A falta de informações qualificadas sobre o desaparecimento de pessoas no Brasil dificulta a elaboração de políticas públicas que intervenham no tema. Essa é, segundo organizadores, a motivação para o lançamento do Observatório de Desaparecimento de Pessoas no Brasil (Obdes), nessa sexta-feira (28).
“Há um desconhecimento dos fluxos de desaparecimento de pessoas no Brasil, cenário que precisa de uma pesquisa qualificada. Estamos tentando montar esse quebra-cabeça e catalisar o trabalho de cada pesquisador que se unir [à iniciativa]”, explicou a coordenadora do Obdes, Simone Rodrigues.
A iniciativa, fruto de uma parceria entre o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e a Universidade de Brasília (UnB), reúne 17 pesquisadores de Brasília, Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP).
Segundo Rodrigues, a repercussão do filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, que trata sobre o tema dos desaparecidos políticos da ditadura empresarial-militar de 1964-1985, com foco na história do deputado federal Rubens Paiva, contribuiu para alavancar o lançamento do Obdes.
De acordo com ela, o observatório tem objetivo de ser um repositório de pesquisa e informação, um local de encontro entre pesquisadores, “para subsidiar políticas públicas eficazes que vão ao âmago da demanda”. “É a partir do conhecimento que conseguimos dar visibilidade ao problema”, acrescentou.
O ato de lançamento foi realizado na reitoria da UnB, no dia em que se comemora 78 anos de Honestino Guimarães, liderança histórica do movimento estudantil de Brasília, sequestrado em 1973 pelo governo militar, aos 26 anos. Ele é um dos desaparecidos políticos do regime – 434 oficialmente listados pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) – e seu corpo até hoje não foi localizado.
Participaram da mesa Simone Rodrigues, coordenadora do Obdes; Bruna Martins, diretora substituta de Defesa dos Direitos Humanos do MDHC e coordenadora do Comitê Gestor da Política Nacional de Pessoas Desaparecidas; as representantes do Movimento Nacional de Familiares de Pessoas Desaparecidas Josedalva de Souza Campioto, cujo filho Leonardo desapareceu há 17 anos, e Mônica Bonfim, neta de Orlando Bonfim, sequestrado em 1975 pela ditadura; Rozana Naves, reitora da UnB; e Patricia Badke, coordenadora adjunta do Comitê Internacional da Cruz Vermelho (CICV).
Após o lançamento, Ariel Dulitsky, da Universidade do Texas, ex-secretário executivo adjunto da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, fez uma palestra sobre o tema “Desaparecimento forçado e a responsabilidade internacional do Brasil”.

Pessoas desaparecidas
O observatório se integra à Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas, criada em 2019, e tem recurso para um ano de duração, período que pretende subsidiar estratégias para combater o problema. Em 2021, o Decreto 10622 instituiu um comitê gestor, vinculado ao Ministério da Justiça, como autoridade central para tratar da política.
Bruna Martins, coordenadora do comitê gestor e representante do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), alerta para os cortes orçamentários que impactam a pasta. “Vivemos um momento de restrições financeiras, especialmente no MDHC“, afirmou. A solução, segundo ela, está na busca por parcerias com parlamentares e organizações para assegurar a continuidade das atividades após o primeiro ano.
O observatório terá papel “fundamental no aperfeiçoamento normativo”, segundo Bruna Martins. “Da forma como foi concebido, o texto acaba afastando os familiares dos processos de busca”, afirma.
Dados das Autoridades Centrais Estaduais (ACEs) de Pessoas Desaparecidas informam que, em 2023, cerca de 77 mil desaparecimentos foram comunicados à polícia em todo o país, que representa uma média de 211 pessoas por dia.
No ano seguinte, em 2024, houve um recuo nas notificações: foram cerca de 66 mil pessoas desaparecidas no país. Deste número, 20 mil eram crianças e adolescentes. Já nos três primeiros meses de 2025, quase 13 mil pessoas tiveram seus desaparecimentos notificados. São Paulo é o primeiro estado em número de casos registrados de pessoas desaparecidas.
Os grupos mais vulneráveis no cenário são indígenas, idosos, pessoas em situação de rua, comunidade LGBTQIA+ e jovens negros das periferias.
A política considera desaparecimentos em categorias distintas, como:
- “involuntários”, aqueles cujo afastamento foi motivado por questões alheias à vontade da pessoa, como distúrbios mentais;
- “voluntários”, quando a pessoa decide por vontade própria se afastar do convívio social regular;
- “criminosos”, que consiste na retirada de pessoas do convívio social por terceiros, como sequestro, cárcere privado ou ocultação de cadáveres.
Movimento de familiares
O filho de Dalva Campioto desapareceu há 17 anos no estado de São Paulo. Desde então, a mãe recebeu pouca informação do paradeiro de Eduardo, afirmando ter sido tratada com hostilidade no processo. “Cheguei a ser solicitada para que eu mesma fizesse a investigação.” Segundo ela, o observatório é um sinal de que as famílias estão sendo incluídas no processo, mas é preciso garantir que elas estejam “no centro da questão”.

“Precisamos de um Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas que unifique o registro de todo Brasil. Há anos escutamos essa promessa, que continua no papel. Precisamos de um banco de DNA com amostras de familiares e cadáveres não identificados. Precisamos ter a certeza que os dados estão sendo corretamente incluídos no banco e estão sendo comparados”, reivindicou Campioto.
E concluiu: “Não queremos morrer sem ter notícia do que aconteceu com nossos entes queridos”.
Ao lado de Dalva Campioto no movimento, Mônica Bonfim é neta de desaparecido político. O avô, Orlando Bonfim, militante do Partido Comunista Brasileira (PCB), foi sequestrado, torturado e morto, em 1975. “Não temos notícias de que circunstâncias ele morreu ou o que foi feito com o corpo dele. Temos a promessa da certidão de óbito, algo que pouquíssimas pessoas têm em mãos”, contou.
Para ela, é necessário que o governo chancele a certidão de óbito aos familiares de desaparecidos da ditadura, “num movimento de pacificação”, e “que seja investido mais tempo e dinheiro na busca pelas ossadas”.
Especialista em direito internacional humanitário, Ariel Dulitsky afirma que é preciso compreender quais forças políticas e econômicas intervêm e quem se beneficia do desaparecimento. Para ele, o observatório não pode se limitar a “observar”, mas ser um farol que participe do processo de solucionar o fenômeno do desaparecimento no país.