Localizado a 140 km de Porto Alegre e com uma população de mais de 22 mil habitantes, a cidade de Encantado comemorou, nesse domingo (6), a inauguração do Complexo Cristo Protetor. Desenvolvido pela Associação Amigos de Cristo de Encantado (AACE), o empreendimento foi realizado com recursos privados, advindo de doações. O local abriga, desde 2022, a maior estátua de Cristo do mundo, com altura total de 43,5 metros.
Situado no morro das Antenas, a 436 metros acima do nível do mar, o complexo fica na região do Vale do Taquari, atingida fortemente pelas enchentes de 2023 e pela maior catástrofe climática e socioambiental já vivida no estado, em maio de 2024. Em muitas cidades da região, famílias ainda vivem em casas provisórias, os famosos containeres, aguardando um lar definitivo.
Além da presença de fiéis e autoridades do poder público, o evento contou com uma missa celebrada pelo cardeal Dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e pelo representante do Papa Francisco, o cardeal Silvano Maria Tomasi.
“O Complexo Cristo Protetor de Encantado é um projeto que nasce do desejo de celebrar a fé, a devoção e a gratidão. E se transformou em um espaço de acolhimento, beleza e espiritualidade. Esse parque é único e exclusivamente feito com recursos da AACE, através de doações, do parque até as catracas. E é bom sempre esclarecer que ela é uma entidade sem fins lucrativos”, afirmou o presidente da associação, Robison Gonzatti.
De acordo com a associação, o investimento total do complexo é de R$ 25 milhões, sendo R$ 6,5 milhões para a estátua. Do lado de fora do empreendimento, recursos públicos foram aplicados para asfaltamento até o complexo, via governo do estado. Já pelo Executivo municipal à frente do local está sendo criado o Jardim do Acolhimento.
Conforme informações do governo do estado, a pavimentação da via de acesso de 5,6 quilômetros, que liga a cidade ao monumento, teve investimento de R$ 4 milhões. A obra é parte de um conjunto de ações para revitalizar áreas afetadas pelas chuvas históricas de 2023 e 2024.
A área inicial do complexo foi doada pelas famílias Talini, Camargo e Radaeli. A inauguração oficial contou também com apresentações artísticas e durante a missa foi feita a entrega da chama crioula. No sábado (5) foi realizada a homenagem aos doadores e a chegada da chama crioula.
Como tudo começo
A história do complexo tem início entre 2015 e 2016, idealizado pelo padre João Granzotto e pelo líder comunitário Adroaldo Conzatti, posteriormente prefeito da cidade. Em 2019, foi fundada a AACE, com o objetivo de arrecadar fundos para a obra.
Em 2019, começaram os trabalhos da edificação da estátua, sendo concluída em 2022. A escultura ficou a cargo de Genésio Moura, conhecido como Ceará, com supervisão geral do técnico Artur Lopes de Souza, de Sobradinho (RS). Em 2020, Ceará sofreu um infarto, assumindo a obra o seu filho Markus Moura. Os braços e a cabeça foram esculpidos artesanalmente no solo, com ferramentas como colheres para detalhes faciais.
“Eu vi eles colocarem as primeiras pedras, vinha até aqui para ver as obras. Eu vivenciei tudo isso. Eu chego aqui, tenho sempre uma emoção, eu venho várias vezes. Então, hoje, quis estar aqui presente. Encantado teve, além de tudo que passou, muita sorte, muita ajuda, foi muito bonito, a união, sabe. Agora tem o Cristo abençoando a cidade”, afirmou a moradora de Encantado Elisângela da Silva Tobias, 51 anos.
Até o dia 21 de abril os moradores da cidade poderão visitar o complexo gratuitamente.
O local dispõe de toda infraestrutura necessária, tais como: bilheterias, praça de alimentação, banheiros amplos (35 femininos, 36 masculinos, quatro PNE e dois familiares) e oito lojas. O valor para entrada no complexo é de R$ 30 (adulto), R$ 15 (idoso, a partir dos 60 anos), e crianças até 12 anos não pagam.
Dando vida ao projeto
Escultor do projeto, Moura contou ao Brasil de Fato RS que a estátua do Cristo levou dois anos para ficar pronta, sendo permeada pela pandemia. A técnica usada vem de família, cimento armado com tela de passarinho. “Bem artesanal, bem simples. Dani (de Conto, arquiteta), Artur e eu pegamos os componentes que existem no solo e criamos a cor do Cristo Protetor. Geralmente o monumento é uma cor só, pode ser dourado, por exemplo. E essa cor eu escolhi especificamente para ter uma melhor visualização.”
Sobre o maior desafio, Moura destacou que foram o rosto e o frio, compensados pela acolhida local. A estátua traz na altura do peito um coração de vidro vazado, servindo como mirante. “Eles (idealizadores do projeto) pensaram em ter um mirante. E perguntaram se era possível ter um. Sim, é possível ter um mirante. Pra não deixar uma janela lá, descaracterizar a minha obra, então tivemos a ideia de fazer um coração. Foi muito bom fazer esse trabalho”, expôs.
Daniela de Conto, uma das arquitetas do projeto, disse que o envolvimento começou quando Conzatti chamou a Associação de Engenheiros e Arquitetos do Vale para fazer de forma voluntária. Além dela estão envolvidas as arquitetas Gislaine Castoldi, Thais Castellani e a engenheira Laís Ferreira.
“Foi feito um projeto preliminar, por estar em meio à mata, era muito complicado a gente ter certeza de sua execução. Mas conforme a obra ia avançando, a gente foi adentrando a mata, o projeto foi sendo modificado, foi sendo adaptado. Porque um dos principais desafios foi a acessibilidade por causa da topografia. Não tem um ambiente do Cristo que não seja acessível. Ver ela agora inaugurada, o sentimento que é de gratidão.”
Turismo religioso
“O nosso Cristo é o grande propagador do turismo de Encantado, mas precisamos ter outros atrativos, outros investimentos, e aqui o Cristo também teve essa visão. Todos que passarem pelo Cristo, que contribuírem com ele, também estarão contribuindo com o desenvolvimento do nosso turismo local, porque 10% da bilheteria será remetido para um fundo de turismo, para ser repassado para nossa comunidade, nossos empreendedores”, destacou o prefeito de Encantado, Jonas Calvi (PSDB).
O prefeito também lembrou as dificuldades enfrentadas pelo município nos últimos anos. “Nos últimos cinco anos, tivemos que enfrentar momentos difíceis, como a pandemia, a perda do prefeito Adroaldo [Conzatti], tivemos as duas maiores enchentes da história de Encantado. Perdemos entes queridos, casas e empregos, mas, mesmo nesses períodos mais duros, nossa comunidade não se curvou, e sob o olhar do nosso Cristo Protetor, nos reerguemos. Ele é o símbolo da nossa fé e do nosso espírito.”
Em sua fala, o governado Eduardo Leite (PSDB) ressaltou que o complexo não foi feito com recurso público, e sim a partir da mobilização de muitas pessoas simbolizadas na placa que está nas costas do Cristo. “É importante lembrar disso. O recurso público veio na parte de fora, no acesso ao Cristo. Para cá se deslocarão dezenas de milhares de pessoas.”
Esse deslocamento, prosseguiu Leite, precisa ser feito com segurança, com conforto, para que todos possam acessar esse espaço. “Que é um espaço de fé, de reflexão, meditação. Mas será também um espaço do turismo, turismo religioso. Precisamos transformar esse espaço de fé também em um motor de desenvolvimento para toda a região do Vale do Taquari”, aponta.
O presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, Pepe Vargas (PT), ressaltou que além do Cristo ser um grande destino turístico, que ele não seja só para estimular o turismo. Mas também lugar para as pessoas manifestarem a sua fé, sua religiosidade.
“Para que as pessoas possam fazer uma reflexão sobre o significado da fé e da religião na vida de cada um. Que possam contemplar essa natureza exuberante. E ao contemplar essa natureza também possamos cuidar melhor dela. Para que, como diz o Papa Francisco, cuidemos dessa casa comum que é esse planeta que todos habitamos.”
Fé e resiliência
Durante a celebração da missa, o cardeal Silvano Maria Tomasi leu uma mensagem enviada pelo Papa Francisco sobre o significado da obra. “Esta majestosa obra, fruto da fé e da devoção de tantas pessoas, tornou-se desde a sua construção, em meio aos desafios da pandemia, um sinal eloquente do acolhimento e da esperança deste povo, inspirando nos milhares de peregrinos provenientes do mundo inteiro sentimentos de resiliência e de renovação, especialmente nos momentos de maior dificuldade como nas recentes catástrofes naturais que atingiram esta região.”
Ao Brasil de Fato RS, o religioso italiano, atual Delegado Especial do Papa junto à Ordem Soberana e Militar de Malta, destacou que o evento expressa a cultura do povo que é baseada em valores cristãos. A imagem do Cristo Protetor, prossegue, é o símbolo mais concreto desta solidariedade que existe entre as pessoas que vivem esta fé e com toda a população desta região.
“A estátua continuará a recordar no futuro o empenho de todos nós, rio-grandenses e de outras partes, que vivem o evangelho de maneira concreta ajudando quem precisa, procurando viver em paz entre todos perante tantas diferenças e de caminhar juntos para construir um futuro mais sereno e pacífico. O coração no centro da estátua é uma forma de criar uma empatia para com as pessoas.”
Tragédia climática e cuidado com a natureza
Durante a missa, o cardeal Dom Jaime Spengler destacou que tragédia climática que se abateu no estado fez vir do coração o melhor. Mas também o pior: desvios, roubos e saques.
Também lembrou da 47ª Romaria da Terra realizada em Arroio do Meio. “Vendo aquela situação pós tragédia, casas bonitas abandonadas, o nível onde a água chegou naquele terrível mês de maio eu voltei para casa em silêncio. Foi a romaria da terra mais bonita desses anos todos entre as que eu participei. A beleza da criação.”
De acordo com o religioso, esse ano a Igreja do Brasil pede que em todas as comunidades se reflita sobre a ecologia integral. “Todos nós precisamos de conversão, em termos de ambiente, cultura, culturas, e também em nível do espírito. Ela [natureza] pode permanecer no tempo sem nós. Mas nós não podemos permanecer na história sem ela. E ela pede cuidado e respeito, louvor e gratidão pela obra da criação.”
Ao Brasil de Fato RS, Dom Itacir Brassiani, bispo da Diocese de Santa Cruz do Sul, afirmou que “Cristo Protetor nos pede hoje, para além de acolher a proteção que Ele nos oferece, pede que nós sejamos protetores, defensores e cuidadores das pessoas e das demais criaturas”. Para ele, as enchentes não são nem punição de Deus, nem esquecimento da parte Dele, nenhuma casualidade. “São frutos de um processo que agride as criaturas e que acaba retornando como um efeito sobre nós. Então Cristo Protetor nos pede cuidado e proteção das pessoas mais vulneráveis e de todas as criaturas.”
Lembrando da 47 ªRomaria da Terra, o religioso destaca que a reconstrução postulada como tema é uma reconstrução com base em uma justiça ambiental que respeite as exigências, demandas e direitos da natureza. “E pede das autoridades um projeto a longo prazo, que não se trata de reconstruir casas, pontes. Se trata de refazer a nossa relação com a natureza para que outros eventos não venham a ocorrer, inclusive eventos mais trágicos do que esse.”
Fé e coragem
Para o Brasil de Fato RS, o cardeal Dom Jaime Spengler disse que o Cristo Protetor é um símbolo, da fé e da coragem deste povo. “E depois da tragédia climática do ano passado, certamente esse símbolo aqui há de permanecer por muitos e muitos anos, nos recordando sempre de novo da necessidade de jamais perder o foco, a referência maior.”
Conforme frisou o cardeal, o que dá força pra esse povo é a fé de que a vida, o amor, a comunhão, a solidariedade são mais fortes do que a morte, do que a corrupção, do que qualquer coisa, de negativo que a vida ou o tempo possa nos impor.
Sobre o significado do coração na estátua apontou que ele é a expressão máxima da intimidade, de solidariedade e humanidade. “Recentemente, o Santo Padre publicou um texto muito bonito, justamente falando do coração. Ele expressa e conserva aquilo que é o mais íntimo do ser humano. E cada geração precisa de alguma forma, sempre de novo, sempre de forma nova, cultivar esse coração.”
Desde 2021, o Cristo Protetor já recebeu cerca de 320 mil turistas (até início de março de 2025), de cerca de 60 países.
Ambientes do complexo
O coração do Cristo – o projeto da estátua incluiu um mirante em formato de coração, localizado a 33 metros de altura, simbolizando a idade de Jesus Cristo na época de sua crucificação. Para acessá-lo, foi projetado um elevador, que permitirá aos visitantes desfrutarem de uma linda vista panorâmica de Encantado e do Vale do Taquari. No entanto, por questões técnicas, esse acesso ainda não está disponível.
Capela de vidro – em homenagem ao Santo Scalabrini, bispo italiano, canonizado em 2022 e conhecido como o “Pai dos Migrantes”, dedicado à causa dos imigrantes e refugiados.
Fonte dos Apóstolos – com 12 jatos d’água simbolizando os discípulos de Jesus.
Caminho dos Salmos – trajeto demarcado com citações bíblicas.
Fonte da Vida – localizada no pedestal da estátua, com quedas d’água representando a ressurreição de Cristo.
Monte das Oliveiras – espaço de reflexão inspirado nos sermões de Jesus.
Placa dos Doadores – homenagem aos contribuintes da grandiosa obra.
