Para o advogado Gabriel Sampaio, da Conectas Direitos Humanos, a atual estrutura das polícias militares no Brasil está profundamente enraizada na história da escravidão. Em entrevista à primeira edição do programa Conexão BdF, do Brasil de Fato, nesta terça-feira (1), ele avaliou que as agências de repressão do Estado estão “umbilicalmente relacionadas” ao processo histórico de repressão aos movimentos populares que resistiam ao modelo escravocrata. Para ele, essa herança ainda se reflete nas práticas violentas das forças de segurança, que continuam a ser pautadas por uma lógica racista, alimentada por um pacto histórico de elites.
“A ditadura militar não apenas modernizou as polícias militares, mas essas instituições sempre estiveram ligadas à repressão de qualquer forma de resistência, e isso vem desde o período da escravidão”, afirmou Sampaio. Segundo ele, a repressão à resistência popular no Brasil tem raízes profundas e ainda influencia a forma como o Estado lida com as populações negras e periféricas.
Embora o Brasil tenha se redemocratizado, as desigualdades estruturais e a violência policial continuam a afetar principalmente as populações negras e periféricas. Quase 88% das pessoas mortas por policiais no país eram negras, de acordo com dados do boletim “Pele Alvo: Mortes Que Revelam Um Padrão”, publicado pela Rede de Observatórios da Segurança em novembro de 2024. “Esses números não mudam”, lamentou o advogado. Para ele, a lógica da “guerra às drogas” e a criminalização das populações mais vulneráveis são reflexos de uma estrutura de segurança pública ainda marcada por estigmas e preconceitos.
Na visão de Sampaio, a militarização das forças de segurança no Brasil continua sendo um obstáculo para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. “A ideia de uma guerra contra as drogas e a criminalização de populações marginalizadas são parte de um processo histórico que nunca foi completamente revisto”, afirmou.
Elementos da escravidão foram reforçados na ditadura militar
De acordo com o advogado da Conectas, os estigmas advindos do período da escravidão, que pautam a repressão policial, foram reforçados na ditadura militar, que completa, nesta terça-feira, 61 anos. “Infelizmente, não houve uma revisitação desse processo histórico; ao contrário, houve uma afixação desses elementos após as ditaduras militares. Com redemocratização, ainda não completamos o processo de tornar agências de repressão adequadas à nossa Constituição Federal.”
Durante a entrevista, Sampaio frisou a importância do Brasil revisitar sua história de repressão para atender aos princípios democráticos e à Constituição. Além disso, defendeu a revisão do papel das forças armadas e das polícias militares no Brasil, ressaltando a necessidade de uma reforma profunda nas instituições de segurança. “O debate sobre a militarização e o papel das forças armadas precisa ser revisitado. Precisamos de um modelo de segurança pública que atenda a todos os cidadãos, livre dos estigmas, para que sejamos capazes de exercer plenamente a nossa cidadania”, disse Sampaio.
Para ouvir e assistir
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