No Rio Grande do Sul, em 2024, segundo dados do Observatório de Violência Doméstica, da Secretaria Estadual da Segurança Pública (SSP), houve 52.619 registros de violência contra as mulheres. Foram registradas 31.246 ameaças, 2.329 casos de estupro (incluindo de vulnerável) e 18.737 casos de lesão corporal. Além de 72 casos de feminicídios e 235 tentativas. No levantamento da Lupa Feminista foram registrados 110 feminicídios.
De acordo com o Mapa do Feminicídio 2024, da Policia Civil, 48 das vítimas eram mães. A morte dessas mulheres deixou 100 pessoas órfãs. O autor, na maioria dos casos, 84,7%, foi o companheiro ou ex-companheiro. A residência foi o local de 72% dos crimes.

Como apontado pela promotora Ivana Battaglin, em entrevista recente ao Brasil de Fato RS, a maioria das vítimas não possuía medida protetiva (87,5%). A situação dos assassinatos de mulheres, assim como a violência de gênero, foram tema da audiência pública da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, da Assembleia Legislativa, nesta segunda-feira (31). As parlamentares que participaram da audiência, reforçaram a necessidade da união de todos e todas no enfrentamento da violência. Como também o não silenciamento.
Na ocasião a delegada Fernanda Hablich apontou que, em 2025, já são 17 feminicídios tentados no Rio Grande do Sul, nove dos quais ocorreram em Porto Alegre. De acordo com o Observatório de Violência Doméstica, foram registradas 51 tentativas entre os meses de janeiro e fevereiro, e 13 vítimas de feminicídio.
“Algumas violências contra as mulheres ainda são naturalizadas em nossa sociedade, e por isso acontece o silenciamento. Diante disso é tão importante falar desses crimes, para que meninas e mulheres, ao primeiro sinal de violência, possam reconhecer o comportamento errado de seus agressores. E sair das relações antes que seja tarde”, afirma a juíza-corregedora Taís Culau de Barros.
Responsável pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cevid) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), a magistrada ressalta a necessidade de incentivar as mulheres a buscar proteção. “Através de medidas protetivas de urgência, a procurar a rede de apoio, a polícia, o poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública.”
Abaixo a entrevista completa:
Brasil de Fato RS: A Lei do Feminicídio completou dez anos de vigência em março deste ano. Qual a avaliação que a senhora faz sobre essa primeira década da lei, a importância que ela tem e os impactos que trouxe para o sistema de justiça?
Taís Culau de Barros: A visibilidade que a lei trouxe para os crimes de feminicídio é muito importante, pois quando não nomeamos um fenômeno ele não fica destacado. Chamar o crime de matar mulheres pela sua condição de mulher de feminicídio, e agora ter um tipo legal específico na lei, possibilita ter maior conhecimento sobre a ocorrência desses crimes. Inclusive sobre as estatísticas o envolvendo.
O impacto, assim, é positivo no sistema de justiça, possibilitando a melhora da justiça e proteção das mulheres vítimas. Além disso recentemente houve o aumento da pena para esses crimes.

O silenciamento ainda é uma realidade?
Infelizmente sim. Algumas violências contra as mulheres ainda são naturalizadas em nossa sociedade, e por isso acontece o silenciamento. Diante disso é tão importante falar desses crimes, para que meninas e mulheres, ao primeiro sinal de violência, possam reconhecer o comportamento errado de seus agressores. E sair das relações antes que seja tarde.
Falando sobre o crime e sobre situações de violência, mulheres, que muitas vezes estão em um relacionamento abusivo por anos, podem criar coragem, reconhecer o que estão passando, e procurar ajuda.
“Ainda há sub-representação em cargos de poder, salários menores para mulheres do que para homens, piadas machistas são normalizadas”
Apesar da lei, o país registra cerca de 1 mil assassinatos de mulheres por ano. Que fatores poderiam explicar que mesmo com a lei, e outros dispositivos, os números desse tipo de crime seguem elevados?
Nossa sociedade ainda continua muito machista e desprezando as condições das mulheres. Ainda há sub-representação em cargos de poder, salários menores para mulheres do que para homens, piadas machistas são normalizadas.
Assim, é necessária uma alteração cultural, além de aumento das penas. Mas, principalmente, precisamos incentivar as mulheres a buscar proteção através de medidas protetivas de urgência, a procurar a rede de apoio, a polícia, o poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria.
Que melhorias deveriam ser feitas na lei, e o que precisa ainda para diminuirmos os índices de feminicídio no país?
Como já referi, para a diminuição dos crimes de feminicídio além da repressão e de medidas preventivas de segurança, como as medidas protetivas, é necessária uma profunda mudança de cultura. Quanto à lei, recentemente, na lei 14.994/24, o crime de feminicídio passou a ser um crime autônomo com pena mais alta, de 20 a 40 anos.
Considerando os crimes acontecidos no RS, também se mostra cada vez mais necessário o reconhecimento da circunstância de uma pessoa ser morta para atingir a mulheres para que o apenamento seja aumentado. (No dia 25 de março, Tiago Ricardo Felber, confessou ter jogado o filho Theo Ricardo Ferreira Felber, de 5 anos, de uma ponte em São Gabriel, região sudoeste do RS (Campanha Gaúcha). Ele afirmou que cometeu o crime por vingança).
“O TJRS tem uma vara especializada em feminicídio em Porto Alegre, o que possibilita que a tramitação das ações e a justiça seja mais rápida e prioritária nesses casos”
Que programas, ações o TJRS tem em relação a questão do feminicídio?
O TJRS tem uma vara especializada em feminicídio em Porto Alegre, o que possibilita que a tramitação das ações e a justiça seja mais rápida e prioritária nesses casos. Temos também diversas campanhas de conscientização, desde campanhas para que a igualdade de gênero se torne realidade. Como o Jogo da Fada Lila, dirigido a crianças de ensino fundamental, visando a mudança de cultura machista. Sabemos que a maior causa dos feminicídios reside no sentimento de posse e na superioridade que os homens agressores acreditam ter sobre as mulheres.
Para adolescentes do ensino médio foi desenvolvido, pela Dra. Cristiane Zardo, magistrada da vara de feminicídios, um projeto de júri nas escolas. Para que os jovens tenham contato com um júri de feminicídio, e possam aprender na prática sobre a forma mais grave de violência contra as mulheres.
Também fazemos capacitação para as redes nas diversas comarcas. São formados facilitadores de grupos reflexivos de gênero (para a mudança dos agressores, com resultados comprovados na diminuição de reincidência). Além de campanhas voltadas ao incentivo de que as mulheres busquem por medidas protetivas, pois elas efetivamente salvam vidas.
Como ações como os bancos vermelhos ajudam na conscientização e que outras medidas poderiam ser adotadas?
Chamar a atenção para o crime leva que mulheres possam criar coragem para denunciar a violência que sofrem e saber que terão apoio. Os bancos têm instruções de como buscar ajuda e trazem a discussão sobre o tema e a necessária conscientização.
Como juíza, como a senhora avalia a aplicação da Lei do Feminicídio? E também sobre a lei que aumentou a pena de reclusão e colocou o feminicídio no rol de crimes hediondos?
A opção do legislador de aumentar a pena e tornar o crime hediondo traz uma resposta necessária a esse crime gravíssimo, e tornando a resposta mais severa, aumenta a percepção de justiça nesses casos.
