A nova escalada nas tensões comerciais entre Estados Unidos e China, impulsionada pelas declarações de Donald Trump sobre a intenção de aplicar tarifas mais severas contra o país asiático, reacendeu o debate sobre os impactos dessa disputa na economia global. Para o economista Pedro Faria, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o movimento não é exatamente uma surpresa – trata-se, na verdade, de uma continuidade das políticas agressivas adotadas durante o primeiro mandato do presidente americano.
“Trump tem essa abordagem de abrir a discussão com movimentos muito agressivos e não muito racionais, ver a reação dos países e insistir, dobrar a aposta. A China já mostrou que não vai aceitar isso unilateralmente. Vamos ver se ele vai ter coragem de bancar [essa guerra] porque o custo para os EUA é bastante elevado”, observou Faria, em entrevista ao programa Conexão BdF, do Brasil de Fato.
A disputa tarifária, segundo o economista, deve gerar efeitos imediatos no mercado financeiro. Já há sinais de instabilidade, como a ativação de circuit breakers (pausas para evitar pânico) em bolsas ao redor do mundo. Para países emergentes como o Brasil, o economista avalia que um dos primeiros reflexos será a fuga de capitais, com investidores buscando economias mais estáveis. “Vivemos num mundo financeirizado”, explicou.
Disputa pode beneficiar o Brasil
No médio e longo prazo, a reorganização do comércio internacional deve trazer desafios e também oportunidades. O Brasil, por exemplo, pode ser impactado duplamente: por um lado, setores como o do aço, que exportam para os EUA, enfrentam dificuldades com tarifas específicas. Por outro, o país pode se tornar mais atrativo como destino de investimentos produtivos, justamente por ainda manter tarifas menores em comparação com a China.
“No caso do aço, os produtores brasileiros não estavam preocupados com a tarifa de 25%, mas com o fato de que os produtores de aço chineses talvez quisessem trazer para o Brasil o produto excedente. Nós podemos, no Brasil, caso persistam essas tarifas, nos tornar mais atrativos para investimentos, dado que teremos acesso ao mercado estadunidense com tarifas mais brandas”, analisou Faria.
Momento pede fortalecimento dos Brics
Diante da instabilidade gerada pelos EUA – que, nas palavras do economista, “não conseguem cumprir palavra e atacam interesses comerciais brasileiros, de parceiros e vizinhos como a Venezuela” –, o Brasil deveria aproveitar o momento para se aproximar ainda mais dos Brics, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
“Os Brics têm se mostrado parceiros confiáveis, com quem você faz acordos e eles não criam alterações bruscas, sem lógica econômica. A China, por exemplo, mesmo com suas peculiaridades, respeita a soberania dos países. Até governos ideologicamente opostos, como o da Argentina de [Javier] Milei, mantêm relações comerciais com os chineses”, argumentou.
Faria defende que o Brasil aproveite a conjuntura para estruturar uma política industrial sólida, com financiamento e proteção a setores estratégicos, ao mesmo tempo em que negocia com a China para garantir acesso à sua produção de alta tecnologia – mas em condições de igualdade. “É hora da política se impor à economia. É quando os chefes de Estado precisam sentar à mesa e pensar de forma estratégica. O Brasil tem muito a ganhar ao se aproximar de países que não fazem interferência, que negociam entre iguais, apesar das diferenças econômicas, que respeitam organismos internacionais.”