Os vereadores da bancada do Partidos dos Trabalhadores (PT), da Câmara Municipal de Porto Alegre, apresentaram, nesta quarta-feira (9), um relatório sobre os 100 primeiros dias de Sebastião Melo (MDB) frente à Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Na coletiva de imprensa os parlamentares destacaram o autoritarismo, a falta de diálogo, o modelo privatista da gestão municipal e a falha na atuação diante das enchentes. A atividade contou com a presença dos vereadores da bancada, da presidente do partido e deputada estadual, Laura Sito, e a deputada federal Maria do Rosário (PT).
Com 64 páginas, divido em eixos temáticos, o relatório traz um panorama sobre áreas como clima, saúde, educação, habitação e assistência social. O documento destaca a atuação do Executivo municipal no caso da emergência climática e a resposta da prefeitura frente a enchente de maio de 2024. O relatório também traz um resumo da atuação de Melo na política.
“Avaliar os primeiros dias do governo é fundamental para compreender os indicativos da direção que a gestão municipal pretende seguir. Nesse sentido, este documento tem como objetivo oferecer à população de Porto Alegre, à imprensa, a especialistas, a agentes políticos e demais interessados o subsídio para debater as prioridades da gestão municipal, sua eficiência e a transparência para cobrar o que a gestão pública se comprometeu no último pleito”, destacaram os parlamentares da bancada.

Sem escuta
A vereadora Natasha Ferreira, líder da bancada do PT na Câmara, lembrou que o prefeito, em evento no plenário, fez uma apologia aberta à ditadura, usando como argumento a liberdade de expressão. Lembrou também que, durante o recesso parlamentar, o Executivo municipal enviou um pacote à Câmara, contendo entre os projetos a extinção da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc). E outro projeto que retirava o caráter deliberativo do conselho do Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae) e o tornava consultivo. Ambos sem o diálogo com a sociedade.
“O uso abusivo das reuniões conjuntas de comissões tem sido um instrumento que eles têm usado aqui dentro da Casa para fazer com que os projetos de maldade do Executivo passem, de fato, mais rápido”, apontou Ferreira.

Durante a coletiva os parlamentares da bancada ressaltaram as medidas adotadas pelo Executivo que consideram autoritárias, entre elas acabar com a eleição direta de diretores escolares. Como também a Proposta de Parceria Público-Privada para resíduos em Porto Alegre, apresentada durante o recesso de dezembro de 2024. “Catadoras e catadores foram excluídos da cadeia produtiva da cidade. A concessão prevê 35 anos de contrato, e poderá custar até R$ 19 bilhões, sem garantir economia”, expôs a líder do PT.
Privatista
De acordo com Ferreira, o segundo governo Melo tem atacado diretamente tudo que é público e que é necessário para o povo de Porto Alegre. “Esse relatório é na verdade um alerta à cidade de Porto Alegre. Mas também para dizer que aqui na Câmara de Vereadores, a bancada do PT cada vez mais tem se destacado na luta, e sendo uma oposição coerente, responsável e consequente para freiar esse desmonte e esse horror que tem sido a gestão.”
A bancada lembrou sobre o incêndio da pousada Garoa que registrou 11 mortes. E de que o ex-diretor da Fasc, Cristiano Roratto, um dos indiciados no incêndio, foi nomeado diretor-geral da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS). Nas intervenções lembraram a greve dos servidores municipais e os ataques aos mesmos.

Conforme aponta o relatório, o governo Melo não faz a reposição de 33,4%, não dialoga com o Sindicato dos Municipários (Simpa), que, portanto, deflagrou greve a partir de 1º de abril.
“É um governo privatista, que tem como seu princípio, seus negócios, a entrega não só do patrimônio da cidade, mas também da elaboração e da gestão da cidade ao setor privado. Um governo incompetente, autoritário e privatista, essa é a síntese do que são esses 100 dias do governo Melo, que apresenta uma agenda que aprofunda aquilo que nos últimos quatro anos ele desenhou. E aprofunda, portanto, essa concepção de gestão”, enfatiza a deputada Laura Sito.
Destaques do relatório:
Emergência climática e sistema anti-enchente
“A emergência climática não terminou. Nós temos uma emergência climática em condição continuada. A cada dia a cidade vive novas ondas de calor, ameaças de temporal e dificuldades as mais variadas”, destacou Maria do Rosário.
Conforme relatado pela bancada, 160 mil pessoas foram atingidas na enchente de maio, 39 mil residências foram impactadas, e mais de 45 mil empresas sofreram danos.
Entre os problemas apontados no documento estão a falta de manutenção em casas de bombas, ausência de geradores de energia e estruturas danificadas como comportas com frestas e diques abaixo do nível previsto em projeto. Como também a ausência de limpeza nas galerias de esgoto e a realização de obras consideradas ineficazes nos bairros Ipanema e Lami.
De acordo com a bancada não há um plano de contingência concreto para 2025. Os vereadores lembraram da ação movida pelo Ministério Público contra a prefeitura de Porto Alegre para indenizar atingidos por enchente.

Dmae e estrutura administrativa
Na avaliação dos vereadores há um processo contínuo de desmonte do Dmae. De acordo com o relatório, o departamento opera atualmente com menos da metade do número original de servidores e destaca a terceirização de serviços como um dos fatores que impactam a qualidade do atendimento à população. Cita também denúncias de cobranças irregulares em contas de água, alterações na estrutura interna da autarquia e o crescimento no número de cargos comissionados.
“A gente não entende o gasto do dinheiro público, que tinha R$ 300 milhões, por exemplo, no Caixa do Dmae, e até agora esse dinheiro não virou política pública efetiva, porque os alagamentos continuam. Tem um discurso que ecoa na cidade, mas não tem uma prática real do governo. É um governo que não entrega o que prometeu, fez estelionato eleitoral, e faz cem dias que a cidade aguarda ações e não tem”, observou o vereador Jonas Reis.
Educação e saúde pública
Em relação à educação, o relatório aponta o déficit de aproximadamente 7 mil vagas na educação infantil, precarização da infraestrutura escolar e dificuldades na gestão democrática das escolas. Destacando o fim das eleições diretas para direção. O material também chama atenção para escândalos de corrupção na Secretaria Municipal de Educação e a terceirização de monitores.
“Se encontra na educação, de forma muito nítida, o caráter autoritário e privatista, tem sido um laboratório para o governo Melo. Além dos casos de corrupção que nós vimos temos a terceirização da educação especial”, frisou a vereadora Juliana de Souza.
No que tange a saúde, o documento aponta que 95% da atenção básica está terceirizada e que o orçamento da área para 2025 sofreu corte de 47,1%. Segundo o relatório, em setembro de 2024, mais de 300 mil pessoas aguardavam por exames ou consultas pelo SUS em Porto Alegre.
Conforme aponta a bancada a gestão também é criticada por manter contratos com organizações investigadas por irregularidades, como a Associação Hospitalar Vila Nova.

Assistência social e segurança alimentar
“Na cidade de Porto Alegre, são cerca de 140 mil pessoas que sofrem com insegurança alimentar grave, representando mais ou menos 10% da população total da cidade. A maioria delas não recebem qualquer subsídio da prefeitura municipal”, aponta o relatório.
O material expõe a queda nos investimentos da prefeitura em assistência social, com destaque para a extinção da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), ocorrida no início de 2025.
“O quadro de servidores em janeiro de 2025, com inúmeros cargos vagos, no âmbito da Fundação de Assistência Social e Cidadania, já demonstram o descaso do governo com este tema na cidade. Após a extinção da Fasc não sabemos como está esse quadro funcional, como vão reorganizar a estrutura da assistência social nessa nova secretaria municipal de assistência, tiveram muita pressa para extinguir, porém pouca gestão para estruturar uma política para a assistência social”, diz o documento.
A bancada destaca que após a enchente houve um crescimento de 14,88% da população de rua na Capital, são 5.226 pessoas em situação de rua hoje. Enquanto em 2024 eram 4.549. “Apenas 400 pessoas estão em acolhimento institucional, e outros 253 recebem algum tipo de auxílio, somados 753 pessoas tem algum tipo de atendimento realizado pela prefeitura o que significa apenas 14,4%. Nesse sentido, a política de assistência social existente não dá conta da demanda social”, alerta.

Habitação, planejamento urbano e mobilidade
Durante a coletiva, os vereadores pontuaram que Porto Alegre possui 101 mil imóveis vagos segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, número três vezes maior do que o déficit habitacional. E de que há mais de 20 mil famílias vivendo em 142 áreas de risco com deslizamento ou alagamento.
A bancada enfatiza a remoção de 57 famílias do bairro Sarandi sem garantia de destino definitivo e menciona o desvio de recursos do Fundo Municipal de Habitação para outros fins, como pagamento de dívidas judiciais e previdenciárias. “A prefeitura ainda anunciou neste último dia 21 de março que contratou 768 moradias na modalidade da Minha Casa Minha Vida – Reconstrução. Devemos estar atentos em como a prefeitura vai proceder ao longo do processo”, destaca o relatório. O governo federal, por meio do Ministério das Cidades, investiu mais de R$ 3,4 bilhões no programa Minha Casa Minha Vida – Reconstrução.
Sobre a mobilidade são citados problemas como superlotação, falta de ar-condicionado, descontinuidade de linhas e aumento da tarifa para R$ 5,00. A extinção do Conselho Municipal de Transportes Urbanos também é criticada. “A extinção dos cobradores de transporte causou desemprego, acúmulo de funções para os motoristas e a deterioração no transporte da cidade, e o projeto prevê em até 2025 terminar de extinguir essa categoria”, expõe o material.
Recursos federais e desafios para reconstrução
Ao fim do relatório a bancada faz uma análise sobre a aplicação de recursos federais na cidade em 2024. O documento destaca que, apesar do envio de verbas do governo federal para drenagem urbana, diques, saúde e habitação, a gestão municipal ainda enfrenta dificuldades em executar os projetos e responder de forma coordenada aos desafios de reconstrução. Segundo o documento, há risco de desperdício de recursos e de agravamento das desigualdades sociais caso não haja planejamento integrado.
“O governo do presidente Lula tem demonstrado, a partir da catástrofe que aconteceu aqui no Rio Grande do Sul, a presença e o envio de inúmeros recursos. Mas, na vida real do cidadão, nada de novo aconteceu. Essa é a dura realidade”, afirma o vereador Oliboni.
O parlamentar também observa o crescimento do número de cargos comissionados. “Em novembro de 2020, nós tínhamos 885 CCs. Janeiro de 2025, 949. Março, três meses depois, 1.231.”
O relatório está disponível para consulta pública e será encaminhado a entidades da sociedade civil, movimentos populares, órgãos de fiscalização e representantes do governo federal.
“Vem muito desafio, vem muito desmonte e vem muito autoritarismo. Esses 100 dias são 100 dias do governo Melo, mas também são 100 dias nossos. Nós temos um futuro de muita luta, vai ser enfrentamento o tempo todo. Vamos trazer propostas, uma visão técnica e uma visão também ideológica, porque a gente quer uma construção de uma sociedade diferente, que seja mais justa, mais igual. Uma sociedade melhor para Porto Alegre”, destacou o vereador Alexandre Bublitz.
O Brasil de Fato procurou a prefeitura de Porto Alegre para um posicionamento sobre o relatório. Espaço seguirá aberto para manifestação.
