O Fundo Monetário Internacional (FMI) confirmou nesta terça-feira (8) que chegou a um acordo em nível técnico com a Argentina sobre uma nova linha de crédito estendida de 48 meses, no valor de US$ 20 bilhões (cerca de R$ 119,8 bilhões). Ainda é preciso que a diretoria do fundo aprove a decisão, o que deve ocorrer após uma reunião marcada para sexta-feira (11).
Com isso, o governo de Milei firma o 23º acordo da história da Argentina com o FMI. O país é considerado o cliente mais problemático da instituição, e acumula US$ 41 bilhões (R$ 289 bilhões) em dívidas, quase um terço de todos os empréstimos do fundo. O presidente de extrema direita busca novos recursos para reforçar as reservas do Banco Central e honrar compromissos do acordo anterior, fechado em 2022.
A economista argentina Felisa Josefina Miceli, que comandou o Ministério da Economia durante o governo de Néstor Kirchner (2005–2007), também criticou duramente o novo empréstimo concedido pelo FMI à Argentina. Em entrevista ao Brasil de Fato durante o fórum Dilemas da Humanidade, ela afirmou que os recursos servirão, na prática, para financiar a campanha eleitoral do presidente Javier Milei, em vez de aliviar a crise social que afeta grande parte da população.
“Esse fundo pode servir como um novo aporte para financiar a campanha eleitoral de Milei, com grave perigo para o povo e o futuro da Argentina”, indicou. Ela também questionou a legalidade da ação. “É um empréstimo absolutamente ilegal, que não está de acordo com a estrutura institucional atual do país porque não passou pelo Congresso para discussão; não é uma lei, como diz a Constituição, mas um decreto de necessidade e urgência”, disse. Segundo Miceli, há a preocupação de que a operação abra precedente para que, no futuro, a dívida possa ser questionada e até desconsiderada por governos subsequentes, sob o argumento de que ela seria “audaciosa”.
Do ponto de vista econômico, a ex-ministra argumenta que o financiamento dará um “fôlego artificial” a Milei, que prometia uma entrada massiva de dólares no país, o que não se concretizou. “Ele está desesperado por dólares porque não foi tão fácil quanto ele disse, que teria dólares de todo o mundo prontos para vir para a Argentina.”
Dados oficiais não refletem realidade da população
Desde que assumiu a presidência, em dezembro de 2023, Javier Milei tem implementado um programa de ajuste fiscal profundo, com cortes drásticos nos gastos públicos, equivalentes a 5% do Produto Interno Bruto (PIB), e desmonte de ministérios e políticas sociais. As medidas, que contam com elogios por parte do FMI, vêm sendo denunciadas por organizações populares e sindicatos como responsáveis por um agravamento da crise social no país.
Embora o governo tenha conseguido transformar o déficit em superávit e promover uma desaceleração da inflação, o custo social tem sido alto: o PIB encolheu 1,7% em 2024, e mais da metade da população argentina já vive abaixo da linha da pobreza. O impacto do pacote de austeridade é visível nas ruas, com aumento da fome, do desemprego e da mobilização contra as medidas do governo.
A ex-ministra Felisa Josefina Miceli chamou atenção para a inconsistência dos dados econômicos divulgados pelo governo. Apesar da queda recente nas taxas oficiais de inflação, os preços continuam subindo, especialmente o dos alimentos, e a população sente cada vez mais o peso do empobrecimento e da recessão. “O índice caiu, mas os bolsos dos argentinos já não aguentam mais”, declarou.
Segundo ela, o argumento de que a inflação foi reduzida maquia aspectos como recessão profunda, paralisação das obras públicas e deterioração dos serviços estatais. “Derrubar a inflação com essa recessão, com esse desemprego, é muito fácil. Difícil era quando não pegávamos fundos, acumulávamos reservas, tínhamos um equilíbrio ou superávit fiscal e comercial, e também estávamos criando empregos, o PIB crescia a 10%. Era um modelo com as pessoas dentro, e é disso que precisamos.”
Para Miceli, as políticas neoliberais já fracassaram três vezes na Argentina: na ditadura, nos anos 1990 e no governo Macri, e devem fracassar novamente com Milei. “O nosso povo sempre vai acabar se organizando, resistindo às políticas neoliberais”, ressalta.
Pesquisador vê risco de piora da crise e avanço da luta popular
Para o pesquisador argentino Facundo Barrera Insua, do Laboratório de Estudos em Sociologia e Economia do Trabalho (Conicet) da Universidade Nacional de La Plata (UNLP), entrevistado pelo Brasil de Fato, o histórico negativo do país com o fundo e a atual conjuntura social dificultam a possibilidade de sucesso do novo pacote.
“Esse é o 23º acordo da Argentina com o Fundo Monetário Internacional. O primeiro remonta aos anos 1950, durante a ditadura de Aramburu. Nenhum dos 22 acordos anteriores funcionou bem para a Argentina, então não há qualquer expectativa de que essa nova situação vá se sair melhor”, analisou.
Segundo ele, a expectativa de que o país receba entre US$ 8 bilhões e US$ 10 bilhões na primeira parcela serve apenas para dar uma “certa tranquilidade” temporária às reservas cambiais, enquanto o impacto do ajuste fiscal já se faz sentir na economia e nas ruas.

“O processo econômico na Argentina já entrou em um momento em que não há apenas instabilidade e ansiedade nos mercados, mas também uma crescente mobilização popular e uma nova dimensão da luta social. Isso é fundamental para virar o jogo e disputar politicamente os rumos que Milei tenta impor junto ao FMI”, avaliou Barrera Insua.
O pesquisador destacou ainda a contradição entre as ações e o discurso do presidente argentino. “Milei, antes de assumir como presidente, questionava esse tipo de empréstimo, dizia que servia apenas para aumentar uma dívida impagável que condiciona o futuro dos argentinos e das argentinas. A grande questão agora é: qual resposta podem dar as organizações populares?”