O bebê Ravi Emane não resistiu às complicações do parto no Instituto de Saúde Elpídio de Almeida (Isea), em Campina Grande (PB), e morreu no último fim de semana, tornando-se mais uma vítima de falhas assistenciais no hospital. A família relata que, logo após o nascimento, o recém-nascido foi levado às pressas para outra unidade sob a justificativa de “aspiração de líquido amniótico”, mas não houve comunicação clara para a família sobre o estado dele. Horas depois, a mãe, Francikelly, foi informada do óbito.
O que aconteceu com Ravi?

De acordo com o relato da família à TV Arapuan, afiliada da Band na Paraíba, o parto ocorreu sem grandes intercorrências, porém, minutos depois, a equipe médica informou que o bebê precisava ser transferido para outra unidade de saúde por ter “engolido líquido amniótico”. No entanto, não foi apresentada explicação detalhada à família e à mãe, durante a decisão pela transferência, e após a morte da criança, também não foi apresentado laudo à família. A transferência aconteceu sem que a mãe pudesse ver o filho ou saber sobre o estado de saúde dele.
Francikelly, mãe de Ravi, desabafa: “Eu já estava caindo em cima da minha mãe, e eles vieram com uma maca correndo, dizendo que a cirurgia teria que ser feita rápido porque eu iria para uma cesárea. Mas muito antes eu já estava implorando por uma cesárea, porque eu não iria aguentar ter normal. Eles vieram com uma maca e me levaram para a sala de cirurgia, me anestesiaram e tiraram meu filho de dentro de mim. Eu não o escutei chorando e não sabia para onde eles iam com o meu filho. E me deixaram só na sala da cirurgia, e depois de muito tempo me tiraram de lá para a Ala das Rosas. Falaram para minha mãe que meu filho teria engolido o líquido amniótico, só que o meu filho já estava sem vida”.
Alguns pontos de destaques apresentados por Francikelly e seus familiares:
– Falta de monitoramento e de comunicação à família: familiares disseram que não houve acompanhamento contínuo do bebê após o parto e nem foram repassadas informações sobre o que realmente estava acontecendo com o estado de saúde do bebê, durante a transferência do mesmo.
– Demora no atendimento: a família alega que, mesmo após a transferência, não recebeu atualizações sobre o estado de Ravi até a confirmação da morte.
– BO registrado: um boletim de ocorrência foi aberto na Polícia Civil, que investiga possível negligência.
O que diz a Secretaria de Saúde de Campina Grande
A Secretaria Municipal de Saúde de Campina Grande afirmou, em nota, que o caso está sendo apurado pela Comissão Interna de Investigação do Óbito do Instituto de Saúde Elpídio de Almeida e que a equipe obstétrica do Isea identificou fatores de risco associados à gestação de Francikelly e hábitos incompatíveis com a gravidez. A nota também diz que foi registrada a ausência de exames e consultas de pré-natal pela parturiente.
A Secretaria de Saúde de Campina Grande também explica que a gestante foi prontamente atendida pela equipe médica. “A gestante foi admitida na maternidade às 02h01 do dia 26 de março com relato de contrações. A paciente foi monitorada constantemente durante toda a madrugada e pela manhã, apresentando contrações normais e ausculta fetal regular. Às 10h, o registro da evolução aponta indicadores normais, e às 10h30 o monitoramento identificou bradicardia na ausculta fetal. A cirurgia cesárea foi realizada e o recém-nascido passou por reanimação cardiopulmonar. O bebê ficou internado na UTI Neonatal e às 14h30 foi transferido em estado regular para o Hospital da Clipsi. Na unidade hospitalar, a criança foi a óbito. A mãe recebeu alta médica do Isea no dia 28 de março.”.
Para Francikelly é difícil acreditar que seu bebê não tenha morrido no Isea, já que ela não pôde ouvir o choro do bebê e muito menos foi informada do que estava acontecendo com o estado de saúde dele, a ponto de ser transferido para outra unidade hospitalar, mesmo o Isea possuindo UTI Neonatal.
Contexto alarmante: Ruth, Danielle, e seu bebê, morreram no mesmo mês
A morte de Ravi não é um caso isolado. Em março – mês dedicado às mulheres – a Paraíba teve outras tragédias.
Danielle Morais, 38 anos, morreu após complicações no parto no Isea. O bebê dela também não resistiu. Ela teve o útero removido devido a complicações. A família acusa a equipe médica de administrar uma superdosagem de medicamentos para indução do trabalho de parto, o que teria levado a graves consequências. Após 12 dias internada, Danielle recebeu alta, mas morreu depois, com suspeita de AVC hemorrágico.
A Secretaria de Saúde de Campina Grande, em coletiva de imprensa realizada, com a presença do prefeito de Campina Grande, na quarta-feira (26), no mesmo dia em que Francikelly foi internada no Isea, afirmou que a morte de Maria Danielle Cristina Morais Sousa, de 38 anos, não teria ligação direta com a perda do filho no parto e a retirada do útero. De acordo com a pasta, a paciente já possuía comorbidades e possíveis doenças genéticas que podem ter relação com o Acidente Vascular Cerebral (AVC) que resultou na morte de Danielle na terça-feira (25).
O viúvo de Danielle Morais, Jorge Elô, contestou a versão e publicou uma carta aberta nas redes sociais rebatendo as declarações dadas pelo prefeito de Campina Grande, Bruno Cunha Lima (União), em que este afirma estar havendo politização do ocorrido.
Na carta, Jorge Elô contesta a declaração do prefeito e afirma que, desde o início, a família buscou apenas justiça e não uma politização do ocorrido. Ele destaca que o médico particular de Danielle, que também estava de plantão no Isea no dia da morte, acompanhava toda a gestação e tinha pleno conhecimento do histórico de saúde da paciente.
A carta questiona a decisão do médico de alterar a forma de administração da medicação e critica a falta de uso de uma bomba de infusão controlada. O viúvo também denuncia a negligência da equipe médica, que ignorou sinais claros de complicações como dores intensas, vômitos e tremores apresentados por Danielle.
Mãe e bebê morrem após parto no Instituto de Saúde Elpídio de Almeida (Isea) em Campina Grande (PB)
Ruth Maia, 17 anos, morreu durante o parto, em um hospital na cidade de Itabaiana. Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) informou que o uso do fórceps foi indicado porque havia “sinais de sofrimento fetal e exaustão materna”. Após o nascimento do bebê, no entanto, “a paciente apresentou quadro agudo de hemorragia pós-parto, com laceração perineal grave e necessidade imediata de protocolo de emergência”. Familiares relatam que sinais de risco foram ignorados.
“Na segunda-feira, 7h da manhã, eu recebi a certidão de óbito de Ruth. Teve negligência médica, tanto os médicos de Itabaiana quanto de Pedras de Fogo queriam fazer aquelas massagens em cima, forçando a barriga dela, uma manobra perigosa, e isso também é violência obstétrica. Eu fiquei pedindo a eles, nos dois hospitais, para fazer uma cesárea porque ela não estava mais aguentando, mas eles não ligaram para a minha opinião. Eu quero justiça”, disse Jordão.
O que o marido de Ruth Maia relata a respeito da manobra perigosa trata-se da manobra de Kristeller, não recomendada pelo Ministério da Saúde, além de ser uma prática banida pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Já para o Conselho Federal de Enfermagem, a manobra de Kristeller é considerada violência obstétrica.
Mulher de 17 anos morre após parto a fórceps em hospital de Itabaiana (PB)
Audiência pública vai debater violência obstétrica na Paraíba neste dia 3 de abril
A deputada estadual Cida Ramos (PT) convocou uma audiência pública para debater os recentes casos de violência obstétrica na Paraíba, após a morte de Maria Danielle Cristina Morais Sousa, 38 anos, e seu bebê no Instituto de Saúde Elpídio de Almeida (Isea), e de Ruth Iaponira da Silva Maia, de 17 anos, que morreu na segunda-feira (24), após complicações de parto forçado no Hospital de Itabaiana, vindo à óbito na Maternidade Frei Damião, em João Pessoa. A audiência está marcada para o dia 3 de abril, às 14h, no Plenário da Assembleia Legislativa (ALPB), com participação de autoridades e movimentos sociais.
A audiência foi convocada antes da morte do bebê Ravi Emane, no entanto, vai tratar de todos os problemas denunciados por essas famílias que perderam suas parturientes e seus respectivos bebês.
A deputada Cida Ramos é autora da Lei 11.329/2019, que determina a obrigação da Administração Pública Estadual em garantir um atendimento humanizado e o combate à violência obstétrica no sistema de saúde da Paraíba, público e privado. A lei visa assegurar dignidade, autonomia e saúde integral às mulheres, além de buscar reduzir desigualdades de gênero e promover práticas éticas na assistência obstétrica. “Não descansarei enquanto não houver justiça. A violência obstétrica é uma forma de feminicídio”, disse ela.
Ministério Público da Paraíba investiga Isea
No dia 12 de março, o Ministério Público da Paraíba (MPPB) instaurou notícia de fato para apurar denúncia de negligência médica no Isea. Segundo a promotora de Justiça, Adriana Amorim, embora o MPPB não tenha sido acionado formalmente sobre o caso, foi instaurado, de ofício, uma notícia de fato para apurar a situação que envolveria violência obstétrica e teria causado a morte de um bebê, na maternidade. Dentre as diligências determinadas, estão a solicitação de instauração de sindicâncias pela Secretaria Municipal de Saúde, pelo Conselho Regional de Medicina (CRM) e pelo Conselho Regional de Enfermagem (Coren).
Já no último dia 25 de março, o Centro de Apoio Operacional (CAO) da Saúde, do Ministério Público da Paraíba, encaminhou aos promotores de Justiça que atuam na área da saúde, modelos de atuação para fiscalização e acompanhamento para prevenção da mortalidade materna.
Em 2024, a Paraíba teve 27 mortes maternas que foram analisadas pelo Comitê Estadual de Prevenção de Morte Materna Infantil (CEPMMI).
Para Fabiana Lobo, coordenadora do CAO da Saúde, do Ministério Público da Paraíba, “toda vez que há um óbito materno existe uma análise da causa desse óbito pelo Comitê Estadual, do qual o Ministério Público faz parte. Da análise dos relatórios encaminhados foi verificado que algumas situações seriam evitadas se houvesse um funcionamento eficaz da rede de saúde, tanto da atenção primária como da rede hospitalar”, explicou.
Por isso, segundo Lobo, diante disso, “foi construído um material de atuação para os promotores e promotoras de defesa da saúde, para que possam exigir do município, que é responsável pela Atenção Primária, uma atuação de busca ativa da gestante, a classificação conforme o risco e também a aquisição de insumos e de medicamentos que são necessários para o pré-natal. Essa relação dos insumos e medicamentos foi encaminhada para o CAO pela Secretaria de Saúde do Estado, e estamos encaminhando o material para os promotores”.
As mortes de Ruth Maia, Danielle Morais, Davi Elô e Ravi Emane ocorreram em menos de 30 dias, levantando suspeitas sobre a estrutura e os protocolos dos hospitais.
Secretaria de Saúde do Estado (SES)
Durante entrevista à rádio Arapuan FM, nesta segunda-feira (31), o secretário de saúde da Paraíba, Ari Reis, falou que está acompanhando as mortes de bebês e gestantes no Instituto de Saúde Elpídio de Almeida (Isea). “Nós estamos acompanhando com bastante atenção desde o final de 2024 todo o cenário materno infantil na cidade de Campina Grande. A cidade notoriamente passa por uma crise na gestão de saúde pública. Essa crise ainda não se declara como uma crise sanitária, não se declara como um estado de calamidade pública, que é quando a secretaria pode tomar as devidas providências de intervenção, mas estamos acompanhando atentamente”, declarou em entrevista à Arapuan FM.
Reis, que é vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), também falou que a SES está ofertando apoio na regulação, e à gestão municipal, redirecionando gestantes de outros municípios, que antes eram referenciadas para o Isea, para maternidades em Queimadas e em Monteiro.
A redação do jornal Brasil de Fato PB tentou entrar em contato com o hospital Isea, para saber mais informações sobre a morte do bebê Ravi Emane, por meio dos telefones disponibilizados na internet, mas não obteve resultados. Também entramos em contato com o Comitê Estadual de Prevenção de Morte Materna Infantil (CEPMMI) e a Secretaria de Estado de Saúde e estamos aguardando retorno. O espaço continua aberto para atualizações.