Cerca de 400 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foram expulsas com violência, na manhã desta segunda-feira (7), de uma área da Usina São José S/A Álcool e Açúcar em Rio das Pedras (SP), onde buscavam fixar acampamento. Pertencente ao Grupo Farias, a empresa foi multada em R$ 18 milhões pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), por provocar a morte, em julho de 2024, de cerca de 235 mil peixes no rio Piracicaba.
Quinze viaturas da Polícia Militar (PM) e duas da Guarda Civil Municipal estavam na área, sobre a qual voava um helicóptero da PM. Segurando escopetas calibre .12, policiais pediram que os sem-terra liberassem uma via – que já estava liberada – para a passagem de caminhões. Antes que os militantes pudessem desmontar as estruturas no local, agentes armados iniciaram a repressão ao grupo com bombas e sem apresentação de ordem judicial.
Uma mulher muito próxima do estouro de uma das bombas inalou a fumaça, passou mal e precisou ser carregada para dentro do ônibus do grupo sem-terra. Ainda não há informações sobre o estado de saúde da militante.
A ocupação, iniciada ao raiar do dia desta segunda, faz parte da Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária. Mais conhecida como Abril Vermelho, a principal mobilização anual do MST tem em 2025 o lema “Ocupar para o Brasil alimentar”. Embaixo da placa da entrada da usina, os sem-terra estenderam três faixas, entre as quais “Cadê o peixe do rio? A Usina São José destruiu”. No local, as famílias do MST encontraram grande quantidade de inseticidas e agrotóxicos. Entre eles, Engeo Pleno: produto fabricado pela Syngenta e Bayer, proibido na Europa e associado à morte de abelhas.
“Está na Constituição a destinação de áreas de crimes ambientais para a realização da reforma agrária. Nós estamos aqui para exigir que as terras do Grupo Farias sejam destinadas para assentar famílias. Além do crime ambiental, a empresa possui dívidas, o que demonstra a insustentabilidade do agronegócio”, ressalta nota da direção estadual do MST.

Ao Brasil de Fato, Marcio Santos, da direção nacional do MST em São Paulo, reforçou que o movimento observa a ação da Polícia Militar como “extremamente ilegal”. “Não tinha reintegração de posse, não tinha ação judicial. Eles chegaram simplesmente com uma determinação política, com a orientação de não tolerar uma ocupação legítima naquele local”, disse.
“Hoje foi mais um episódio vergonhoso da polícia do Tarcísio [de Freitas, governador de São Paulo] que usa todo aparato repressivo para reprimir trabalhadores que fazem manifestação justa em defesa da reforma agrária e contra os crimes ambientais”, acrescentou o diretor, destacando ainda que usina ocupada “deve milhões para o governo”.
Contaminação sem precedentes
O derramamento de melaço de cana-de-açúcar atribuído pela Cetesb à Usina São José matou cerca de 50 toneladas de peixes. De acordo com a investigação da agência ambiental, a contaminação começou no ribeirão Tijuco Preto, afluente do rio Piracicaba e percorreu cerca de 70 quilômetros até chegar na Área de Proteção Ambiental Tanquã, região apelidada de “mini Pantanal paulista”. O episódio foi considerado o maior desastre ambiental já registrado no rio Piracicaba. Segundo a Cetesb, a fiscalização feita em 2024 na usina encontrou uma situação de “descontrole” no escoamento de líquidos e vazamentos nos tanques de armazenamentos.
O Brasil de Fato entrou em contato com a Usina São José e não teve retorno até o fechamento da matéria. Caso haja retorno, o texto será atualizado.
O caso de derramamento de rejeitos mostra, na avaliação de Jelson*, também coordenador do acampamento, “como o agronegócio, não só canavieiro, mas das suas várias ramificações, é altamente tóxico e destrutivo”.
“Essa área não cumpre a sua função social”, salienta o sem-terra. “Por isso que a gente fez essa denúncia e cobrou que seja atendida a nossa pauta de arrecadação e desapropriação dessa área, sem indenização por conta do crime ambiental”, defende.
*Nomes foram trocados para proteger a identidade dos entrevistados.