A terceira mesa da conferência Dilemas da Humanidade: Perspectivas para Transformação Social, realizada em São Paulo (SP), debateu como o Sul Global pode escapar do papel de mero fornecedor de matérias-primas para os países desenvolvidos. Mais: como pensar a política industrial como meio de conseguir avançar em melhorias sociais.
O economista indiano Surajit Mazumdar explica que o Sul Global fica relegado a produtor de baixo valor agregado, com pouco avanço na América Latina, África e Sul da Ásia. “Claramente a ordem global não leva à formação de uma grande base de indústrias” em países que estão desenvolvendo a industrialização.
Ele diz que para ocorrer a industrialização dos países que hoje não têm um bom desenvolvimento deste setor, “é requisito é que se rompa com os padrões de integração atuais. É preciso criar condições onde esses países sejam capazes de usar seus mercados internos e espaços econômicos para a industrialização, rejeitando a ideia de que você só pode se industrializar se exportar para o Norte Global, mas sim promovendo o mercado do Sul Global.”
A relação com a China, um dos raros casos de país que conseguiu ascender para a posição de líder global, deve ser repensada em relação às perspectivas do Sul Global. “Há uma necessidade de mudança no equilíbrio de forças, porque a classe dominante e os ricos estão muito arraigados nos processos e sistemas e não querem abandonar a estrutura global”, afirma Mazumdar.
“Mas com a possível mudança na correlação de forças, há uma abertura para que esses processos comecem.”
A ministra brasileira de Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, participou da mesa e reconheceu que o boom das commodities no começo dos anos 2000 gerou um aumento da produção, mas também “dificuldade nossa de sair deste ciclo”. “À época nós tínhamos basicamente estatais e multinacionais. O que se segue [no governo Temer] é que as estatais são “vendidas” e este processo segue até hoje. No Brasil empresas são compradas para fechar, e não para industrializar”, avalia.
A ministra, no entanto, ressalta que “a pandemia teve um papel nos riscos de uma baixa autonomia produtiva”.
Proximidade com os EUA vulnerabiliza a indústria mexicana
A economista mexicana Josefina Morales disse que o Banco Mundial promove um modelo que aprisiona países à condição de fabricantes de produtos de baixo valor agregado. Ela conta que seu país sofre com esse sistema: industrias mexicanas montam produtos com peças vindas dos EUA, e manda-os de volta para serem vendidos por empresas estadunidenses para consumidores dos EUA.
Morales explica que o modelo é replicado em diversas partes do mundo, reforçado por acordos de livre comércio, mas a proximidade com o vizinho poderoso vulnerabiliza seu país. “Depois de 2008, a indústria de peças automotivas de baixo valor agregado (como na década de 1980) cresceu. Precisamos observar o desempenho da economia americana para entender o que está acontecendo na indústria mexicana”, diz ela.
Sobre como desenvolver a industria local para melhorar a vida das próprias populações, ela diz que “o desafio é tornar os países mais ‘produtivos'”, ao mesmo tempo em que se detém “a ofensiva fascista de Trump”.
Independência e abertura
Fechando a mesa, o economista chinês Lyu Xinyu afirmou que “o caminho de desenvolvimento da China enfatiza uma combinação de independência e abertura ao mundo exterior. Especificamente, o desenvolvimento da China busca alcançar a industrialização e a acumulação primitiva, salvaguardando sua independência soberana e enfrentando os desafios impostos pelas restrições e sanções ao comércio exterior”.
“Atualmente, a China também facilita o desenvolvimento de infraestrutura por meio da ‘Iniciativa Cinturão e Rota’ para apoiar a industrialização em países em desenvolvimento, ajudando-os a superar as dificuldades no processo de acumulação primitiva.”
“Essa situação lembra as próprias experiências da China na década de 1950, quando superou dificuldades análogas com o apoio de seu sistema socialista e a cooperação com a União Soviética.”
Ainda nesta quarta-feira acontece a mesa Soberania do Sul Global sobre nossos recursos, com participação de Marcio Pochman e do mexicano Alonso Romero.
Último dia
A conferência termina nesta quinta-feira (10) com a mesa Nova Arquitetura Financeira, com a participação esperada de Dilma Rousseff, presidenta do Banco do Brics. Em pauta, a desdolarização do sistema financeiro mundial e outras maneiras de o Sul Global assegurar soberania e desenvolvimento econômico em um cenário em que a maior potência econômica, os EUA, se mostra cada vez mais hostil. Paricipam Paulo Nogueira Batista Jr. (Brasil), Yaroslav Lisovolik (Rússia), além das presenças virtuais de Aleksei Mozhin (Rússia) e da ex-presidenta brasileira. A moderação é de Subin Dennis (Índia).
As conclusões dos três dias de debates devem ser apresentadas em seu fechamento, na tarde de quinta-feira, por João Pedro Stedile (MST) e a economista Juliane Furno. A conferência é organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social e a Assembleia Internacional dos Povos (AIP).