O presidente da CPI que investiga o incêndio da Pousada Garoa em Porto Alegre, que resultou em 11 pessoas mortas e outras 15 hospitalizadas em abril de 2024, disse ver indícios de irresponsabilidade da prefeitura de Porto Alegre, contratante do local para abrigar pessoas em situação de vulnerabilidade social. A avaliação do vereador Pedro Ruas (Psol) foi feita durante sessão na Câmara de Vereadores que ouviu vizinhos, trabalhadores e sobreviventes do incêndio, realizada na manhã desta segunda-feira (31).
Um dos depoimentos foi o do ex-porteiro do local, Bruno Morais Martins. Ele disse que, na noite do incêndio, um desconhecido com o rosto ensanguentado entrou na pousada por volta das 20h e não foi localizado posteriormente. Contou ainda que a porta central do prédio ficava trancada entre 23h e 4h e que permitia o ingresso e a saída dos residentes nesse período, que “não ficavam trancados lá dentro, sem possibilidade de sair”. Ressaltou que nenhum funcionário da pousada trancava os quartos por fora, e que poucos dormitórios tinham fechadura em bom estado.
Segundo Martins, o incêndio começou em um quarto do térreo, que era utilizado como depósito. Ele disse ter destrancado a porta do prédio assim que ouviu os gritos de “fogo”. O ex-porteiro relatou não ter conseguido operar o único extintor de incêndio e que alertou os moradores da emergência, orientando o grupo a deixar o prédio. Ele disse que o que dificultou a saída das pessoas foi o fato de uma das duas escadas do prédio estar bloqueada. A escada que estava aberta tinha formato caracol.

Sobreviventes
Cleiton Barbosa Moreira era morador na unidade da avenida Farrapos na ocasião. Ele teve queimaduras nos braços e nas pernas e ficou dois meses internado em hospitais. Na CPI, ressaltou ter estranhado que as luzes haviam se apagado e, por isso, saiu do quarto no terceiro andar. Moreira disse ter encontrado a escada em meio ao escuro e relatou ter se queimado enquanto buscava a saída do prédio. “Com muita dor, consegui sair.”
João Luís Martins Pereira, também sobrevivente do incêndio, informou ter saído correndo do quarto assim que percebeu a emergência. Ele afirmou que a porta do prédio estava aberta. Questionado, destacou nunca ter visto fiscalização da prefeitura entre os anos de 2023 e 2024, período em que morou nas unidades da Pousada Garoa.
Vizinhos
O vereador Marcos Felipi (Cidadania), relator da CPI, leu o relato de dois frentistas do posto de gasolina localizado nas proximidades da pousada. Lucas Pereira da Silva disse que, na tarde anterior ao incêndio, um homem com comportamento alterado tentou ingressar na pousada pelos fundos, pois não haviam lhe permitido o acesso pela frente do prédio. Ele estaria tentando “pegar um cara”. De acordo com o frentista, a pousada “era uma grande baderna”.
Em seu depoimento, Roberto Almeida da Silva corroborou o relato de que um homem tentava acessar a pousada pelos fundos, por meio do estacionamento do posto de gasolina. “Era nítida a sua intenção de ingressar na pousada e fazer algum mal”, disse o frentista.
Responsabilidades
Os depoimentos da sessão, tanto dos trabalhadores como dos sobreviventes sobre as experiências na pousada, foram avaliados pelo presidente da CPI. Ruas (Psol) vê como um indício claro de que houve irresponsabilidade por parte dos contratantes dos espaços para hospedagem de pessoas que necessitavam.
“Uma única porta de saída e dois prédios unidos com uma única porta, obrigando as pessoas a passar nesse brete. As fiscalizações das condições, conforme ficou muito claro, eram comunicadas para que os funcionários da pousada pudessem maquiar o ambiente”, disse.
Como iniciou o fogo, na avaliação de Ruas, não é a coisa mais importante. “Precisamos saber porquê as pessoas não tiveram chance de sair, tiveram que se atirar pelas janelas e, ainda, porque os extintores não funcionavam”, concluiu.

Incêndio com maior número de vítimas em décadas
O incêndio da Pousada Garoa, em 26 de abril de 2024, foi o sinistro com o maior número de mortos na capital gaúcha desde 1976. Foram 11 pessoas, todas em situação de vulnerabilidade, que morreram carbonizadas, e 14 que ficaram feridas gravemente.
A rede de pousadas Garoa mantém convênio com a Fundação de Assistência Social e Comunitária (Fasc) da Prefeitura de Porto Alegre para abrigar pessoas sem condições de moradia. Conforme informado pelo Corpo de Bombeiros, a pousada não possuía alvará nem Plano de Proteção contra Incêndio (PPCI). A prefeitura afirmou que o PPCI foi apresentado no processo licitatório.
