O déficit na balança comercial dos EUA com a China, União Europeia, México, Vietnã, entre outros países, tem sido um dos argumentos apresentados pelo presidente estadunidense Donald Trump para justificar a implementação do que chamou de “tarifas recíprocas”, que entrarão em vigor na quarta-feira (9).
Para o economista chinês Ding Yifang, porém, os Estados Unidos não têm como reduzir seu déficit da balança comercial através de tarifas, devido a uma demanda rígida no mercado dos EUA pelos produtos chineses de consumo intermédio. “Não há teoria de comércio internacional que possa explicar para que fins se pode aplicar estas chamadas tarifas recíprocas”, disse ao Brasil de Fato.
Trump afirmou neste domingo (6), que não está disposto a fazer um acordo com a China sobre as tarifas “a menos que o déficit comercial de mais de US$ 1 trilhão [R$5,9 tri] seja resolvido”. A fala foi feita em coletiva no avião presidencial. Os Estados Unidos têm déficit comercial com a China desde 2001, ano em que o gigante asiático entrou como membro da OMC.
No ano passado, o déficit da balança comercial dos EUA com a China foi de US$295,4 bilhões (cerca de R$ 1,75 trilhão). Yifang também questionou o cálculo para a porcentagem de tarifas. Esse cálculo tem sido amplamente criticado porque considera a porcentagem do superávit comercial dos parceiros comerciais dos Estados Unidos como se fossem “tarifas” que os países imporiam aos norte-americanos.
No caso da China, por exemplo, o superávit comercial da China em 2024, foi de 67.2% do valor do que os EUA importou (US$ 439,9 bilhões, R$ 2,6 tri). A administração Trump está chamando essa porcentagem de “tarifas cobradas aos EUA”. Essa porcentagem é então dividida pela metade (a modo de “desconto”), e resulta na tarifa final. Como Trump, já havia colocado duas taxas a todos os produtos chineses de 10%, as tarifas a produtos chineses chegaram agora a 54%. “É uma espécie de sanção unilateral”, diz Ding Yifang.
Reindustrialização não acontecerá com política de tarifas
Ding afirma que uma medida desse tipo poderia fazer algum sentido até a década de ‘80, “porque a maior parte do comércio internacional se baseava em bens de consumo, bens manufaturados ou matérias-primas”. Após a intensificação da globalização a partir da década de ‘90, a maior parte do comércio internacional passou a estar baseada na cadeia de abastecimento global, argumenta o economista.
Ao responder sobre a lógica de introduzir tarifas para estimular a reindustrialização, o economista chinês afirma que reconstruir toda uma cadeia de abastecimento total levaria de 10 a 20 anos. “A economia dos EUA não conseguiria sobreviver a este tipo de terapia de choque”, explica.
Essa política “poderia ser razoável no século XIX”, diz o economista. “Ali a base comercial internacional era a troca de bens de consumo, naquela época você conseguiria parar a importação de bens de consumo de mercados externos e construir sua indústria para substituir as importações, mas hoje em dia não é o caso”, conclui.
Atualmente, de 20 a 30% do que a China exporta para os Estados Unidos são bens destinados ao consumo final, o resto são intermediários, ou seja, materiais ou insumos que serão utilizados para fabricar produtos finais.
Um estudo de pesquisadores do Fed Reserve Bank de Nova York mostrou que as empresas e os consumidores dos Estados Unidos são os que pagariam as tarifas do primeiro governo Trump a produtos chineses, no valor de US$ 40 bilhões por ano.
Ding Yifang, que é pesquisador sênior do Instituto Taihe, afirma que consumidores e importadores estadunidenses arcam 92% do custo das tarifas. “Então a China assume apenas 8%, isso não é nada, são as empresas dos EUA que pagam todas essas tarifas”, diz o economista.
Governo chinês se reúne com empresas dos EUA presentes no país asiático
Neste domingo (6), o vice-ministro do Comércio da China, Ling Ji, organizou uma mesa redonda com representantes de 20 empresas dos EUA, incluindo Tesla, GE Healthcare e Medtronic.
O ministério do Comércio chinês afirmou na reunião que “fornecerá proteção às empresas com investimento estrangeiro na China, incluindo empresas estadunidenses, protegerá os direitos e interesses legítimos das empresas com investimento estrangeiro de acordo com a lei e promoverá ativamente a resolução de problemas e demandas das empresas com investimento estrangeiro”.
Representantes das empresas que participaram afirmaram que a reunião enviou um sinal positivo e apresentaram questões sobre seus investimentos e operações atuais.
Estratégia falhou em primeiro governo Trump
Trump ampliou sua política de tarifas nesta segunda administração, mas ela já havia sido iniciada em seu primeiro mandato. A equipe de Trump exigiu em sua primeira administração que o governo chinês reduzisse o déficit comercial em US$ 200 bilhões (na época isso representava 60% do valor do déficit), até o final de 2020.Trump implementou uma série de tarifas a diferentes tipos de produtos chineses, que somaram um total de US$ 550 bilhões à época. A China respondeu com tarifas retaliatórias.
Finalmente, ao encerrar seu primeiro mandato o déficit comercial com a China havia aumentado, passando de US$ 481 bilhões em 2016 para US$ 679 bilhões em 2020.
Durante a campanha presidencial de 2020, o então candidato pelo Partido Democrata, Joe Biden, disse que eliminaria as tarifas sobre importações da China implementadas por Trump, por serem impostos sobre consumidores e empresas dos EUA.
No entanto, não apenas as manteve como ampliou as restrições comerciais, proibindo exportações de alguns produtos, como chips avançados, à China, e limitando determinadas empresas chinesas de fazer negócios com o país norte-americano.
Nesta segunda-feira (7), Trump disse que “se a China não retirar seu aumento de 34%”, os Estados Unidos vão impor tarifas adicionais à China de 50%, a partir de 9 de abril. China respondeu Trump com tarifas de 34% aos produtos estadunidenses, no final da semana passada.
No anúncio feito na rede social Truth Social (fundada pelo próprio Trump), ele ainda disse que “todas as negociações com a China sobre reuniões solicitadas conosco serão encerradas”.