A pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal da Paraíba impôs uma série de medidas protetivas urgentes em favor da comunidade tradicional Canaã, situada no município de Santa Rita, na Região Metropolitana de João Pessoa (PB). A decisão liminar tem como objetivo proteger os moradores da pressão exercida pelo novo proprietário da Fazenda Reunida Cumbe, Eitel Santiago, empresário do ramo da carcinicultura (criação de camarões em cativeiro).
A ordem judicial determina que o empresário se abstenha de adotar qualquer conduta que pressione os moradores quanto à permanência nas casas que ocupam há décadas, como a exigência de contratos de aluguel. Ele também está proibido de impedir o acesso da comunidade a espaços coletivos essenciais à convivência social e cultural, como a praça da vila e as margens do rio Paraíba, e deverá remover uma cerca que obstrui a circulação no local.
Além disso, o proprietário da fazenda deverá permitir a entrada, na área, de servidores públicos das três esferas de governo e de funcionários de empresas prestadoras de serviços públicos, como Energisa e Cagepa, sempre que estiverem atuando no exercício de suas atribuições relacionadas ao caso ou à prestação de serviços de interesse da comunidade. Caso descumpra qualquer uma dessas determinações, o réu estará sujeito a multa de R$ 2 mil por ocorrência ou por dia de descumprimento.
Outro ponto importante da decisão judicial é a ordem dirigida ao município de Santa Rita para que retome imediatamente o processo administrativo de regularização fundiária das moradias da comunidade Canaã. A prefeitura deverá informar mensalmente à Justiça o andamento do procedimento, sob pena de multa diária de R$ 500, a partir do 31º dia sem atualização.
Entenda o caso
Em junho de 2024, o jornal Brasil de Fato PB explanou, em reportagem, a situação da Comunidade Canaã, localizada no município de Santa Rita, onde antigamente funcionava o Engenho de mesmo nome. Os moradores vêm sofrendo pressão para desocupar o território que habitam há cerca de 40 anos.
Formado por antigos funcionários da Usina – que entrou em falência em meados dos anos 1990 – o grupo de trabalhadores recebeu as terras como parte de um acordo trabalhista proposto pelo então proprietário, já que muitos salários e direitos não haviam sido pagos. No entanto, como o acordo foi feito de maneira informal, sem registro legal, as terras foram recentemente vendidas para Eitel Santiago Silveira, que agora se declara proprietário da área.
Para Maria F. (nome fictício), moradora da comunidade Canaã, as famílias têm raízes no território. “As pessoas construíram suas histórias aqui. A maioria é de famílias de trabalhadores da antiga Usina Santa Rita. Quando a usina faliu, muitos não receberam seus direitos e ficaram com as casas como forma de pagamento. Outros foram comprando casas de vizinhos, de parentes que foram saindo. Mas todos os que estão aqui já estão há décadas. São famílias que têm raiz nesse lugar.”
Sem perder tempo, após a aquisição, o novo comprador passou a oferecer valores considerados irrisórios pelos moradores, na tentativa de adquirir suas casas. Aproximadamente, 45 famílias enfrentam pressões e estão sendo cobradas a apresentar contratos de aluguel como forma de justificar a posse dos imóveis onde vivem há décadas.
Além disso, escavações para cultivo de camarão vêm sendo realizadas perto das residências, fazendo com que as casas fiquem em situação precária, dificultando o acesso da comunidade, do poder público e a implementação de políticas públicas.
Segundo Suellyton de Lima, advogado do Centro de Direitos Humanos Dom Oscar Romero (Cedhor), uma das entidades que vêm dando assistência à população), “tudo isso é para que as pessoas da comunidade vendam suas casas a preços baixos para o proprietário, que alega ter comprado toda aquela região”.
Os moradores também têm contado com o apoio do Ministério Público Federal, que, junto à comunidade, luta para proteger a moradia, o meio ambiente e as construções que fazem parte da história da cidade.
“Atualmente, possuímos um laudo antropológico que identifica a comunidade como tradicional, com vínculos ancestrais ao território ao longo de várias gerações. Esta comunidade enfrentou grandes dificuldades no passado devido ao fechamento da usina na década de 1990, que resultou na perda de direitos trabalhistas. Após um acordo informal, eles permaneceram na área, continuando a cultivar e desenvolver suas culturas. Recentemente, houve uma nova compra da terra e o novo proprietário ignorou todos os acordos anteriores, utilizando diversas formas de violência contra a comunidade. Esta situação tem gerado preocupação no Ministério Público Federal e na Defensoria Pública do Estado da Paraíba, que têm trabalhado juntos para garantir que a comunidade tenha seus direitos assegurados, incluindo a regularização de seu território, ao qual possuem vínculos históricos profundos”, explica José Godoy, procurador da República na Paraíba
Godoy acrescenta que a comunidade tem lutado pelo acesso aos serviços públicos essenciais, como saúde e educação no município de Santa Rita. “O processo de regularização fundiária urbana está sendo acompanhado de perto para garantir que o município de Santa Rita cumpra as medidas necessárias, conforme previsto na Lei 3465”, afirma.
Cassação de liminar
Em agosto de 2024, a desembargadora Agamenilde Dias Arruda Vieira Dantas, do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB), já havia cassado uma liminar de reintegração de posse em nome do suposto atual dono da terra, que havia sido expedida pela juíza titular da 2ª Vara Mista da Comarca de Santa Rita, Maria dos Remédios Pordeus Pedrosa.
Maria F. comenta que a justiça vem cumprindo seu papel. “Deus foi justo. Confiamos na Justiça, e era algo que a gente já esperava, porque toda a história das famílias aqui foi construída de verdade. Tem pessoas que já estão na quarta geração. Ou seja, tem gente que chegou aqui menina e hoje já tem bisnetos. O filho criou o neto e hoje tem bisneto aqui. São várias famílias assim”, conta.
Ela destaca que as pessoas se sentiram ameaçadas “sentiram medo real de perder seus lares, seus vales, suas casas. Era algo muito pesado, porque se tratava de alguém com muita influência, com poder político e econômico. Ele mesmo dizia que tinha influência em tudo quanto era lugar e em todos os setores. Disse até que, com um ano aqui, já tinha tomado posse. Mas ele não provou isso. Foi feita uma perícia, os técnicos vieram aqui, fizeram um estudo com as famílias e ficou comprovado que a comunidade já está aqui há décadas”.
Além do Ministério Público Federal, mediante o procurador José Godoy, outras entidades estão envolvidas na defesa da população, como o Centro de Defesa dos Direitos Humanos Dom Oscar Romero (Cedhor), a União Santarritense de Associações Comunitárias (Usac), o Obuntu (projeto de extensão do curso de direito DCJ/UFPB) e o Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores Por Direitos (MTD).
O jornal Brasil de Fato PB entrou em contato, por meio do Whatsapp, com Eric Montenegro, advogado do grupo Santiago, conforme instruído, ao ser informado de que o grupo só se comunica por intermédio dele. No entanto, a reportagem não obteve retorno. O espaço segue aberto para comunicação e publicação.
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