcação das terras indígenas e a segurança das comunidades, intensifica a repressão com o uso desproporcional da força. Essa postura representa uma grave violação dos direitos indígenas e demonstra o descaso das autoridades, que, ao não reconhecerem oficialmente esses territórios, garantem a presença policial repressiva contra os povos originários.
Na manhã desta quinta-feira, 20 de março de 2025, foi deflagrada uma grande operação policial envolvendo mais de 20 viaturas, helicópteros e drones das forças de segurança das polícias Civil e Militar do Estado da Bahia. A operação inclui pelo menos duas dezenas de pedidos de prisão assinados pelo juiz da Comarca de Prado. Entre esses mandados, há registros genéricos e sem identificação clara dos acusados, como “Pedido de prisão temporária – acusado desconhecido”.
As forças de segurança, sob ameaças e uso de armas de alto calibre, continuam promovendo terror nas comunidades indígenas, afetando diretamente crianças e idosos e intensificando a violência nas regiões fronteiriças das Terras Indígenas Barra Velha e Comexatibá.
Diante desse cenário, exigimos que o Estado brasileiro assuma sua responsabilidade na defesa das comunidades e que as autoridades tomem providências imediatas para garantir a segurança dos povos originários, investigar os responsáveis pelos ataques e cessar a repressão contra aqueles que lutam pelo direito à terra e à vida. Além disso, torna-se indispensável o fortalecimento das organizações e movimentos que atuam na efetivação das políticas públicas indigenistas. A luta pela terra é a luta pela vida, e é urgente barrar a violência que ameaça a existência dos povos originários.
Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (Finpat)
Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba)