A 21ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL) começa nesta segunda-feira (7), em Brasília (DF), e vai até o próximo sábado (12). O tema deste ano, “Apib somos todos nós – Em defesa da Constituição e da vida”, homenageia o aniversário de 20 anos da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), organizadora da atividade.
O maior encontro indígena do Brasil vai contar com debates, plenárias, atos públicos e culturais. Já no domingo (6), as delegações começaram a chegar à capital federal, vindas de diversas regiões do país, que fizeram um ato público no Eixão de Brasília, divulgando o mote da mobilização deste ano.
O dia mais aguardado é a terça-feira (8), quando os participantes do ATL devem marchar pela Esplanada dos Ministérios, com o lema “Apib Somos Todos Nós: Nosso Futuro não está à venda!”, culminando com uma sessão solene na Câmara dos Deputados em homenagem aos 21 anos da mobilização indígena e os 20 anos da articulação.
Haverá espaços para debater os desafios atuais da pauta indígena e as novas estratégias de luta diante do contexto de permanente ataque aos direitos dos povos originários, como a tentativa de conciliação sobre o marco temporal, levada adiante pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, considerada “ilegítima” pelos indígenas. Esse debate está previsto para a quarta-feira (9).
Também haverá debates sobre transição energética e a memória, verdade e justiça sobre os crimes cometidos contra as comunidades indígenas, além de atividades culturais sempre encerrando cada dia da jornada. Na quinta (10), os indígenas se reúnem para o lançamento da Comissão Internacional Indígena para a COP30, em Belém, e os principais temas que deverão ser levados à Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas.
A programação completa pode ser acessada na página da oficial Apib.
Marco temporal no centro dos debates
No centro dos debates, está a situação em suspenso da Lei 14.701, a Lei do Marco Temporal, que é objeto de diversas ações no Supremo Tribunal Federal (STF), e sobre a qual, o ministro relator, Gilmar Mendes, determinou a realização de rodadas de conciliação, que terminaram na última quarta-feira (2).
Em agosto de 2024, a Apib se retirou da Câmara de Conciliação, denunciando ser uma tentativa de “conciliação forçada” sobre um tema em não há possibilidade de conciliar. Isso porque o próprio STF já decidiu que a tese do marco temporal, segundo a qual indígenas só podem ter demarcadas as terras ocupadas por eles até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Portanto, os indígenas reivindicam a anulação do processo conciliatório e o julgamento dos embargos de declaração relativos ao entendimento firmado pelo STF.
Como resultado dessa Câmara de Conciliação, foi proposto um Projeto de Lei Complementar para substituir a atual legislação. A proposta exclui a tese do marco temporal, mas inova em uma série de matérias que são consideradas nocivas pelas organizações indígenas. No último dia de sessões, a Apib divulgou nota em que volta a criticar a tentativa de “conciliação forçada” e lembra que, por ser parte de uma das ações que tramitam no Supremo contra a lei 14.701, o processo conciliatório “não é legítimo”.
“O cenário é de grave prejuízo aos direitos originários dos povos indígenas, consolidando uma solução ilegítima e contrária às garantias constitucionais”, diz o comunicado da Apib.
Em entrevista ao programa Conexão BdF, do Brasil de Fato, o secretário-executivo do Conselho Missionário Indigenista (Cimi), Luis Ventura Fernandes, se somou à Apib na denúncia da “ilegitimidade” da Câmara de Conciliação.
“Há um manifesto de não consentimento por parte dos povos indígenas em relação a essa Câmara de Conciliação, mas desde o mês de agosto e até hoje, a Câmara de Conciliação continua com suas reuniões sem chegar a nenhum consenso, porque não é possível conciliar nada”, destacou o indigenista.
Fernández comentou a proposta de Projeto de Lei Complementar, levada adiante pela Câmara de Conciliação, e que prevê dispositivos que são nocivos aos interesses e aos direitos dos povos indígenas. “O que eles estão pautando é que podem tirar o marco temporal, afastar o marco temporal, mas em troca vem aí uma série de retrocessos para os povos indígenas extremamente graves. Dentre eles, a questão da indenização pela terra nua para aqueles que ocupavam ilegalmente o território. Este é um tema extremamente delicado e não tem previsão constitucional”, destaca.
A terra nua é a parte da terra delimitada sobre a qual não houve nenhuma ação humana substancial. Nesse caso, o projeto da Câmara de Conciliação prevê a indenização sobre essas terras, sobrepostas a territórios indígenas, que muitas vezes, podem ter sido objeto de grilagem. Além disso, esse tipo de indenização pode comprometer o orçamento público dirigido às demarcações de novas terras indígenas. “As terras indígenas são terras públicas, não faz sentido o Estado pagar por terras que já são públicas”, disse o ativista.