Sou de um tempo em que meus parceiros eram os amigos da rua – aqueles que me convidavam para uma traquinagem ou outra; ou, ainda, aqueles que não me chamavam para o futebol, pois eu era muito ruim de bola; ou os que me convidavam para estudar, porque sempre levei a escola e os estudos muito a sério – tanto que resolvi ser professor.
É desse lugar que gostaria de convidar os leitores para uma reflexão. Assumi o cargo de professor na Rede Municipal de Porto Alegre em 10 de março de 1992, um jovem sonhador vindo do interior do estado. Foi nessa rede que encontrei meu lugar de sonhos realizados e minha verdadeira formação profissional. Nesta rede tão potente e qualificada, aprendi – com muitos estudos e investimentos – a ser um professor, um professor inclusivo.

Digo isto pois, os tempos modernos e desafiadores na educação nos levaram a inventar uma nova categoria de aluno “o aluno de inclusão” me pergunto muitas vezes por que não inventamos a categoria professor inclusivo? Acredito ser essa uma reflexão necessária. Muitos teóricos e estudiosos da educação especial afirmam que não somos naturalmente inclusivos – mas podemos, e devemos, aprender a ser.
Ser inclusivo envolve, por exemplo, desenvolver habilidades sociais para a inclusão, aprimorar nosso modo de comunicação com alunos e colegas, exercitar a empatia para compreender as barreiras enfrentadas diariamente por muitos, e entender o que significa equidade – que é diferente de igualdade. É necessário também reconhecer quando estamos assumindo um discurso capacitista e, sobretudo, nos permitir construir novos saberes e práticas.
Retomando o tema das parcerias: os meus antigos parceiros me custavam um bocado de afeto e desafios. Atualmente, tenho demorado a compreender o que significa o poder público buscar “parceiros” para cumprir tarefas que são, essencialmente, suas. Nunca esperei que meus parceiros fizessem por mim algo que era de minha responsabilidade; pelo contrário, sabia que estavam sendo parceiros quando me ajudavam a entender que a responsabilidade era minha – e de mais ninguém.
Nesse sentido, quero trazer à tona um tema que me é muito caro: a educação especial na Rede Municipal de Porto Alegre. Faço parte de um Fórum que, desde 2007, discute as políticas de inclusão na cidade, promovendo reflexões – nem sempre tranquilas e quase sempre acaloradas. Afinal, ao discutir educação inclusiva, é necessário aprender sobre as diferenças.
Ao longo dos mandatos de diferentes prefeitos e secretários de educação – independentemente de partidos ou ideologias – entregamos a Carta de Princípios do Fórum para uma Educação Inclusiva de fato e convidamos os representantes para o diálogo. Alguns deram retorno e nos convidaram para conversar; outros apenas leram; e alguns, infelizmente, ignoraram. Isso, no entanto, nunca nos tirou a energia de continuar investindo em mesas de debates, reuniões abertas e formações continuadas para professores, profissionais de apoio e todos que acreditam em uma escola pública inclusiva e verdadeiramente para todos.
Recentemente, temos refletido sobre os acordos de parceria para contratação de profissionais de apoio à inclusão, a partir do projeto/programa/parceria/terceirização chamado Incluir+POA. Tomamos conhecimento dessa ação por meio de uma publicação no Diário Oficial do Município, já em formato de edital, convocando organizações da sociedade civil para administrar o programa – divulgado como “um programa de educação inclusiva criado para qualificar o atendimento de alunos com deficiência em Porto Alegre”.
De imediato, nos perguntamos: de qual conceito de qualidade estamos falando? Porto Alegre talvez seja uma das redes municipais que mais construiu, no passado, projetos e políticas inclusivas – referência não apenas na região, mas em todo o estado e, talvez, no país.
Somos a única cidade que mantém um programa de Trabalho Educativo para jovens com alguma condição de deficiência. Além disso, a Rede Municipal de Porto Alegre tem um histórico relevante na implementação das Salas de Recursos e de processos de inclusão escolar, que foram fundamentais para promover uma cultura inclusiva no cotidiano das escolas. Esses espaços não apenas garantem atendimento pedagógico especializado, como também contribuem para a formação de uma rede de apoio entre professores, alunos e famílias, reforçando o compromisso com uma educação pública verdadeiramente inclusiva e de qualidade para todos.
Temos escolas com trabalhos aprofundados em Comunicação Alternativa e Aumentativa, em apoio à construção de um PEI e no empoderamento dos professores como responsáveis pelos estudantes público da Educação Especial. Enfim, as políticas públicas de educação inclusiva de Porto Alegre não começaram com o Incluir+POA. Pelo contrário: este trata-se de um programa de governo terceirizado, e, como todo programa de governo, tem prazo de validade. Outros virão.
O Fórum pela Inclusão Escolar de Porto Alegre, com seus mais de vinte anos de investimento em políticas de educação especial inclusiva na rede municipal, defende que nossos parceiros devem ser aqueles que acreditam em políticas sistemáticas e permanentes para pessoas com deficiência, que valorizam o território da escola e seu saber.
Não basta, aparecer nas mídias, apresentar soluções passageiras e com prazo definido de atuação – como é o caso de parcerias de prestação de serviços que não garantem formação continuada nem investimento em uma carreira que exige estudo, dedicação e compromisso, como é a dos profissionais de apoio à inclusão, que não fazem parte do território da escola, ou seja, são gerenciados por uma empresa que em suas questões iniciais perguntam se os estudantes são agressivos e não quem são eles de fato.
Seguimos investindo em políticas públicas de educação especial inclusiva, de qualidade e para todos, resgatando a potência da rede municipal de Porto Alegre.
Respeitamos os programas de governo, mas reivindicamos que não se deixe de investir em políticas públicas com profissionais concursados, que fazem do cotidiano da escola municipal um desafio diário de profissionalismo e cidadania.
Para encerrar, quero registrar: somos parceiros na construção de políticas públicas para todos. Que possamos nos orgulhar de ver o dinheiro de nossos impostos sendo investido em políticas públicas estruturantes – e não apenas em ações que visam cumprir obrigações apontadas judicialmente como não cumpridas e que na prática se tornam incipientes e descontextualizadas.
Não é apenas sobre ter “profissional de apoio”, mas sobre quem é esse profissional, qual sua função, qual sua qualificação e como ele se articula a uma política pública de inclusão que ultrapasse governos e projetos, mas seja efetiva de fato.
* Marco Aurélio Freire Ferraz é presidente do Fórum pela Inclusão Escolar.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
