Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento do mérito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como ADPF das Favelas. Esse julgamento representa um marco na discussão sobre segurança pública e direitos humanos no Rio de Janeiro, trazendo à tona uma questão que acompanho de perto: a violência do Estado nas operações policiais em comunidades.
Como presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), recebo diariamente denúncias de violações, relatos de famílias que, no mínimo, têm suas rotinas viradas de cabeça para baixo pela truculência policial. Os números apenas confirmam o que a população das favelas já sabe há muito tempo: a política de confronto não traz segurança, somente mais medo, feridos e mortes.
Desde a crise das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), o Rio de Janeiro adota um modelo de segurança pública cada vez mais violento e ineficaz. Especialistas reafirmam essa constatação. A lógica de guerra transformou as favelas em verdadeiros campos de batalha, onde crianças, trabalhadores e moradores são tratados como meros alvos. Insignificantes. Mas sabemos que essa política de extermínio não resolve a criminalidade. Recentemente, o ministro Flávio Dino afirmou categoricamente: “É absolutamente falso que uma polícia que mata mais seja mais eficiente”. E eu concordo.
Os dados deixam isso claro. Entre 2019 e 2023, houve uma redução de 50% nas mortes de policiais em operações no Rio. Estamos falando de trabalhadores da segurança pública que também são sacrificados por um Estado que os coloca em territórios conflagrados, em operações que pouco alteram as estruturas de poder das facções criminosas. É o eterno “enxugar gelo” à custa da vida de pais de família.
Agora, em 2024, o estado registra o menor índice de homicídios dolosos desde 1991, com uma redução de 11% em relação ao ano anterior. Isso comprova que é possível reduzir a letalidade policial sem aumentar o risco para os agentes. Não há justificativa para tanta violência!
Ainda assim, o governo insiste em dizer que a ADPF das Favelas prejudica o trabalho da polícia. Como? Os números provam o contrário. Mesmo com as limitações impostas pelo STF, a polícia realizou mais de 4.600 operações em comunidades entre 2020 e 2024 – uma média de três por dia.
Quem vive nas favelas sabe que a polícia nunca deixou de entrar atirando.
Enquanto vidas são ceifadas em operações policiais, os verdadeiros negócios do crime continuam intocados. Pesquisas mostram que as facções lucram mais com mercados como combustíveis, cigarros, bebidas e ouro do que com o tráfico de drogas. O enfrentamento ao crime precisa focar em inteligência, combate à corrupção e desmonte das estruturas financeiras e logísticas que sustentam as facções. Mas, em vez disso, o Estado insiste em tratar a favela como inimiga. Até quando?
As comunidades do Rio são celeiros de gente trabalhadora, que sonha, que move a economia do estado, que acorda cedo para estudar, que enfrenta dupla e até tripla jornada, que quer se divertir, ter sucesso e ser feliz. Mas, antes de tudo, precisa sobreviver.
Por isso, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj tomou uma decisão importante: ingressamos como amicus curiae no julgamento da ADPF 635. Nossa voz precisa estar presente nesse debate. Não podemos permitir que segurança pública continue significando morte e exclusão para a população das favelas. O direito à vida é inegociável. Seguiremos lutando para que essa decisão do STF seja baseada em dados, na proteção dos direitos fundamentais e na construção de uma política que garanta segurança para todos!
*Dani Monteiro é deputada estadual (Psol/RJ) e presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.