A Câmara de Vereadores de São Leopoldo, Região Metropolitana de Porto Alegre, lançou, na última quinta-feira (26), a Frente Parlamentar em Defesa da Tarifa Zero no Transporte Coletivo. A proposta do vereador Anderson Etter (PT) vem sendo debatida pelo parlamentar desde 2024, antes mesmo da eleição, e tem interlocução junto aos empresários do setor na cidade. A criação da frente foi aprovada em fevereiro deste ano.
O lançamento contou com a participação do cientista político Giancarlo Gama, fundador da Organização Não Governamental (ONG) Jevy Cidades, de São Paulo. A entidade foi contratada para realizar o estudo técnico e de viabilidade de implementação da tarifa zero no município, com recursos próprios do mandato. O estudo inclui análise financeira, planejamento operacional, diagnóstico detalhado do transporte público existente e identificação de fontes de financiamento sustentáveis.

Para Etter, a tarifa zero contribui no enfrentamento das mudanças climáticas. “Lutamos por essa política pública que reduz significativamente os impactos: menos veículos, menos consumo de combustível, menos pavimentações, menos despesas com doenças respiratórias, menos acidentes e mortes no trânsito, entre outros impactos. Em resumo, menos gasto de matéria-prima para o mesmo processo, menos emissões de carbono.”
A tarifa zero no transporte, prossegue o parlamentar, “potencializa o coletivo e resgata a qualidade de vida perdida em meio a um trânsito caótico e extremamente poluidor. Projeta o ir e vir no meio urbano de forma serena”.
Durante o lançamento, Gama pontuou que as cidades gastam mais transportando resíduos sólidos do que com transporte de pessoas. “Quase 90% das cidades custeiam a tarifa zero 100% com recursos próprios municipais, sendo que custa em média 12 centavos cada cidadão, por dia, para a gratuidade universal”, expôs.
Além da questão em relação às mudanças climáticas, a tarifa zero ajuda no desenvolvimento da cidade, aumentando a receita e fomentando o comércio local, observou Gama. Para exemplificar a afirmação, ele citou a cidade de Maricá, no Rio de Janeiro, que há 10 anos adotou a política. “A cidade registra uma economia de R$ 12 milhões mensais para as suas famílias, recursos que podem ser investidos em alimentação, por exemplo.”

O transporte na cidade de Maricá, que tem uma população de cerca de 200 mil habitantes, é feito pela Empresa Pública de Transportes (EPT). De acordo com o Executivo municipal, em 2024, mais de 39 milhões de deslocamentos foram realizados. “A EPT não calcula o número de passageiros, mas sim de deslocamentos realizados pelos usuários, já que há a liberdade da mesma pessoa utilizar o serviço quantas vezes forem necessárias”, expõe.
De acordo com Etter, o resultado do estudo da Jevy Cidades será o plano estratégico e eficiente para tornar o transporte público gratuito, realidade em território capilé. “Temos nos debruçado sobre esta pauta, prevista no Plano Local de Ação Climática, há tempos. A tarifa zero vai resgatar a qualidade de vida de nossa comunidade através de uma série de benefícios diretos, desde a otimização da mobilidade urbana, por meio da democratização do transporte coletivo, até a diminuição da poluição e melhora na qualidade do ar.”
Aumento da passagem em Porto Alegre
Enquanto o debate acerca da gratuidade no transporte público avança no município leopoldense, em Porto Alegre a tarifa, a partir desta segunda-feira (31), passará de R$ 4,80 para R$ 5. De acordo com a prefeitura, o aumento acontece após quatro anos, com “o objetivo de manter o equilíbrio financeiro e operacional do sistema de transporte coletivo com um valor que caiba no bolso do trabalhador”. Além da tarifa dos ônibus, também será reajustada a dos táxis. O reajuste foi fixado por meio dos decretos 23.209/25 e 23.210/25 publicados em edição extra no Diário Oficial do Município de Porto Alegre (Dopa) da última sexta-feira (28).
“Apesar da operação exigir uma tarifa técnica maior, a prefeitura vai investir em um aporte que representa 71% das isenções previstas em lei a fim de assegurar uma tarifa mais justa e que caiba no bolso do trabalhador. Vamos continuar os esforços para garantir mais conforto e qualidade no serviço para os usuários”, afirmou o secretário de Mobilidade Urbana, Adão de Castro Júnior.
Na semana passada, manifestantes, em sua maioria estudantes, saíram às ruas da capital contra o aumento da passagem.
Em março de 2024, na Câmara Municipal de Porto Alegre, foi lançada a Frente Parlamentar em Defesa da Tarifa Zero no transporte coletivo da Capital, proposta pela vereadora Karen Santos (Psol).
“Nosso mandato está organizando uma reunião da Cuthab [Comissão de Urbanização, Transportes e Habitação] para o dia 15 de abril sobre o fundamento do aumento da passagem. Com a mudança feita pelo [Sebastião] Melo no Conselho Municipal de Mobilidade Urbana a apresentação e decisão sobre o cálculo da tarifa não passa mais pelo controle público”, afirma Santos.
Segundo a vereadora, o município tem uma decisão judicial que o obriga a administrar o sistema de bilhetagem, e isso não vem sendo cumprido. “Sem transparência é inadmissível aceitar esse aumento, e junto as movimentações parlamentares é fundamental a mobilização popular pela tarifa zero, que é a possibilidade de garantir o subsídio que já vem sendo dado, que tenha um controle público, metas de qualidade, e 100% de gratuidade”, disse a vereadora ao Brasil de Fato sobre o aumento.
Sobre a tarifa zero
A discussão sobre a tarifa zero no país surgiu nos anos 1990, quando a então prefeita de São Paulo Luiza Erundina tentou adotar o modelo na cidade, a partir de proposta feita pelo então secretário municipal de Transportes Lucio Gregori. Rechaçada na capital, o programa foi adotado na cidade de Conchas, no interior de São Paulo, em 1992, tornando-se a primeira cidade brasileira a aderir ao programa.
De acordo com a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), 145 municípios oferecem gratuidade, parcial ou total, no sistema. Em 120 deles, o benefício é válido todos os dias e para toda a população. No Rio Grande do Sul, o passe livre pleno é adotado em Parobé, no Vale do Paranhana, desde março de 2022, e em Pedro Osório, no sul do estado, desde novembro de 2018.
Já de acordo com levantamento feito pelo pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Daniel Santini, o Brasil tem 125 cidades com tarifa zero. O levantamento é realizado de forma permanentemente e pode ser conferida neste link.
Durante a calamidade pública causada pela enchente do ano passado, a cidade de Canoas teve gratuidade no transporte coletivo.
“A adoção da tarifa zero é uma política pública, inclusiva e de caráter social, que garante o acesso universal a um serviço público essencial e estratégico, direito do cidadão e dever do Estado. Importante instrumento de organização do espaço urbano e de racionalização do uso do sistema viário, principalmente, pelo aumento do uso do transporte coletivo. Além disso, é a expressão maior da utilização do subsídio pleno para o pagamento de todos os custos operacionais incorridos na operação dos ônibus”, escreveu em artigo o diretor executivo da NTU, Francisco Christovam.
