A conferência Dilemas da Humanidade: Perspectivas para a Transformação Social, que acontece até a próxima quinta-feira (10) em São Paulo (SP), teve na tarde desta terça-feira (8) a sua segunda mesa de debates. A conferência reúne nomes do pensamento progressista mundial para debater saídas concretas frente à crise do capitalismo.
O debate Alternativas em uma era de dilemas teve a participação de Duma Gqubule, da África do Sul, jornalista especializado em desenvolvimento econômico; Najib Akesbi, do Marrocos, economista e professor da universidade Paris-Dauphine; e Andreina Tarazón, da Venezuela, ex-deputada e ex-ministra da Mulher e da Igualdade de Gênero do país.
O encontro partiu da premissa de que os dilemas da nossa era restringiram o espaço político e limitaram nossa capacidade de imaginar alternativas. Para além disso, a mesa se propõe a apresentar uma agenda política que enfrente os problemas causados pelo sistema capitalista e desenvolva as forças produtivas para combater o subdesenvolvimento, a desigualdade e as mudanças climáticas.
Na abertura da mesa, Najib Akesbi argumentou pela necessidade de uma revisão das políticas econômicas, que priorize o desenvolvimento nacional, a soberania e o bem-estar social. Ele enumerou cinco pontos de ação para direcionar a economia para um fim que faça sentido para as populações do planeta.

O primeiro é “estancar a hemorragia”: “É importante estancar a hemorragia pública, implementar políticas feitas pelo governo, que possam rever as prioridades dos investimentos públicos para garantir uma melhor adequação às necessidades do maior número de pessoas”, defendeu. Neste ponto, ele argumenta que é necessário acabar com monopólio, conflitos de interesse, corrupção e apropriação indevida do orçamento público por entes privados. Ele afirma que também é necessário sanear as finanças públicas, com foco no fim de privilégios fiscais desnecessários, alinhar as políticas públicas e rever as prioridades dos investimentos estatais.
Em seguida, ele defende que deve-se lançar as bases para uma economia mista, produtiva e solidária, com o desenvolvimento de planos nacionais de longo prazo, participação do setor público e foco nas necessidades da população. Outro ponto é a necessidade de repensar a abertura dos mercados ao exterior, com o desenvolvimento de salvaguardas e proteções.
Outro ponto essencial é submeter o equilíbrio macroeconômico às exigências sociais e ambientais, em um cenário de emergência climática global. Por fim, ele propõe que se repense os sistemas econômicos globais, incluindo a reavaliação das dívidas dos países.
Extrema direita e ajuste fiscal na África do Sul
Duma Gqubule, da África do Sul, apresentou o cenário nacional atual do país, em que há um crescimento da extrema direita. “O CNA [Congresso Nacional Africano] escolheu fazer uma aliança com o partido de extrema direita, e então onde estamos agora? Temos a segunda maior taxa de desemprego do mundo depois de começar com 12,2 milhões de desempregados. Uma taxa de desemprego de 41,9%. A taxa de desemprego é de 70% para os jovens. É de 50% para as mulheres africanas. Uma em cada duas mulheres africanas está desempregada”, mostrou.
Ele defendeu um plano nacional nos moldes de países asiáticos para buscar crescimento e desenvolvimento. “Como os países se desenvolvem rápido? Esses países têm uma visão nacional de crescimento econômico e desenvolvimento. Países como China, Malásia, Japão, Coreia do Sul. Geralmente é uma visão de 20 anos, planos de cinco anos com metas anuais e para atingir a meta final. Vimos isso funcionar lindamente na China no ano passado”, afirmou.

Especificamente sobre a China, ele enumerou desenvolvimento humano, educação, saúde, seguridade social e atualização da agricultura para a indústria e serviços como características que foram desenvolvidas no país e ajudam a explicar o sucesso econômico.
Gqubule defendeu também a necessidade da implementação de programas de transferência de renda, tendo o Bolsa Família como um possível modelo. “Não acredito na falácia de cortar entre consumo e gastos com investimento.”
Ao mesmo tempo, ele afirmou que a África do Sul está enfrentando a ameaça de uma regra fiscal similar ao arcabouço fiscal brasileiro, o que coloca em risco a possibilidade de desenvolvimento social.
“Eu acho que a regra fiscal é uma algema até para partidos progressistas, para presidentes progressistas como Lula, e eu rezo para que nunca implementemos tal regra fiscal, porque a renda básica universal estimula a economia.”
América Latina precisa de estabilidade política
Andreina Tarazón, da Venezuela, pontuou, entre os principais desafios postos para a humanidade “a desigualdade social, a inteligência artificial, as ameaças de recessão econômica, as armas nucleares, os crimes transnacionais”.
Ela argumenta pela necessidade urgente de reformar os sistemas políticos no Sul Global, “para que deixem de ser obstáculos e se tornem motores de desenvolvimento e inclusão social a longo prazo”. “Educação, industrialização, inclusão social, soberania tecnológica e sustentabilidade ambiental são processos que exigem décadas de consistência e coerência na concepção e implementação de políticas públicas”, argumenta.

Tarazón lembra que, na América Latina, a instabilidade política é uma regra. “Nossos sistemas políticos, especialmente na América Latina, foram habilmente manipulados para criar instabilidade política que serviu apenas aos poderes constituídos, subordinados aos grandes centros de poder.”
A ex-ministra da Mulher da Venezuela denunciou, ainda, as sanções colocadas pelos EUA ao seu país. “Aproveito a oportunidade para denunciar mais uma vez a imposição de sanções e medidas coercitivas contra o povo da Venezuela, que constituem uma violação massiva dos direitos humanos.”
Política Industrial para Desenvolvimento
A conferência continua na manhã desta quarta-feira (9) com a mesa Política Industrial para Desenvolvimento, com a participação esperada de Esther Dweck, ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos do Brasil. Participam do debate ainda Surajit Mazumdar, da Índia, professora no Centro de Estudos Econômicos e Planejamento da Universidade Jawaharlal Nehru; Josefina Morales, do México, pesquisadora do Instituto de Investigações Econômicas da Universidade Nacional Autónoma do México; e Lyu Xinyu, da China, da Universidade de Ciência e Tecnologia Eletrônica.
O encontro busca a troca de ideias sobre os caminhos para colocar a industrialização de volta na agenda do Sul Global,
ao mesmo tempo em que se repensa o caminho capitalista para a modernidade.
A conferência é organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social e a Assembleia Internacional dos Povos (AIP).