Após um ano das enchentes de 2024, quando o espaço cultural Terreira da Tribo teve a sede inundada e perdeu grande parte do acervo, a realização de uma luta histórica está prestes a se realizar. Na última sexta-feira (4), a atriz e produtora Tânia Farias e o fundador do espaço, Paulo Flores, receberam a notícia do secretário-executivo do Ministério da Cultura, Márcio Tavares, da cessão de uma área no Quarto Distrito.

A nova sede fica na Rua Ernesto da Fontoura, 950, no bairro São Geraldo. Com mais de 5 mil metros quadrados, o prédio pertencia aos Correios e está desocupado desde 2012.
A cedência se deu a partir de uma articulação entre Ministério da Cultura (MinC) com os Correios, a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e o grupo teatral. A previsão é de que a formalização da sede ocorra em maio.
Para Mari Martinez, do Minc/RS, a democratização dos espaços da União para o setor cultural é uma parceria estratégica. “O MinC está construindo junto aos Correios, a SPU e o grupo Ói Nóis Aqui Traveiz uma solução para uma demanda histórica, que será um vetor de desenvolvimento para as artes do RS e do Brasil.”
O secretário-executivo adjunto do MinC, Cassius Rosa, conversou com o Brasil de Fato RS, ainda na sexta-feira (4), para detalhar o processo de cedência.
Brasil de Fato: Como foi esse processo de decisão para a cedência do espaço à Terreira da Tribo?
Cassius Rosa: A demanda da Terreira da Tribo se deu logo após a enchente de 2024, pois a calamidade afetou muito o espaço que eles tinham. Tanto o secretário Márcio Tavares quanto eu fomos ao Rio Grande do Sul no auge da enchente, e também logo após, para acompanhar os processos de reconstrução dos equipamentos culturais e de todas as atividades culturais que, inclusive, levaram a gente a criar algumas ações de auxílio aos fazedores e fazedoras de cultura, como a Bolsa Formação e o Programa Rouanet RS, de apoio a projetos no Rio Grande do Sul.
Nós fomos junto com o gabinete da deputada Maria do Rosário [PT] acompanhar a situação no Quarto Distrito. Ficamos profundamente consternados com a situação da Terreira da Tribo. Eles perderam quase todo o seu acervo histórico de mais de 47 anos de atuação. Foram gravemente atingidos, não só pelas águas, mas, principalmente, pelos esgotos que afloraram na região do Quarto Distrito, que levou a contaminação desse acervo e, inclusive, de grande parte dos equipamentos e cenografias que eles utilizavam em peças atuais.
Tanto o secretário Márcio como eu somos gaúchos e acompanhamos a história da Terreira da Tribo desde sempre. Conhecemos a sua importância para o teatro nacional e a própria luta da Terreira na busca histórica de uma sede própria.
A partir daquele momento, assumimos o compromisso junto a Terreira de buscar uma solução em definitivo para essa luta histórica. Inicialmente, acionamos a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e o superintendente Emerson Vitsrki, da Superintendência do Patrimônio da União no Rio Grande do Sul, foi um parceiro de primeira hora em buscar alternativas para que pudéssemos encontrar imóveis da União para poder fazer a cedência.
Foram visitados diversos imóveis?
Sim, levamos integrantes da Terreira a visitar vários imóveis da União que poderiam ser disponibilizados. Só que, frente às necessidades técnicas do grupo, nós não conseguimos encontrar dentro dos imóveis da União algum que se enquadrasse a necessidade de construir uma caixa cênica, de ter os espaços para ser espaço do museu, do teatro, que eles estão buscando construir, e as suas atividades formativas.
“A ideia é ser a sede da Terreira, mas também compartilhar com outros grupos teatrais, pois essa é uma das essências da Terreira, o trabalho sempre coletivo”
Então, nós inicialmente conseguimos a cessão de um imóvel da União para que a Terreira pudesse provisoriamente ficar instalada, principalmente na sua parte administrativa, para que ela pudesse ter minimamente a continuidade das suas atividades. Ao mesmo tempo em que fomos buscar alternativas, através da nossa representante Mari Martinez, do MinC RS, fizemos visita a diversos espaços.
Aí não só da União, mas também de outras empresas estatais que pudessem atender essa necessidade. Encontramos no Quarto Distrito uma área que pertence aos Correios, onde há alguns anos funcionava um centro de distribuição.
É uma área de quarteirão inteiro. São mais de 5 mil metros quadrados que se encaixaria perfeitamente às necessidades da Terreira. Embora o espaço esteja bastante degradado pela própria ação das chuvas e pelo tempo, com necessidade de reformas e adaptações, a Terreira entendeu que era o espaço ideal para que eles pudessem implantar todas as suas atividades. A ideia é ser a sede da Terreira, mas também compartilhar com outros grupos teatrais, pois essa é uma das essências da Terreira, o trabalho sempre coletivo.
Como se dará a cedência?
A partir dessa identificação da área, nós iniciamos conversas com a direção dos Correios. Cerca de 30 dias atrás, nós fizemos uma reunião com o presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos, em que ele demonstrou total apoio.
Então, nesse momento, o MinC se colocou à disposição de construir uma solução para a cedência. E, na sexta-feira (4), ao mesmo tempo em que o secretário Márcio estava reunindo com os representantes da Terreira aí no Rio Grande do Sul, nós estávamos fazendo aqui uma reunião com o corpo técnico dos Correios, com a Gerência de Patrimônio Imobiliário deles, para buscarmos as soluções para que conseguirmos a concretude da cedência.
Identificamos como principal caminho a seguir que os Correios façam uma outorga de uso ao Ministério da Cultura, em que nós vamos solicitar a outorga do prédio para implantação de um polo cultural no espaço e concomitante a isso, o ministério irá fazer uma sessão de uso à Terreira da Tribo. A Terreira vai apresentar junto ao ministério um plano de recuperação do espaço.
A partir de agora, estamos avançando junto aos Correios para a construção da minuta dessa outorga e o nosso corpo técnico aqui do ministério já está também em contato com a Terreira para fazer a minuta da cessão de uso.
Ela é uma cessão inicial de 10 anos, podendo ser prorrogada. Já está bem adiantado o processo. Temos a minuta inicial de trabalho e a gente está trabalhando com a perspectiva de que, no máximo em 45 dias, 60 dias, a gente já possa estar marcando uma atividade que consolide um ato para o repasse desse imóvel para Terreira da Tribo.
Essa é uma luta histórica da Terreira da Tribo que eles quase conseguiram algumas vezes, mas nesses 47 anos nunca se concretizou. Então me parece que esse vai ser um grande feito do MinC aqui no nosso estado.
Exato. Nós acompanhamos de perto a história da Terreira e todo o desafio na busca desse novo espaço. Essa demanda, do espaço próprio, não é uma demanda individual da Terreira. Todos os grupos teatrais do Brasil, e a própria Funarte, na figura da presidenta Maria Marighella, demonstraram apoio a essa demanda. E foi muita solidariedade.
Inclusive foi bonito de se ver que tão logo chegaram as notícias de que a sede da Terreira havia sido completamente alagada, nós recebemos inúmeras contatos de grupos de todos os lugares do país, pedindo que nós ajudássemos a Terreira. Para que nós achássemos uma solução não só para a questão da calamidade, mas também de achar uma solução em definitivo para o espaço.
Então, essa é uma demanda de todos os fazedores e fazedoras de cultura do país e é fruto de uma grande mobilização de todos os grupos teatrais do país que reconhecem a importância da Terreira da Tribo para a arte brasileira.
“Vai ser um marco para a cultura gaúcha ter um espaço deste tamanho, dessa amplitude”
O MinC vai ajudar nesse processo de reconstrução do espaço?
Esse processo, embora esteja tecnicamente iniciando, ele já está bem avançado. O grande desafio que vamos ter, enquanto sociedade brasileira, em especial a sociedade gaúcha, é garantirmos as condições para que a Terreira consiga também fazer a reforma e adequação do espaço para as suas atividades.
O ministério vai se colocar parceiro desse processo, mas como grande parte dos nossos recursos de fomento, eles são vinculados através da Lei Aldir Blanc, que leva a um repasse direto a estados e municípios, a gente precisa apoiar que a Terreira possa buscar essas condições para efetuar a reforma.
Nós nos colocamos a inteira disposição da Terreira para ajudar na construção dessas alternativas. O espaço também poderá abrigar atividades como cafés, livrarias que poderão colaborar no custeio do espaço.
Vai ser um marco para a cultura gaúcha ter um espaço deste tamanho, dessa amplitude, numa área que está se transformando num grande polo cultural, que é o Quarto Distrito.
