O tema sobre a transição energética volta à discussão na Paraíba com a participação da agricultora Maria Solange de Oliveira Matos, nesta quarta-feira (9), no debate “Transição Energética Justa e Popular: Desenvolvimento centrado no Planeta”, promovido pelo Ministério Público Federal (MPF), durante a programação paralela oficial do fórum das Nações Unidas, o 9º Fórum Regional sobre Direitos Humanos e Empresas da América Latina e Caribe, que ocorre em São Paulo, de 9 a 11 de abril.

Experiências de agricultoras, agricultores, pescadoras, pescadores e quilombolas frente aos impactos dos empreendimentos de energias eólica e solar do Nordeste vão ser compartilhadas no evento da programação paralela do fórum das Nações Unidas. Maria Solange Matos, que é agricultora familiar do município de Pombal (PB), vai representar o que a Paraíba tem acumulado nas discussões sobre energias renováveis.
Na oportunidade, a paraibana também irá compartilhar a experiência exitosa da padaria solar de Várzea Comprida dos Oliveiras, como uma resposta popular e sustentável aos danos provocados por grandes empreendimentos de energias renováveis no Nordeste. A atividade será realizada, nesta quarta-feira, das 10h às 13h, na sede da Procuradoria Regional da República da 3ª Região, em São Paulo, com transmissão ao vivo pelo YouTube.

Uma padaria comunitária com matriz solar
Na contramão desse modelo excludente, a experiência das mulheres agricultoras de Várzea Comprida dos Oliveiras, no município de Pombal, sertão paraibano, apoiadas pelo Comitê de Energias Renováveis do Semiárido (Cersa), mostra que é possível gerar energia limpa sem destruir o tecido social. Com painéis solares instalados na comunidade, elas tocam a produção de pães, bolos e biscoitos de forma autônoma, fortalecendo a renda e a organização local.
“Somos um grupo de mulheres da zona rural que trabalha com panificação e fomos beneficiadas com energia solar. Isso transformou nossa vida”, explica Maria Solange Matos. Para ela, é fundamental que os danos causados pelas grandes empresas sejam reparados judicialmente, e que o Brasil adote salvaguardas socioambientais que garantam a proteção das comunidades, conforme previsto na Convenção 169 da OIT, que assegura o direito à consulta livre, prévia e informada a povos tradicionais. Ela destaca que a energia solar foi a melhor decisão para o sucesso da padaria.
“Se fosse com energia comercial, a gente teria um gasto em torno de R$ 1,5 mil. Com a energia solar, a média que a gente paga é de R$ 130. Como aqui a gente trabalha com máquinas muito pesadas, se não tivéssemos energia solar, não teríamos condições de se sustentar”, relata Maria Solange Matos, que também é vice-presidente da Associação das Agricultoras Familiares de Várzea Comprida dos Olivedos.
Segundo a agricultora, desde 2016 a produção começou de forma individual. Posteriormente, as camponesas se reuniram na cozinha da sede da associação. Com o crescimento do negócio, surgiu a necessidade de melhorias. “A gente precisava de uma cozinha adequada, de um certificado da Vigilância Sanitária”, explica.
Dois anos após o início das atividades, elas conquistaram um espaço próprio, graças ao apoio de órgãos municipais, estatais e do Comitê de Energia Renovável do Semiárido (Cersa). Para reduzir o preço da conta de energia, elaboraram um projeto, participaram de um edital e foram contempladas. Na época, parte dos recursos foi destinada à instalação de placas solares, e a outra parte ao oferecimento de cursos de capacitação para a comunidade, além de suporte técnico para eventuais problemas nos equipamentos.
Paraíba mobiliza ações e debates sobre efeito das usinas eólicas e solares
A Paraíba tem se movimentado em torno da questão. Desde o ano passado, o estado tem intensificado atividades em torno dos impactos causados pelos projetos de energias renováveis, especialmente eólicas e solares, no semiárido e em comunidades tradicionais.
Em maio de 2024, o Ministério Público Federal recebeu uma importante recomendação com mais de 100 medidas para a redução dos impactos socioambientais provocados pelos parques eólicos e solares no Nordeste. O documento foi apresentado em evento realizado em João Pessoa pela 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, responsável por temas relacionados a indígenas e populações tradicionais. Intitulado ‘Salvaguardas Socioambientais para Energia Renovável’, o documento reúne diretrizes ambientais elaboradas por cerca de 28 entidades, incluindo organizações de base, agricultores e pescadores artesanais.
O objetivo da proposta é regulamentar e contribuir para a solução dos problemas decorrentes da expansão desordenada da indústria de energia renovável e propõe mais de 100 medidas para proteger populações atingidas. Entre elas estão a criação de cláusulas mínimas nos contratos de arrendamento, definição de distância mínima de 2 km entre torres eólicas e residências e a priorização de áreas degradadas para novos empreendimentos, evitando o desmatamento.
“Embora carreguem o rótulo de energia limpa, a forma como as grandes usinas eólicas e solares e suas linhas de transmissão vêm sendo instaladas no Nordeste brasileiro está longe de ser inofensiva. Com isso, surge a necessidade de criação de mecanismos de proteção contra os riscos, os danos e os impactos que esses empreendimentos impõem aos territórios e aos povos e comunidades que neles habitam. A resposta ainda nos parece distante, mas as salvaguardas aqui propostas podem traçar um caminho para que a atividade tenha seus locais de implantação e influência planejados respeitando os direitos dos povos e comunidades, protegendo modos de vida, tradicionalidades, ecossistemas e biodiversidade”, descreve o documento em sua apresentação.
Ainda em 2024, no mês de novembro, o Ministério Público Federal (MPF), em parceria com outras instituições, promoveu o “Curso de Capacitação de Energias Renováveis” no auditório do MPF em João Pessoa. O evento reuniu especialistas, agentes públicos, sindicalistas, promotores de justiça, defensores públicos e servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema). O foco foi discutir os impactos das usinas eólicas e solares, principalmente em comunidades tradicionais e áreas de reforma agrária, promovendo o debate sobre o desenvolvimento responsável dos projetos de energia renovável.
Em 2025, os debates e mobilizações se intensificaram. No dia 3 de fevereiro, foi realizada uma audiência pública no auditório da Federação dos Agricultores e das Agricultoras Familiares do Estado da Paraíba (Fetag-PB), em João Pessoa, com o objetivo de debater propostas do governo federal para minimizar os impactos das usinas eólicas no semiárido paraibano. Estiveram presentes representantes do governo federal, do Poder Judiciário, da sociedade civil, empresas do setor eólico e agricultores. A audiência buscou orientar investimentos sustentáveis que reduzam os danos ambientais e sociais causados pela instalação de usinas na região.
No mês seguinte, em março de 2025, mulheres do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) organizaram uma mobilização em frente à empresa de energia solar Atiaia, na divisa entre a Paraíba e Pernambuco, onde cerca de 300 mulheres camponesas protestaram contra os impactos negativos da expansão de parques eólicos e solares. A manifestação denunciou ameaças à permanência das famílias no campo e à produção de alimentos sustentáveis, trazendo como lema: ‘”Agronegócio é violência e crime ambiental – A luta das mulheres é contra o capital”.
Ainda em março, em Esperança (PB), ocorreu a 16ª Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, no Polo da Borborema. Esta foi a quarta edição consecutiva em que a mobilização teve como foco os impactos dos megaprojetos energéticos no meio ambiente e na vida camponesa. O lema do evento foi “Mulheres em defesa da Borborema Agroecológica”‘, reafirmando a agroecologia como um projeto de vida, alternativa para adaptação climática e modelo de geração de energia descentralizada, que respeita os territórios e seus povos. A programação contou também com a apresentação cultural da cantora Lia de Itamaracá, fortalecendo os laços entre cultura, resistência e defesa dos modos de vida tradicionais.
Contexto histórico e denúncia dos danos
Sob o discurso do desenvolvimento sustentável, o Brasil tem ampliado sua matriz energética com fontes renováveis, especialmente energia eólica. No entanto, o avanço dessas usinas sobre territórios de comunidades rurais, indígenas e quilombolas tem sido criticada por movimentos sociais, juristas e entidades populares.
Por isso, foi lançado em julho de 2022, o Plano Nordeste Potência, uma iniciativa para promover a transição energética da região Nordeste de forma sustentável, inclusiva e justa. O plano apresenta a preocupação latente das entidades que debatem o tema: “A crescente expansão de renováveis, da forma como tem sido feita, tem intensificado conflitos territoriais, gerado ameaças à biodiversidade, agravado injustiças e danos socioambientais aos povos do campo, da floresta, das águas e aos seus ecossistemas. No Nordeste, que concentra mais de 90% dos parques eólicos do país, os relatos se acumulam: contratos abusivos de arrendamento, desmatamento, problemas de saúde, impacto sonoro, além de ruptura dos modos de vida tradicionais”.
A Paraíba abriga 104 usinas eólicas, sendo responsável por 3,34% da energia gerada a partir dos ventos no Brasil. Municípios como Santa Luzia, Areia de Baraúnas, Junco do Seridó, São José do Sabugi, entre outros, têm comunidades afetadas.