A Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), se pintou de urucum e jenipapo com a presença de mais de 6 mil indígenas que fizeram uma marcha na manhã desta terça-feira (8), como parte da programação do 21º Acampamento Terra Livre (ATL), que a acontece entre os dias 7 e 11 de abril na capital federal. Mais de 150 povos participam desta que é a maior mobilização indígena do país.
Os indígenas caminharam por toda a Esplanada carregando uma estátua da Justiça com cocar indígena e exigindo que o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirme o seu entendimento sobre a inconstitucionalidade da Lei 14.701, que instituiu o critério do marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
“Não é solução de branco que vai resolver os nossos problemas”, comentou a indígena da etnia Pataxó, Flor.
Já o representante do povo Terena, Arildo, usou o carro de som para reafirmar a capacidade de resistência dos indígenas aos retrocessos. “O branco esqueceu que nós somos sementes. Enquanto vocês matam um, nascem dez”, disse o líder indígena. “A nossa Terra mãe precisa da nossa proteção. O mundo precisa que os povos indígenas resistam. Por isso nós vamos resistir”, bradou Terena.
A deputada federal indígena Juliana Cardoso (PT-SP) acompanhou todo o trajeto e destacou o papel do parlamento brasileiro no que chamou de “ataque à Constituição Federal e aos povos indígenas”. “Enquanto o mundo está pensando como que a gente vai usar estratégias para não morrer por conta dos erros do homem, em especial no Congresso, é onde nascem projetos inconstitucionais, como marco temporal, projetos que abrem a porta para o garimpo, que abrem a porta para poder avançar a morte dentro das terras indígenas”, disse à deputada, em referência à Lei 14.701.
A marcha indígena chegou até os arredores do Congresso Nacional, onde entrou um grupo de 500 lideranças para acompanhar uma sessão solene convocada pela deputada federal indígena Célia Xakriabá (Psol-MG).
“Demarcação já!”
Entre as centenas de cartazes que os indígenas levaram ao ato, destacavam-se os que exigiam celeridade nos processos de demarcação de Terras Indígenas (TIs), como forma de garantir a proteção dos territórios e das comunidades que vêm sofrendo com o assédio de pessoas interessadas em suas terras.
Entre um canto e outro, a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, afirmou que o governo federal tem atuado para avançar nos processos demarcatórios que, segundo ela, totalizaram 13 homologações nos últimos dois anos. Isso, destaca a presidente da Funai, mesmo com a vigência da Lei 14.701 que, na sua avaliação, representa uma “barreira” aos direitos dos povos tradicionais.
“É importante vencer realmente essa barreira da [Lei] 14.701 que está no Supremo Tribunal Federal. E é importante mostrar que os povos indígenas precisam de sua terra regularizada, demarcada, para cessar os conflitos que estão aí por disputa de terra”, disse Wapichana.
“Essa mobilização dá visibilidade tanto à diversidade cultural, à riqueza cultural dos povos indígenas, mas também serve para dizer que os povos estão trabalhando para a vida de todos, independente de ser indígena ou não indígena, que demarcação de terra indígena é estratégia também para o enfrentamento dessa crise climática”, completou a presidente da Funai.
Reunião com Gilmar Mendes
Ainda nesta terça-feira, uma comissão de indígenas se reunirá com o ministro Gilmar Mendes, do STF, que é o relator de cinco ações que questionam a inconstitucionalidade da Lei 14.701. O ministro Gilmar Mendes constituiu uma Câmara de Conciliação mantendo os efeitos da lei vigente.
Os indígenas criticam a condução do magistrado, pedem que os efeitos da lei sejam suspensos e que sejam colocados em votação os embargos de declaração do julgamento que firmou o entendimento do STF sobre a inconstitucionalidade da tese do marco temporal, segundo a qual terras indígenas só podem ser demarcadas aquelas que já ocupavam a área na data de 5 de outubro de 1988 data de promulgação da Constituição Federal.