A América Latina de maneira geral, e o Brasil em particular, precisam caminhar para um alto crescimento econômico baseado em ciência, tecnologia e habilidades humanas. A avaliação é do economista estadunidense Jeffrey Sachs, prêmio Nobel de economia por seu trabalho em busca da eliminação da pobreza, durante a primeira mesa de debates da conferência Dilemas da Humanidade: Perspectivas para a Transformação Social, na manhã desta terça-feira (8).
“A América Latina está claramente presa no status de renda média: produz uma ampla gama de commodities e bens manufaturados, mas não caminhou para o avanço tecnológico e em infraestruturas, capital humano, pesquisa e investimentos em desenvolvimento que poderiam realmente levar à visão que todos nós queremos e esperamos para o Brasil e para a América Latina em geral”, afirmou Sachs, por meio de uma mensagem gravada.
Para o economista, é fundamental que a região direcione recursos para atividades que promovam a autonomia econômica. “Precisamos de investimentos muito maiores em pesquisa e desenvolvimento porque a América Latina deve ser uma potência de inovação baseada na bioeconomia e em muitas outras coisas, mas os níveis de pesquisa e desenvolvimento no Brasil e no resto da América Latina são baixos em comparação com o Leste Asiático, por exemplo”, disse.
Com o nome de Desafios da Humanidade, o diálogo teve ainda a participação da economista feminista equatoriana Magdalena Leon, do professor de comunicação da Universidade de Joanesburgo Mandla Radebe, da África do Sul, e do escritor e jornalista Vijay Prashad, da Índia. A mesa contou ainda com a participação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).
A conferência, que acontece até a próxima quinta-feira (10) em São Paulo (SP), reúne nomes do pensamento progressista mundial para debater saídas concretas frente à crise do capitalismo.
Economia é o conjunto de processos que viabilizam a vida
Magdalena León, economista equatoriana, apresentou os desafios de entender a economia como um conceito mais abrangente, que não se baseie apenas em contar a produção de um país. “Um dos aspectos fundamentais da economia feminista tem sido justamente reinterpretar a realidade para projetar e ver uma economia mais abrangente, uma economia mais totalizante, indo além do conceito de que economia é igual a mercado e visualizando todo o conjunto de processos que, juntos, nos permitem satisfazer as necessidades humanas”, elaborou.
Essa mudança é necessária, avalia León, pois estamos imersos em uma organização econômica em que há uma mercantilização da vida. “A mercantilização da vida não se trata apenas de apropriar-se de capital e transformar tudo relacionado às necessidades em um negócio; não se trata apenas de gerar lucro por meio da produção de bens e serviços centralizados no mercado, capturados pelo mercado. Ela tem a ver com necessidades materiais e humanas, e também tem a ver com uma configuração de relacionamentos”, afirmou, “que também são capturados pela lógica de mercado”.
Ela aponta que o caminho para superar esse cenário não é inédito. Pelo contrário, é preciso reconhecer economias populares que já existem para imaginar uma mudança. “Estou falando, por exemplo, de economias camponesas, economias familiares e economias populares, que estão se expandindo cada vez mais. A partir disso, traçamos um mapa de diversidade econômica que é parcialmente reconhecida, que é valorizada por sua capacidade de desafiar a hegemonia capitalista. E também foi valorizada como uma realidade que nos mostrará um caminho de transição”, disse, lembrando que essas organizações apresentam formas alternativas de organizar a produção e a propriedade.
A proposta, afirma León, “coloca a vida no centro; busca recuperar, potencializar e projetar como elemento de inovação aqueles conhecimentos e práticas que foram estigmatizados apesar de terem sido, de fato, utilizados para reproduzir a vida”.
A armadilha do sistema financeiro internacional
O escritor indiano Vijay Prashad explanou sobre as armadilhas do sistema financeiro mundial em relação a empréstimos a países. Qualquer economia que precise contrair empréstimos para cobrir os gastos correntes precisa, na conjuntura atual, recorrer ao Fundo Monetário Internacional, afirmou.
“Já sabemos que o FMI não vai ajudar em nada, porque o que o fundo faz, essencialmente, é um mecanismo para o país importar dívida e exportar commodities. Essa é a espiral da austeridade.”
Ele pontua que não há dinheiro do FMI para o desenvolvimento de infraestrutura, industrialização e para a renda básica universal. “Só haverá dinheiro para satisfazer os detentores de títulos. É um beco sem saída.”
Ele ironizou as visitas que os economistas do FMI fazem aos países que solicitam empréstimos. “Economistas do ‘tipo FMI’ que vêm à cidade, fazem visitas de três dias e falam com o Ministério da Fazenda. É quase como um videogame do tipo SimCity [série de jogos que simulam a administração de uma cidade]. Você pode criar um videogame de um governo progressista que chega ao poder e tem todos esses problemas para lidar e um dos personagens que chega é o consultor da McKinsey ou o economista dos Estados Unidos, e eles chegam e dizem: ‘como atraímos investimento estrangeiro direto?'”
O investimento estrangeiro direto, no entanto, não vem beneficiando as economias como propagandeado pelo FMI, diz Prashad. “Não há correlação entre FPI [sigla em inglês para Foreign Portfolio Investment, termo que faz referência a investimentos estrangeiros] e crescimento. Você pode ter muito investimento direto chegando e não ter taxa de crescimento. Enquanto isso, se o país está investindo em seu estoque de capital, verá uma taxa de crescimento aumentada”, argumentou.
Capitalismo é a raiz do racismo na África do Sul
Em sua fala, Mandla Radebe afirmou que a África do Sul é um país paradigmático em relação às questões globais atuais. “Na minha opinião, se há algum lugar no mundo que ressoa o dilema da humanidade na Terra, definitivamente é a África do Sul. Após trinta anos de democracia, nosso país continua a lutar com o legado do apartheid, que tem ligações diretas com o capitalismo, ou talvez o imperialismo no estágio alto do capitalismo. Apesar da transição para a democracia, há questões fundamentais de desigualdade racial, nacionalismo étnico e justiça econômica que permanecem sem solução”, disse.
Radebe mencionou o ato administrativo de Donald Trump, presidente dos EUA, relacionado à África do Sul. O documento, assinado em 9 de fevereiro, acusa o país de violação aos direitos humanos de populações brancas. Em suas redes sociais, Trump afirmou que “a África do Sul está confiscando terras e tratando certas classes de pessoas muito mal.”
Esse ato estadunidense acontece quando, refletindo o que acontece em grande parte do mundo, há condições políticas para o crescimento da extrema direita na África do Sul. “O que é importante entender é que, ao mesmo tempo com o grupo de extrema direita, há um nacionalismo nacional que está surgindo na África do Sul. Isso reflete a tendência global”, afirma Radebe.
As condições materiais no país, no entanto, não refletem as acusações feitas por Trump: a elite segue controlando o capital no país. “1% da população controla uma quantidade enorme de riqueza na África do Sul e é isso que precisamos fazer. Depois de 30 anos na democracia não conseguimos mudar isso”.
Quais são as alternativas?
A conferência continua na tarde desta terça-feira com a mesa Alternativas em uma era de dilemas, com a participação de Duma Gqubule, da África do Sul, jornalista especializado em desenvolvimento econômico; Najib Akesbi, do Marrocos, economista e professor da universidade Paris-Dauphine; Luiz Gonzaga Beluzzo, economista brasileiro; e Andreina Tarazón, da Venezuela, ex-deputada e ex-ministra da Mulher e da Igualdade de Gênero do país.
O encontro parte da premissa que os dilemas da nossa era restringiram o espaço político e limitaram nossa capacidade de imaginar alternativas e se propõe a apresentar uma agenda política que enfrente os problemas causados pelo sistema capitalista e desenvolva as forças produtivas para combater o subdesenvolvimento, a desigualdade e as mudanças climáticas.
A conferência é organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social e a Assembleia Internacional dos Povos (AIP).