Na maior mobilização de entregadores na capital paulista desde o #BrequeDosApps de 2020, cerca de dois mil trabalhadores fizeram uma motociata na av. Paulista e até a sede do iFood, na cidade vizinha de Osasco, nesta segunda-feira (31). O ato integra o Breque Nacional de 48h, organizado simultaneamente em cerca de 60 cidades com a demanda central de aumento da taxa mínima por corrida de R$ 6,50 para R$ 10.
Leia também: Em greve nacional, entregadores brecam saída de pedidos em shoppings na capital paulista
Depois de esperar horas e já embaixo de chuva em Osasco (SP), os trabalhadores receberam um não da empresa às suas demandas. Saíram da frente do iFood se dividindo em grupos de cada uma das zonas da capital paulista e região metropolitana para brecar a saída de entregas dos principais shoppings da cidade.
Os entregadores prometem paralisar os pedidos do horário de janta desta segunda até a noite de terça-feira (1), dia também definido para a mobilização nacional.
“A greve vai continuar. Os caras não deram porra nenhuma, mas eles viram que o movimento foi forte no país inteiro, e nós vamos continuar, porque nós vamos mandar o recado. Não é justo o que eles estão fazendo, fizeram nós de trouxa, responderam porra nenhuma, então a gente vai parar o país inteiro”, anunciou, sob aplausos, uma das lideranças da greve de cima do carro de som.
Além da taxa mínima, os trabalhadores reivindicam o aumento da remuneração de R$ 1,50 para R$ 2,50 a cada quilômetro rodado; o limite de um raio de 3 quilômetros para entregas feitas em bicicleta; e o pagamento integral por corrida mesmo quando pedidos são agrupados na mesma rota.

As pautas foram apresentadas por uma comissão de nove entregadores recebidos, após pressão, em uma reunião fechada dentro da sede da empresa com João Sabino, diretor de Políticas Públicas do iFood, e Johnny Borges, diretor de Impacto Social da empresa. Este último é figura conhecida por entregadores envolvidos em mobilizações nos últimos anos: cumpre a função de lidar com os movimentos de trabalhadores.
A entrada da comissão de grevistas, no entanto, foi conturbada. Os próprios entregadores tiveram discussões acaloradas. Parte considerava que o diálogo tinha que acontecer com um representante do iFood do lado de fora, dando explicações a todos. A empresa negou. Outra parte achou válido que um grupo de lideranças entrasse, desde que a reunião fosse transmitida ao vivo.
Os grevistas indicaram dez pessoas. O iFood permitiu que fossem nove. Esta negociação foi inteiramente mediada pela Polícia Militar (PM). Depois de liberados, os integrantes da comissão puderam entrar um por um na sede da empresa, escoltados individualmente pelo major da PM Mosna.
Do lado de dentro, os representantes dos trabalhadores foram impedidos de registrar a conversa. De novo, houve dissenso entre os manifestantes. Muitos defenderam que, sem transmissão, a comissão deveria se retirar. Venceram os que optaram por manter a reunião. Dela, no entanto, não houve resposta positiva às demandas.

“Sem nós, não tem iFood, não tem aplicativo nenhum. Então vamos até o fim, brecar todos os pontos e continuar engajado nessa luta, não vamos desistir”, declarou Jr. Freitas, um dos fundadores da Aliança Nacional dos Entregadores de Aplicativos (Anea) e que compôs a comissão de negociação.
“Vambora, é o breque”
Ao som de buzinas, escapamento de moto e “vamo rapaziada, é o breque”, os milhares de entregadores se encontraram na manhã desta segunda (31) em frente ao estádio do Pacaembu. Nas faixas, lia-se “Bilhões para o iFood, migalhas para os motoboys” e “iFood, Rappi, 99 e Uber: parasitas promovedores da escravidão moderna”. “Isso aqui é revolta popular, é a revolta do trabalhador”, definiu Freitas de cima do carro de som.
André S. tem 19 anos e faz entrega na região da Faria Lima, um dos principais centros do mercado financeiro do país. “O iFood coloca nossa vida em risco todo dia em troca de uma taxa mínima de R$ 6,50, isso é inadmissível”, opina. “A gente está aqui hoje contra essa superexploração e precarização do trabalho”, explica o motoboy.
Depois de ocupar uma via inteira da av. Paulista recebendo gestos de apoio de pessoas nas calçadas, os entregadores estacionaram em frente ao Masp. Uma intervenção com tinta vermelha, uma bag e um papel de alumínio no chão, como se cobrisse um corpo, chamou a atenção para o alto índice de mortes da categoria.
Apenas na capital paulista, os óbitos de motociclistas subiram cerca de 20% no ano passado, segundo levantamento realizado pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran). Foram 483 mortes em 2024, contra 403 em 2023.
Para os grevistas, a letalidade da profissão é consequência da precarização. “Se a gente tivesse uma remuneração digna, não precisaria correr nem trabalhar exaustos, mais de 12h por dia”, argumenta Diego Silva, entregador de 20 anos que perdeu um colega de profissão ano passado.
O protesto, majoritariamente masculino, foi amplamente registrado por vídeos de celular dos entregadores. Falas no caminhão de som foram alternadas entre lideranças e influenciadores da categoria. Os dois parlamentares presentes na manifestação, com posições opostas no espectro político – a vereadora Luana Alves (Psol) e o deputado federal bolsonarista Delegado Palumbo (MDB) –, não tiveram permissão para falar no microfone.
O almoço dos manifestantes foi em parte garantido pela doação de 300 marmitas da cozinha solidária do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Entregador há sete anos, Alexandre dos Santos argumenta que as plataformas estão pagando “o mínimo do mínimo”: “A gente vai no mercado e não consegue acompanhar o preço dos alimentos, não consegue acompanhar o preço do combustível”.
“A gente está lutando por isso, eu não vejo ninguém lutar pelos motoboys. Fora que quando a gente vai trabalhar a gente é muito desrespeitado. As pessoas tratam a gente como se a gente fosse nada. Por isso estou aqui e vou continuar aqui até eu ver a melhora. Porque a gente merece isso. A gente trabalha na chuva, a gente trabalha no sol. E o mínimo que eles têm que fazer é reconhecer”, defende Alexandre.

O Brasil de Fato entrou em contato com a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Abomitec), que representa empresas como o iFood, Uber, Lalamove e 99. A entidade informou que “respeita o direito de manifestação” e que a renda média dos entregadores “cresceu 5% acima da inflação entre 2023 e 2024”.
A reportagem também questionou o iFood sobre o motivo da negativa às demandas dos trabalhadores. Perguntou, ainda, por que a PM intermediou a entrada dos entregadores na empresa e por que a reunião não pôde ser gravada. Em nota, a gigante do delivery confirmou a reunião “com nove representantes dos manifestantes na tarde desta segunda-feira (31), no escritório da empresa em Osasco. Reafirmando sua abertura ao diálogo, foram discutidas as principais demandas apresentadas pelo movimento e ficou acordado que o iFood retornará com devolutivas para as lideranças”.