Mais de 6 mil indígenas de cerca de 150 povos de todas as regiões do Brasil estão reunidos em Brasília (DF) para a maior mobilização indígena do país, o 21º Acampamento Terra Livre (ATL), que começou nesta segunda-feira (7) e vai até a próxima sexta-feira (11). A estrutura do evento está montada próxima à Torre de TV, atração turística da capital federal, no centro da capital federal.
Pela manhã, a Secretaria Executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), organizadora da atividade, realizou uma coletiva de imprensa, enquanto na arena principal era realizada a acolhida e os rituais de abertura do ATL 2025. O tema deste ano é “Apib somos todos nós – Em defesa da Constituição e da vida”, uma homenagem ao aniversário de 20 anos da organização indígena.
“O Acampamento Terra Livre vem justamente para marcar, mais uma vez aqui, em Brasília, o nosso posicionamento frente a todas as violações e a todos os ataques que nós temos sofrido dentro dos territórios. Esse Acampamento Terra Livre também vem reforçar o nosso posicionamento a respeito da nossa Constituição e o nosso direito de viver”, disse o representante da Apib, Dinaman Tuxá.
Outra liderança da Apib, Kretã Kaingang, disse que o objetivo da mobilização na capital federal é chamar a atenção da sociedade brasileira e mundial sobre os retrocessos que vêm sendo impostos aos direitos dos povos tradicionais.
Nesse sentido, ele cita especificamente o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). “Ele [o STF] ataca o direito dos povos originários do Brasil que são os povos indígenas, e ataca o direito humano. Porque, quando você ataca o direito dos povos indígenas, você ataca os nossos territórios e ataca o direito à vida”, disse Kaingang.
Emocionado, o representante do Conselho Terena na Apib, Roberto Terena, pediu um basta às mortes de crianças e ao envenenamento das comunidades indígenas. “Chega de criança ser morta, chega de as nossas mães estarem aí ingerindo veneno, mercúrio, pelos rios, chega de peixes sendo envenenados”, declarou.
“Nós estamos e aqui nós vamos continuar. Não adianta o agronegócio querer atropelar, querer avançar dentro dos nossos territórios. Nós temos a Constituição que é a nossa lei maior do nosso Estado brasileiro. É preciso que o Estado brasileiro, que os governantes, façam a sua parte. Chega de matança”, disse o indígena Terena.
Reunião com ministros do STF
No centro dos debates do ATL 2025 está a situação em suspenso da Lei 14.701, a Lei do Marco Temporal, que é objeto de diversas ações no STF, e sobre a qual, o ministro relator, Gilmar Mendes, determinou a instauração de uma Câmara de Conciliação, encerrada na última quarta-feira (2). Na coletiva de hoje, Dinaman Tuxá informou que uma delegação de representantes da Apib se reunirá com ministros do STF nesta terça-feira (8), para a qual estariam confirmados os ministros Gilmar Mendes, Flávio Dino e Cristiano Zanin.
“Nós vamos reiterar o que a Apib já colocou em todos os momentos: a necessidade de suspensão da Câmara de Conciliação, a votação e o julgamento dos embargos [de declaração] e da ADI sobre a inconstitucionalidade da Lei 14.701. A Câmara de Conciliação não trouxe e não trará nenhum benefício aos povos indígenas. Todos os cenários são de retrocessos de direitos”, disse Tuxá, afirmando ainda que a Apib vai trabalhar junto aos ministros para que o acordo final da Câmara de Conciliação seja rejeitado em plenário, caso Gilmar Mendes insista em levá-lo adiante.
“Se precisar sentar e conversar, nós vamos sentar e conversar, mas em nenhum momento nós vamos negociar direitos pela metade aos povos indígenas”, ressaltou.
Em agosto de 2024, a Apib se retirou da Câmara de Conciliação, denunciando ser uma tentativa de “conciliação forçada” sobre um tema que não há possibilidade de conciliar. Isso porque o próprio STF já decidiu que a tese do marco temporal, segundo a qual indígenas só podem ter demarcadas as terras ocupadas por eles em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
Como resultado dessa Câmara de Conciliação, foi proposto um Projeto de Lei Complementar para substituir a atual legislação. A proposta exclui a tese do marco temporal, mas inova em uma série de matérias que são consideradas nocivas pelas organizações indígenas, como mineração em Terras Indígenas (TIs) e obstáculos no processo de demarcação. No último dia de sessões, a Apib divulgou nota em que volta a criticar a tentativa de “conciliação forçada” e lembra que, por ser parte de uma das ações que tramitam no STF contra a Lei 14.701, o processo conciliatório “não é legítimo”.
‘Demarcação já!’
Outra pauta central dos povos indígenas e que será levada a todos os espaços do ATL 2025 é a necessidade de se avançar nos processos de demarcação de terra. “Mais uma vez estamos em Brasília para cobrar também do Executivo que cumpra com sua missão institucional que é demarcar todos os territórios indígenas”, disse Dinaman Tuxá.

Os indígenas reclamam da morosidade dos processos demarcatórios e, inclusive, da intervenção do sistema judicial para barrar o avanço das demarcações. “A morosidade no processo de demarcação mostra que o Estado brasileiro não está desempenhando de forma satisfatória para os povos indígenas, e as consequências disso é o aumento dos conflitos socioambientais”, completou Tuxá, citando exemplos recentes no Mato Grosso do Sul, Sul da Bahia e Oeste do Paraná.
As lideranças da Apib informaram ainda que, como parte da programação do ATL, nesta terça (8), os indígenas farão uma marcha pela manhã em direção ao Congresso Nacional, onde 500 lideranças devem participar de uma sessão solene no plenário da Câmara dos Deputados, a pedido da deputada federal indígena, Célia Xakriabá.
Por solicitação da mesma parlamentar, haverá ainda uma audiência pública para debater a questão dos recursos renováveis, com a presença de 40 indígenas, e um seminário sobre os direitos dos povos originários, do qual participarão outras 300 lideranças indígenas.
Rumo à COP 30
“Esse ano é um ano de COP 30, um ano que o Brasil vai sediar a maior conferência do clima do mundo. E não podemos aceitar que onde o país quer debater e sediar a pauta ambiental, nossos territórios estão sendo constantemente violados”, disse Tuxá. Segundo ele, na quinta-feira (10), os indígenas farão uma outra marcha, com foco nas mudanças climáticas e na participação dos povos originários na COP 30, a Conferência da Organização das Nações Unidas para o Clima, que acontece em novembro, em Belém (PA).
“Nós gostaríamos de ter assumido a presidência [da COP 30], mas não foi viável. E nós estamos debatendo a melhor forma de participação dentro desses espaços”, afirmou Tuxá.
Se espera ainda a visita de ministros do governo federal ao ATL. De acordo com as lideranças da Apib, há expectativa de anúncios por parte do Executivo, principalmente no que se refere a novas áreas demarcadas.
A programação completa do ATL 2025 pode ser consultada no site da Apib.