Uma mulher negra brasileira embalsamada e exposta por quase 30 anos na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. A história real de Jacinta Maria de Santana, ocorrida no século 20, inspira reflexões sobre a sociedade atual no espetáculo em cartaz no Rio de Janeiro.
Jacinta – Você Só Morre Quando Dizem Seu Nome Pela Última Vez, da Cia do Pássaro – Voo e Teatro (SP), tem sessões de quinta a domingo, até o dia 6 de abril no Sesc Copacabana, na zona sul carioca, sempre às 19h.
Ao Brasil de Fato, o diretor e dramaturgo Dawton Abranches, conta que o espetáculo é uma homenagem à pessoa que foi Jacinta Maria de Santana e ao seu nome. Mas também é uma denúncia à estrutura social que permitiu, por tantos anos, a violação do seu corpo.
“O espetáculo tem esse caráter de fazer uma reflexão sobre o papel das instituições que formaram grande parte da elite política e intelectual do nosso país, e continua formando, na verdade, principalmente a faculdade de Direito, onde o corpo de Jacinta ficou exposto”, explica Abranches.
Quase nada se sabe sobre a história de Jacinta antes da sua morte na capital paulista no ano de 1900. Ela permaneceu praticamente anônima até 2021, quando sua identidade foi redescoberta pela historiadora Suzane Jardim em pesquisas nos jornais da época.
“Realmente nós não temos informações sobre a história pregressa dela antes da sua morte. Então a gente trata muito da sociedade que estava ao seu redor, que teve um grande papel para que toda essa história tivesse acontecido com ela”, completa o diretor de Jacinta.
A peça traz como inspiração o afrofuturismo para imaginar outro lugar possível, onde Jacinta possa renascer. No palco, os atores Gislaine Nascimento e Alessandro Marba dão vida à história, acompanhados pela musicista Camila Silva, que executa trilha sonora ao vivo no cavaquinho e na cuíca, evocando o universo do samba.
Jacinta é o segundo ato da “Trilogia do Resgate”, que tira do apagamento a história de figuras negras brasileiras. O projeto iniciou em 2016 com Baquaqua – Documento Dramático Extraordinário, sobre a trajetória de Mahommah Baquaqua, africano escravizado que passou pelo país no século 19.
“A intenção é devolver a dignidade a essas pessoas, que foram cidadãos, como outros quaisquer, de criar uma identificação para que as pessoas possam se sentir representadas também através dessas histórias. Mas também é um espetáculo que trata de temas muito pertinentes da atualidade, como a ação da branquitude, a corrente eugênica que estava em vigor na época, e que tem reflexos ainda muito fortes na nossa sociedade”, conclui Abranches à reportagem.
Quem foi Jacinta
A historiadora Suzane Jardim redescobriu o caso na sua pesquisa de mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo, conforme revelou reportagem do site Ponte Jornalismo em 2021.
Foi então que ela deu início a buscas sobre a identidade da múmia, a circunstância da sua morte e as sucessivas violações racistas cometidas contra seu corpo. “Trata-se de um fragmento simbólico da história brasileira, com vários elementos importantes para a compreensão do racismo em nosso país”, afirmou Jardim à reportagem da Ponte.
Segundo os registros da época, Jacinta passou mal nas ruas da capital paulista e morreu indigente na Santa Casa de Misericórdia. Ela teria cerca de 30 anos e não resistiu a uma lesão cardíaca. Seu corpo foi entregue ao médico legista Amâncio de Carvalho, da Universidade de São Paulo (USP), e utilizado como “experimento científico”.
Então mumificada, ela permaneceu em exposição por três décadas na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, sendo utilizado até mesmo em trotes universitários. Jacinta Maria de Santana foi sepultada em 1929 após a morte do médico que a embalsamou.
Serviço
Espetáculo Jacinta – Você Só Morre Quando Dizem Seu Nome Pela Última Vez, contemplado no edital Sesc RJ Pulsar 2024/25.
Local: Multiuso do Sesc Copacabana (Rua Domingos Ferreira, nº 160)
Ingressos: R$10 (credencial plena Sesc), R$ 15 (meia-entrada), R$ 30 (inteira)
Horário: às 19h, de quinta a domingo
Em cartaz até 6 de abril
Bilheteria: terça a sexta, das 9h às 20h; sábados, domingos e feriados, das 14h às 20h
Informações: (21) 31805226
Classificação indicativa: 18 anos
Duração: 90 minutos