Na madrugada da sexta-feira (4) para o sábado (5), o Movimento dos Sem Terra (MST) em Pernambuco realizou a sua primeira ação da jornada de lutas do Abril Vermelho. Cerca de 800 trabalhadores rurais ocuparam a massa falida da Usina Santa Teresa, em Goiana (PE), na Zona da Mata norte do estado. A usina pertence à Companhia Agroindustrial de Goiana (Caig), que por sua vez é do grupo João Santos, que tem enfrentado processos e condenações por dívidas trabalhistas com mais de 9 mil funcionários.
Dirigente nacional do MST, Jaime Amorim participou pessoalmente da ocupação nesta madrugada. “Já temos 10 acampamentos nas terras da Santa Teresa, mas agora ocupamos a área da sede da usina. Então temos o conjunto”, explica Amorim, que é crítico da monocultura da cana de açúcar na região. “Vamos sair da cana para produzir o máximo de legumes. A terra é muito boa, mas maltratada por mais de 400 anos de produção de cana”, avalia. Nas proximidades, o MST tem experiência de plantio de 40 hectares de arroz e de uma área de quase 400 hectares de inhame.
Parte das terras da massa falida da Usina Santa Teresa estão à venda, o que motivou o MST a querer ocupar toda a área. “A usina prefere vender para sanear outras empresas do grupo, por isso nos antecipamos. Já estamos em contato com o MDA [Ministério do Desenvolvimento Agrário] para garantir a desapropriação. Essas terras têm que estar a serviço da reforma agrária”, discursou Jaime Amorim.
Histórico de exploração e violência
A Santa Teresa foi fundada em 1910 pelo coronel Francisco Vellozo de Albuquerque Melo e comprada por João Santos em 1935. Desde 1966 a empresa de açúcar passou a ter nome jurídico de Companhia Agro Industrial de Goiana (Caig). No auge, a usina era capaz de produzir 1,8 milhão de sacas de açúcar refinado por safra, exportando parte da produção. Apesar disso, era conhecida por pagar baixos salários, atrasar pagamentos e não honrar com os compromissos trabalhistas.
Ganhou projeção nacional quando, em 1998, período em que pagava R$2,50 por cada tonelada de cana cortada pelos trabalhadores, um grupo de cortadores de cana decidiu iniciar uma greve por melhores pagamentos. O movimento grevista se dirigia à área de corte de cana para convocar os demais trabalhadores a cruzarem os braços, mas encontraram o caminho já bloqueado por policiais militares e capangas da usina. A emboscada contou ainda com uma caminhonete, que chegou por trás dos canavieiros disparando armas de fogo.
O trabalhador rural Luiz Carlos da Silva, casado e pai de duas crianças, foi morto com um tiro na nuca. Outros 13 trabalhadores foram feridos pelas costas por tiros e estilhaços. Dez anos depois, em 2008, um júri popular condenou 14 dos 15 réus, sendo quatro soldados e um capitão da Polícia Militar de Pernambuco, além de nove seguranças privados da empresa, naquele que foi considerado o maior da história do TJPE, com duração de cinco dias. Os réus recorreram da decisão e, 20 anos após o crime, ainda não haviam sido presos.
Na justiça civil, em 2018, a Usina Santa Teresa e o Governo de Pernambuco foram condenados a pagar uma indenização no valor de R$100 mil à viúva e aos filhos de Luiz Carlos da Silva. Também em 2018, no município de Alhandra (PB), a 40 quilômetros de Goiana (PE), dois agricultores militantes do MST foram assassinados na fazenda Igarapu, que pertence à Companhia Agro Industrial de Goiana (Caig).
Jaime Amorim, agora ocupando área da massa falida da Caig, lembra que a empresa usineira é vista pelos trabalhadores como “uma das usinas mais violentas de Pernambuco e do Nordeste”. “Eles eram muito violentos. Sempre que nós ocupamos uma área da Santa Teresa, eles imediatamente respondiam com violência”.
Em 2017, os gestores da Caig decidiram fechar a usina por pelo menos dois anos, demitindo quase a totalidade dos seus funcionários. Passados quatro anos, anunciaram que retornariam às atividades em 2023. Chegaram a fechar um acordo com a Prefeitura de Goiana para realizar serviços nas terras da usina, em troca de um terreno de 10 hectares onde a gestão municipal instalaria uma unidade da Central de Abastecimento e Logística de Pernambuco (Ceasa). Os planos não saíram do papel e a massa falida segue parada.
Grupo João Santos
Inspirado pelo industrial Delmiro Gouveia, o sertanejo João Santos inicia seu grupo econômico na década de 1930, com uma usina de cana de açúcar em Goiana (PE). Sua empresa mais notável foi a Cimento Nassau, fundada na década de 1950. Seus empreendimentos passaram pela produção de bambu, celulose, mineração, metalurgia e comunicação – sendo dono da rádio Tribuna FM e da TV Tribuna, hoje retransmissora da Band em Pernambuco.
Além de Pernambuco, as dezenas de empresas do Grupo João Santos se espalhavam pelos estados do Rio Grande do Norte, Ceará, Bahia, Piauí, Maranhão, Pará e Espírito Santo, fazendo do conglomerado o mais poderoso do Nordeste brasileiro durante um período. Desde a morte do fundador João Santos, em 2009, o grupo de empresas vem enfrentando dificuldades ainda maiores, agravadas por disputas familiares envolvendo os bens herdados.
O conglomerado empresarial está em recuperação judicial. Neste início de abril o Grupo João Santos pagou mais de R$23 milhões para um grupo de 2,4 mil funcionários e ex-funcionários com quem possuía dívidas trabalhistas. No entanto, estes credores representam apenas um quarto dos trabalhadores a quem o grupo deve.
Nova ocupação no Agreste
Na noite do sábado (5), o MST realizou mais uma ocupação num latifúndio improdutivo, desta vez em Riacho das Almas, município do Agreste pernambucano. A Fazenda Galdino, área de 500 hectares, pertence a Carlos Alberto Arruda Bezerra, popular Beto de Tota, ex-prefeito de Cachoeirinha de 2009 a 2016.
Abril Vermelho
A ocupação em Goiana é a primeira ação da jornada de lutas que o MST realiza todos os anos no mês de abril. O chamado Abril Vermelho é uma forma de homenagear os 21 trabalhadores rurais assassinados no Pará, em 1996, naquele que ficou conhecido como Massacre de Eldorado dos Carajás. Na ocasião, cerca de 1,5 mil militantes do MST realizavam uma caminhada de dias em protesto em direção à capital Belém (PA), quando sofreram uma emboscada por parte da Polícia Militar.