As chamadas terras raras ucranianas entraram no centro do debate durante as negociações entre EUA, Rússia e Ucrânia, para o fim da guerra. A exploração de recursos minerais valiosos ucranianos virou aposta para os EUA conseguirem um acordo com Moscou, mas também revela interesses geopolíticos mais amplos.
No último 31 de março, o presidente dos EUA, Donald Trump, fez novas ameaças ao governo ucraniano, caso o país abandone o acordo que estava sendo costurado sobre as ‘terras raras’, que daria privilégios na extração de metais destas terras à empresas estadunidenses. Acusando o líder ucraniano de recuar nesta negociação, Trump disse que Zelensky “terá grandes problemas” se abandonar o acordo.
Mas por que estas terras ricas em minerais passaram a ser alvo de tamanho interesse em meio às negociações sobre a guerra da Ucrânia? Para o professor de Relações Internacionais da UFRJ Fernando Brancoli, as terras raras são usadas por Kiev para barganhar apoio dos EUA, considerando que o país do Leste europeu tem importantes reservas de recursos valiosos.
“Praticamente tudo que a gente imagina de ferramentas tecnológicas contemporâneas sobre inteligência artificial, melhoria de transmissão de eletricidade, envolvem componentes minerais que são encontrados nessas famosas terras raras. Elas são na verdade uma combinação, um aglutinado de minerais distintos, e elas não estão presentes em todos os lugares do mundo. As grandes reservas estão concentradas, em parte, no Brasil, quando a gente fala de América do Sul, nos EUA, e na Europa, de um modo geral, a gente tem presença tanto na Rússia, quanto, de maneira bastante explícita, no território ucraniano também”, explica.
Assim, conforme o analista, estas terras se apresentam “como uma espécie de trunfo econômico, enquanto a Ucrânia conseguiria garantir receita e exploração de uma maneira muito rápida”, visto que o processo de extração dos minerais de terras raras é significativamente mais simples do que de outros recursos.
“Quando a gente pensa em petróleo, por exemplo, no contexto do Brasil, você precisa desenvolver tecnologias para explorar. No pré-sal você desenvolve toda uma ferramenta tecnológica para conseguir chegar lá, não é muito simples, dependendo de onde você está, para explorar petróleo. Terras raras, principalmente no contexto ucraniano, não pede muito ‘know-how,’ é relativamente simples”, afirma Brancoli.
“E imaginando uma Ucrânia cada vez mais isolada, que não se acerta muito com os EUA sobre como vai ser feita a prática de segurança, pode ser sim um trunfo, ou a gente pode imaginar também uma certa ameaça, porque não me parece que Kiev tem todas as ferramentas para garantir uma certa soberania na exploração desse território”, completa.
Assim que os EUA começaram a se articular para explorar as terras raras ucranianas, no final de fevereiro, o presidente russo, Vladimir Putin, também fez questão de ressaltar a importância da exploração desses minerais na Rússia para desenvolver a competitividade global do país em alta tecnologia, destacando que esta área é “uma das bases de recursos mais importantes para a economia moderna”.
“Metais raros são procurados em microeletrônica, energia, criação de infraestrutura de economia digital e em muitos setores dos setores civil e de defesa. Em essência, estamos falando de quase todos os setores da nova ordem tecnológica, que define a dinâmica do progresso global. E, claro, é necessário acompanhar essa dinâmica para competir com sucesso nos mercados globais e criar uma base sólida para o desenvolvimento confiante e de longo prazo da economia russa. […] Estamos falando, de fato, da nossa base estratégica para o futuro, de uma área prioritária que já hoje determina e determinará a competitividade global do país, o ritmo de desenvolvimento econômico e a qualidade de vida dos nossos cidadãos”, declarou.
A Rússia já afirmou que também negocia com os EUA possíveis planos de cooperação na exploração das terras raras, argumentando que o país é mais rico que a Ucrânia neste tipo de recurso.
“Estaríamos prontos para oferecer aos nossos parceiros americanos — quando digo parceiros, não quero dizer apenas estruturas administrativas e governamentais, mas também empresas [privadas] — se eles demonstrassem interesse em trabalho conjunto. Nós, é claro, temos uma ordem de magnitude — quero enfatizar isso — uma ordem de magnitude a mais de recursos desse tipo do que a Ucrânia. A Rússia é indiscutivelmente uma das líderes em reservas desses metais raros e terras raras”, disse Putin.
O fator que pode tornar o processo das negociações de paz ainda mais complexo é que parte destas terras raras se encontram nos territórios do leste da Ucrânia que a Rússia passou a controlar durante a guerra. Ou seja, qualquer acordo sobre a exploração destas terras depende de uma resolução sobre a questão territorial da Ucrânia, tema que ainda não foi discutido nas negociações de paz.
Os EUA já sinalizaram que a Ucrânia deveria conceder territórios à Rússia para que um acordo de paz seja alcançado, mas o presidente Volodymyr Zelensky rechaçou esta ideia. Após a conversa telefônica entre Trump e Putin em 18 de março, em que o presidente dos EUA afirmou que foram conversas “questões territoriais”, Zelensky afirmou que não aceitará ceder os territórios ucranianos reivindicados por Moscou como uma forma de se chegar a um cessar-fogo.
Ao mesmo tempo, o interesse dos Estados Unidos nas terras raras ucranianas está ligado a um objetivo geopolítico mais amplo: a estratégia de combater a China, que é líder mundial no processamento de minerais de terras raras, sendo responsável por cerca de 70% da produção global.
Para isso, Donald Trump não esconde suas pretensões de usar as terras ucranianas como moeda de troca pelo apoio militar e financeiro na guerra com a Rússia. Segundo o professor de Relações Internacionais Fernando Brancoli.
Para ele, a postura de Trump revela como enxerga o papel dos EUA em relação ao conflito ucraniano. “A ideia é que nestes últimos anos a Ucrânia recebeu apoio norte-americano, principalmente dinheiro e armamento, e [para Trump] esse apoio, na verdade, não foi uma doação, foi uma espécie de empréstimo, porque a Ucrânia estaria se salvando, e os interesses norte-americanos, na visão de Trump, não seriam tão grandes assim, então agora o argumento de Trump é que ele quer o pagamento do que seria essa doação”, afirma.
O analista também observa que esta negociação acontece em um cenário de grande fragilidade econômica da Ucrânia. “A Ucrãnia é um país que teve seu PIB reduzido pela metade ao longo dos últimos anos, a sua indústria praticamente destruída e o argumento do Trump então é ‘vamos criar um fundo, esse fundo vai envolver empresas norte-americanas e ucranianas, e as empresas norte-americanas terão acesso através desse fundo à exploração de terras raras no contexto ucraniano”.