O Teatro Riachuelo, no Rio de Janeiro, recebeu no mês de março a 35ª edição do Prêmio Shell de Teatro. Criado na década de 80, a premiação tem como objetivo reconhecer os grandes nomes da dramaturgia nacional, considerada uma referência no incentivo a talentos e consagrado como um dos mais antigos prêmios do teatro brasileiro. Nesta edição, artistas cearenses foram destaques e trouxeram na mala de volta para o Ceará dois troféus que consagram o teatro cearense na cena nacional.
Durante a realização da cerimônia de premiação, dois projetos cearenses foram contemplados pelo Prêmio Shell de Teatro. A multiartista cearense Jéssica Teixeira venceu a categoria Direção com o espetáculo Monga, pelo Júri de São Paulo. Já o Grupo Pavilhão da Magnólia ganhou o troféu de Destaque Nacional pela montagem A Força da Água.
“Ganhar a categoria de melhor direção no Prêmio Shell é algo que nunca imaginei. Trabalho com arte desde criança, e na escola já encarava como algo profissional. Me graduei no curso de licenciatura em Teatro, pensava em construir trabalhos com vários artistas, mas nunca imaginei estar em uma premiação”, declarou a diretora cearense Jéssica Teixeira.

Radicada em São Paulo, Teixeira é também atriz e dramaturga e se tornou um dos nomes mais relevantes do teatro contemporâneo, levando aos palcos brasileiros a dramaturgia cênica utilizando o próprio corpo. Em seu novo espetáculo intitulado Monga, que concebeu para a artista o prêmio na categoria de direção, Teixeira dá continuidade a própria pesquisa iniciada em seu trabalho teatral solo E.L.A, estrelado em 2019.
Em Monga, a diretora se propõe a revisitar a crueza do passado sem sensacionalismos, derrubando mitos, para construir outros imaginários possíveis a partir da história de Julia Pastrana, mulher mexicana que ficou conhecida como monga por ter o rosto coberto de pelos. A obra que tem como gênero principal o terror psicológico busca explorar o imaginário do público por meio de uma outra perspectiva do que seria a jaula, trazendo à tona a reflexão de que o ambiente engradado está na cabeça do público. “Como diretora, todas as escolhas que fiz foi pensando em não reproduzir aquele número da gorila presa em uma jaula, isso ficou no passado e não me pertence. Essa história está dada, mas ela não pode pertencer ao meu tempo”, declarou.

A diretora revela também que a premiação representa uma visibilidade e um holofote que a tem feito perceber em micro proporções a semelhança com a obra vencedora do Oscar de melhor filme internacional, Ainda Estou Aqui. “Eu levei minha mãe e minhas duas tias todas com mais de 60 anos, e elas me falaram ‘Nossa fazia uns 30 anos que eu não ia ao cinema’, e eu fiquei muito chocada com essa fala porque o Ainda Estou Aqui fez elas lembrarem de como é bom ir ao cinema, fez elas lembrarem como é bom torcer pelo Brasil em clima de Copa do Mundo”, pontuou.
Considerado por artistas como o “Oscar do teatro brasileiro”, a premiação possui nove categorias: dramaturgia, ator, atriz, cenário, figurino, iluminação, música, energia que vem da gente e homenagem do ano. Além das categorias principais, o evento premia ainda o destaque nacional do ano na cena teatral. Vale destacar que as categorias recebem nomeações diferentes para os estados do Rio de Janeiro e São Paulo, assim como possuem vencedores distintos para a mesma categoria.
Já a segunda premiação cearense foi para o Grupo Pavilhão da Magnólia, pelo espetáculo A força da Água, dirigido pelo dramaturgo Henrique Fontes. Estreado pelo grupo em março de 2024, a obra tem direção e dramaturgia de Henrique Fontes e traça o caminho historiográfico da seca no Ceará, desde as promessas feitas por Dom Pedro, passando pelo genocídio nos campos de concentração e no Caldeirão até o tempo presente, quando é descoberto que a água não é um direito constitucional. A peça de teatro documental, de forma bem-humorada, trata de fatos apagados da história do Brasil sobre a indústria da seca.

Por meio de uma metáfora para representar a resistência dos sertanejos, o diretor e dramaturgo Henrique Fontes ressalta que o corpo humano é composto por 60% de água e quando uma pessoa resiste é como se a água dentro dela tentasse romper aquilo que a aprisiona. “A ideia de que a água representa a luta e a resistência transforma o espetáculo em uma jornada de resiliência, um convite ao público para refletir e se posicionar diante da realidade vivida pelo povo nordestino”, afirma.
Em entrevista para o Brasil de Fato Ceará, os artistas e produtores Jota Junior Santos e Silvianne Lima apontam o simbolismo que a premiação representa para o grupo Pavilhão da Magnólia, uma vez que em 2025 o grupo celebra 20 anos de atuação.
“Essa premiação diz muito sobre o que a gente vem construindo até aqui. Ela traz reconhecimento, o que por si só, já é motivo de muita comemoração, devido todos os desafios que viver de teatro neste país, nessa cidade, nos oferece. Para gente continuar junto em coletivo, produzindo em diálogo com outros artistas e com a cidade de Fortaleza é nosso jeito de se colocar no mundo artisticamente, poeticamente e politicamente”, afirmam.

Os produtores destacam ainda as expectativas com o futuro do grupo em relação ao prêmio conquistado e esperam que, a partir desta premiação, o teatro local ganhe maior valorização e possa chegar a outros públicos, assim como possam garantir um maior incentivo de políticas públicas para a continuidade do trabalho coletivo.
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Desafios do teatro cearense
De acordo com os produtores da obra vencedora na categoria Destaque Nacional, os desafios na cena do teatro cearense são diversos e citam como exemplo o espaço para temporada, que faz os trabalhos conseguirem se maturar e chegar a mais pessoas. “Quase sempre os organizadores limitam a uma única apresentação, trazendo o caráter de evento”, revela. Outro desafio apontado é o público, impactado pela ausência de divulgação e acesso à imprensa, quando não há recurso para assessoria de imprensa.
Já Teixeira destaca que um dos principais desafios do teatro cearense está relacionado com a ausência de políticas públicas continuadas para a cena cultural. “O Ceará tem um farol muito grande, no teatro, na dança, no cinema, na música, desde a década de 80 com o Massafeira, Belchior, Mona Gadelha, Ednardo, Fagner, com toda essa galera, mas o Ceará não consegue dar o mínimo de solidez ou estabilidade para que esses artistas continuem sendo faróis”, apontou. A multiartista ressalta também que as políticas públicas continuadas, patrocínios privados e outras formas de investimentos não conseguem caminhar nos mesmos passos da produção artística e cultural do Ceará.
Por fim, Teixeira salienta a migração contínua de artistas cearenses para outros estados e localidades brasileiras, buscando cursos e formas de trabalho, uma vez que não conseguem se estabilizar no Ceará pela falta de políticas públicas continuadas. “Acredito que se a gente tivesse o mínimo de base e solidez para estar produzindo no Ceará, saindo e voltando e trazendo todo esse olhar e mercado para dentro do estado, através das políticas públicas, os artistas cearenses continuariam produzindo lá. A nossa cena é imensa e para mim, sem dúvidas, é a melhor do país.”
Confira a lista dos vencedores da 35ª edição do Prêmio Shell de Teatro
Eleitos pelo júri do Rio de Janeiro:
Dramaturgia: Pedro Emanuel e Vinicius Arneiro por Língua
Direção: Dadado de Freitas e Mauricio Lima por Arqueologias do Futuro
Ator: Othon Bastos por Não me Entrego, Não!
Atriz: Débora Falabella por Prima Facie
Cenário: Beli Araujo e Cesar Augusto por Claustrofobia
Figurino: Claudia Schapira por Améfrica: Em Três Atos
Iluminação: Adriana Ortiz por Um Filme Argentino
Música: Beà Ayòóla pela direção musical de Amor de Baile
Energia que vem da gente: Programa Enfermaria do Riso – UNIRIO por desenvolver desde 1998 uma ação de extensão integrada entre os cursos de Teatro e Medicina para formação e pesquisa em torno de intervenções artísticas de palhaçaria em hospitais.
Eleitos pelo júri do São Paulo:
Dramaturgia: Liana Ferraz por Não Fossem as Sílabas do Sábado
Direção: Jéssica Teixeira por Monga
Ator: Alexia Twister por Rei Lear
Atriz: Mel Lisboa – Rita Lee, uma Autobiografia Musical
Cenário: J.C. Serroni por Primeiro Hamlet
Figurino: Eduardo Giacomini por Cão Vadio
Iluminação: Wagner Antônio por Um Jaguar por Noite
Música: Adilson Fernandes, Bruno Garcia, Carol Nascimento, Dani Nega, Flávio Rodrigues e Jonathan Silva pela direção musical e trilha original de Maria Auxiliadora
Energia que vem da gente: Negócio Social Tereza – pelo trabalho realizado por egressas do sistema prisional em parceria com artistas teatrais para a confecção de figurinos em espetáculos como Martinho, Coração de Rei – o Musical e Marrom, o Musical.
Destaque Nacional
A Força da Água – do Grupo Pavilhão da Magnólia, de Fortaleza (CE)
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