Cerca de 500 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Distrito Federal e Entorno (MST-DFE) ocuparam, nesta segunda-feira (7), uma área da Fazenda São Paulo, em Água Fria de Goiás (GO). Segundo o movimento, o terreno pertence ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e foi adquirido ilegalmente.
A Fazenda São Paulo é propriedade de Antério Mânica, preso em 2023 como um dos mandantes da Chacina de Unaí, que resultou na morte de três auditores fiscais do trabalho e um motorista em 2004. Em setembro de 2023, a fazenda voltou a se envolver com trabalho escravo, 84 pessoas que trabalhavam em condições análogas à escravidão no cultivo de cebola foram resgatadas do local.
Segundo o dirigente do MST-DFE, Marco Baratto, a terra pertence ao Incra mas é explorada pela Fazenda São Paulo, que a adquiriu de forma ilegal. Baratto também informou que a Polícia Militar do Goiás esteve no local para tentar fazer a reintegração de posse, sem mandato. A entrada de alimentação para as famílias também teria sido impedida.
“É um absurdo despejar famílias que estão ocupando uma área que é pública, federal, que foi adquirida irregularmente pela Fazenda, que não teve suas cláusulas resolutivas baixadas”, defendeu. “Essas glebas pertencem ao Incra. É uma área que foi pega com trabalho escravo, que não está nem dentro da fazenda, está dentro das glebas do assentamento. E estão ameaçando despejar, mesmo sem mandato judicial”, detalhou.
A área fica próxima ao Assentamento Terra Conquistada. De acordo com nota do MST-DFE, a Fazenda São Paulo assediou trabalhadores assentados vizinhos para que vendessem suas glebas de terra de forma ilegal. “Essa forma de atuação é uma nítida estratégia do latifúndio para incorporar terras públicas de assentamentos e convertê-las em propriedades privadas, expandindo suas fronteiras agrícolas e assim seguir seu projeto de exploração da terra, da natureza e da força de trabalho do povo que vive no território”, apontou o movimento.
As famílias do MST-DFE denunciaram as “práticas arbitrárias” da Fazenda São Paulo e cobraram do Incra e do governo federal o assentamento imediato das famílias, a retomada das glebas públicas do Assentamento Terra Conquistada para a política de Reforma Agrária e a desapropriação da Fazenda São Paulo.
Em resposta ao Brasil de Fato DF, o Incra afirmou que a Câmara de Conciliação Agrária e a Superintendência do Incra no Distrito Federal foram ao local da ocupação. “As trabalhadoras e os trabalhadores rurais continuam na área pública”, informou o órgão. “A Superintendência do Incra no DF vai promover o levantamento da situação da Gleba, bem como examinar se os eventuais ocupantes possuem perfil para o Programa Nacional de Reforma Agrária”, conclui a nota. A reportagem também entrou em contato com a assessoria de imprensa da PM-GO, mas não obteve resposta até o fechamento da matéria.
A Fazenda São Paulo é administrada por Marcos Rogério Boschini, que tem um contrato de parceria com seu sogro, Antério Mânica, que foi prefeito de Unaí (MG) de 2007 a 2012. Antério foi preso em setembro de 2023, condenado a 89 anos de prisão como um dos mandantes do quádruplo homicídio de servidores do Ministério do Trabalho em 2004. A fazenda foi procurada por telefone, mas não houve resposta. O espaço segue aberto para manifestação.
Chacina de Unaí
O caso, que ficou conhecido nacionalmente como “Chacina de Unaí“, resultou na morte dos auditores Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva, e do motorista Aílton Pereira de Oliveira. As vítimas faziam uma fiscalização de rotina contra o trabalho escravo em Unaí, cidade que é a maior produtora de feijão do Brasil.
Os três atiradores – Erinaldo Vasconcelos, Rogério Allan e William Miranda – também foram condenados e estão presos desde 2004. Além das penas de privação de liberdade, os envolvidos no crime foram condenados a pagar R$ 30 milhões à União, recursos que devem ser utilizados para o pagamento de pensões e indenizações às famílias das vítimas.
Abril Vermelho
A ocupação em Água Fria de Goiás faz parte da jornada de lutas pela reforma agrária do Abril Vermelho. Ocupações de latifúndios, marchas, distribuição de alimentos e protestos em sedes do Incra estão previstas em todas as regiões do país.
A maior parte das ações acontece até o dia 17 de abril, marco dos 29 anos do Massacre de Eldorado do Carajás. Desde que, em 1996, a repressão policial a uma marcha no Pará deixou 21 camponeses mortos e outros 69 mutilados, a data se tornou o Dia Internacional de Lutas pela Reforma Agrária.