Criativo, divertido, híbrido, emocionante, dinâmico, inventivo, inteligente, bem construído, bem-humorado, irônico, corajoso, honesto e transparente. Todos esses adjetivos já foram atribuídos ao premiado documentário Memórias de um esclerosado, mas podem também ser direcionados a Rafael Corrêa, a mente, a face e o corpo de tudo que aparece em tela.
O cartunista foi diagnosticado com esclerose múltipla em 2010. Em busca de respostas e um pouco de aventura, o artista decide fazer um filme para organizar suas memórias.
Para o desafio na produção audiovisual, chamou a cineasta Thais Fernandes para assumir a direção da obra com ele. A codiretora conta que foram nove anos de realização, desde a ideia até conseguir o financiamento para viabilizar o projeto. E ainda teve a pandemia no meio do processo, que forçou algumas adaptações na proposta original.

No processo de reconstrução e articulação de memórias e fragmentos, Rafael recorda que, na infância, matou, de forma cruel e sem razão um sapo, esmagando seu lado esquerdo. Os primeiros sintomas da doença paralisam sua mão esquerda, a mão com a qual desenha, e ele passa a acreditar em uma “espécie de carma”.
A doença avança rápido e Rafael tem pressa de contar sua história. Será que o sapo o deixará terminar?
A produção gaúcha reuniu filmagens caseiras, fotos, quadrinhos, ilustrações e animações, além de acompanhar a rotina do artista. Memórias de um Esclerosado é uma produção da Vulcana Cinema e Cena Expandida e distribuição da Atelier W Produções Cinematográficas. O financiamento foi do Itaú Rumos 2019-2020 e FAC Filma RS.
A pré-estreia em Porto Alegre (RS) ocorreu na sexta-feira (4), na Cinemateca Paulo Amorim, com a presença dos diretores. O título entra em cartaz a partir do dia 8 de maio nos cinemas do Brasil.
Confira o trailer do filme:
Reconhecimento de público e de crítica
No ano passado, Memórias de um esclerosado ganhou o prêmio de melhor longa-metragem na 28ª edição do Cine PE, na categoria principal e júri popular, além de vencer as categorias de roteiro (Thais Fernandes, Rafael Corrêa e Ma Villa Real), trilha sonora e ator coadjuvante (Rafael Corrêa).
O documentário também levou os prêmios de roteiro (Rafael Corrêa, Ma Villa Real e Thais Fernandes), montagem (Jonatas Rubert e Thais Fernandes), desenho de som (Kiko Ferraz) e trilha musical (André Paz) na Mostra de Longas Gaúchos do 52º Festival de Cinema de Gramado.
No debate que seguiu a pré-estreia na Cinemateca Paulo Amorim, o cartunista disse que tamanho reconhecimento de público e de crítica, nos festivais, surpreendeu: “A recepção foi melhor do que esperava”.
Rafael contou que recebe muitas mensagens pelo Instagram e Facebook. “Tu contou a minha história. Eu não tô sozinho.” Entre os espectadores que permaneceram na sala para a sessão comentada, uma jovem deu um depoimento emocionante sobre as sensações que o filme suscitou nela, pois sua mãe viveu a esclerose múltipla nos anos 90.
Personagem de sua própria história

O artista respondeu sobre a estrutura híbrida da narrativa que se vê na tela. “A Thais veio mais do documental, do cinema documentário. Mas sobre a ideia, eu sempre quis trabalhar com animação também. Então, acho que foi, desde o início. A gente tentava mesclar nossas imagens, fazer um pouco de documentário, mas que não fosse aquele documentário quadrado, duro, que a gente pudesse brincar com a realidade, e colocar animação, colocar os quadrinhos, tudo junto.”
A codiretora complementou: “Os quadrinhos do Rafa nortearam o roteiro. Durante o processo de pensar tanto o roteiro quanto a montagem, organizamos as páginas do Memórias de um esclerosado, que é o nome dos quadrinhos que vieram antes do filme. Os materiais de arquivo, em VHS, acabaram também entrando no filme depois com esse outro valor de memória”.
O cartunista, que se enxerga como autor dessa obra audiovisual, se colocando como personagem de sua própria história, fez questão de ressaltar, na sequência, que o início, meio e fim do filme se mantiveram como pensados originalmente.
Rafa ainda refletiu sobre a abertura do documentário, que retrata as dificuldades impostas pela doença degenerativa e autoimune. “Precisava ser pesado, lento. É um filme que ainda dói em mim, sabe? É difícil, é difícil falar de mim mesmo, falar dessa situação, nesse contexto, mas, ao mesmo tempo, a arte me salva, né? Se não fosse os meus quadrinhos, se não fosse a minha arte, se não fosse o cinema, sei lá, o que estaria fazendo?”
O diretor afirmou que agora quer pensar em outros projetos, fazer animação no cinema. Também está pensando no roteiro de um curta, para, se for possível, ser filmado ainda em novembro deste ano.
O título é Quase dezembro. Também com sua direção e atuação, Rafa mostrará o dia que viveu em 30 de novembro de 2024, quando se deslocou da sua casa, no bairro Bom Fim, até o Centro, para participar de uma palestra na Casa de Cultura Mario Quintana. “A luz de novembro, o trajeto, a cidade de Porto Alegre e seu patrimônio também são personagens”, adianta.
