Camponesas e camponeses do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizam, entre os dias 8 e 9 de abril, uma série de mobilizações em todo o Paraná como parte da Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária. A ação marca o mês de memória e justiça pelos 21 trabalhadores assassinados pela Polícia Militar em Eldorado do Carajás (PA), em 17 de abril de 1996.
Em Curitiba, cerca de 500 pessoas vindas de assentamentos e acampamentos participam de atividades de formação e mobilização ao longo dos dois dias. A programação teve início na terça-feira (8), com um ato político e cultural em defesa da reforma agrária, realizado na sede do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Paraná (Sindijus), em Almirante Tamandaré, Região Metropolitana de Curitiba (RMC). O evento contou com apresentações musicais de Oswaldo Rios e Rogério Golin, do grupo Viola Quebrada, além da presença de autoridades e representantes de movimentos populares.
Nesta quarta-feira (9), ocorreram duas audiências simultâneas de negociação. Uma delas no auditório do Instituto Federal do Paraná (IFPR), com foco no desenvolvimento dos assentamentos e cooperativas da reforma agrária, no fortalecimento de políticas públicas de apoio à produção de alimentos e no acesso à educação. A outra ocorreu no auditório do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra-PR), com a participação de integrantes de mais de 80 comunidades acampadas, que reivindicam a efetivação de novos assentamentos.

Para Ana Amélia da Silva, coordenadora-geral de Fomento à Inclusão Produtiva Rural e Acesso à Água do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o diálogo com os movimentos sociais é fundamental para garantir a efetividade das ações. “Consideramos que é importante que o poder Executivo federal possa dialogar com os movimentos sociais e cooperativas, para que possamos ser mais efetivos no atendimento da população, desde tirar dúvidas sobre o funcionamento dos programas até levar demandas identificadas. Esse é um diálogo muito rico e importante”, afirmou.
José Damasceno, da direção nacional do MST pelo Paraná, destacou a urgência na regularização das famílias acampadas. “No Paraná, estamos com cerca de 7 mil famílias acampadas em 114 mil hectares de terras improdutivas. São famílias que já estão há mais de 20 anos lutando pela reforma agrária. O objetivo aqui é fazer desenrolar um processo para o assentamento dessas famílias de forma definitiva. Nossa reivindicação é que o Incra termine de cadastrar todas as famílias, retome a vistoria das áreas para fins de reforma agrária e dispense orçamento e recursos para que essas famílias sejam assentadas em um processo curto de tempo.”

Além da mobilização na capital, comunidades do MST organizam ações em diversas cidades do interior do estado, com foco na cobrança por mais agilidade do Banco do Brasil no atendimento às famílias assentadas e no acesso às políticas de crédito e fomento à produção.
Valdemar Batista, dirigente nacional do MST pelo Paraná e morador do assentamento 8 de Abril, em Jardim Alegre, destaca o caráter da mobilização. “A nossa jornada de luta tem um caráter massivo. Toda a nossa base estará mobilizada nesses dois dias aqui no estado. Um clima de negociação e também de estudo, mas também num clima de denúncia, de relembrar os nossos mortos, nossos mártires de Eldorado dos Carajás, nossos 21 mortos que até hoje os culpados não foram punidos”, afirma.
Políticas públicas ainda são insuficientes, diz MST
O MST avalia como importantes os anúncios recentes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Entre as medidas, estão o assentamento de 4.883 famílias, a liberação do crédito instalação, melhorias nos programas de Aquisição de Alimentos (PAA) e no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), além da destinação de orçamento para o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera).
Apesar disso, o movimento considera que os avanços ainda são limitados diante da demanda acumulada. Cerca de 100 mil famílias estão acampadas no país, sendo 7 mil apenas no Paraná. Muitas delas aguardam há décadas pela efetivação da reforma agrária. Famílias já assentadas também enfrentam obstáculos burocráticos para acessar políticas públicas básicas.
“A gente considera e avalia que foi muito importante as políticas, as liberações de recursos e do programa do governo Lula, mas também não deixamos de dizer que ainda é pouco, é insuficiente pelo tamanho da nossa necessidade”, reforça Valdemar Batista.
Segundo o MST, enfrentar a crise no preço dos alimentos exige medidas estruturais, de médio e longo prazo. A Reforma Agrária Popular é apontada como estratégia essencial para ampliar a produção de alimentos e atender à demanda interna do país.
Em memória dos mártires de Eldorado do Carajás
A Jornada Nacional de Lutas acontece em todo o Brasil ao longo do mês de abril. A mobilização presta homenagem aos 21 trabalhadores rurais mortos em Eldorado do Carajás, episódio que se tornou símbolo da violência contra os camponeses e motivou a criação do Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária (Lei nº 10.469/2002).
O massacre, promovido pela Polícia Militar do Pará, evidenciou ao mundo a brutalidade do latifúndio no Brasil. Para o MST, combater o latifúndio é enfrentar uma estrutura que historicamente alimenta crimes e violações no campo contra camponeses, indígenas, quilombolas e ribeirinhos.
Avanços e desafios no Paraná
O acesso à terra no Brasil foi historicamente marcado pela concentração fundiária. Segundo o MST, o que foi conquistado em termos de democratização é resultado direto da luta organizada. No Paraná, o movimento contabiliza 329 assentamentos e mais de 80 acampamentos, somando cerca de 28 mil famílias — 21 mil assentadas e 7 mil acampadas.
A estrutura produtiva inclui 25 cooperativas, 62 agroindústrias e cerca de 100 associações. Essas agroindústrias geram aproximadamente 300 empregos diretos e produzem mais de 100 itens, como leite, ovos, hortifruti, cereais, panificados, derivados de cana-de-açúcar, sucos, erva-mate, entre outros. Aproximadamente 5,4 mil famílias são cooperadas diretamente, beneficiando ainda cerca de 30 mil famílias de assentados, agricultores familiares e comunidades tradicionais.
Na área da educação, o estado conta com nove escolas itinerantes que atendem da educação infantil ao ensino médio em acampamentos, 25 colégios estaduais em assentamentos e cerca de 100 escolas municipais do campo. Ao todo, são mais de 11 mil estudantes matriculados.
A formação técnica e política é promovida por instituições como a Escola Latino-Americana de Agroecologia, no assentamento Contestado, localizado em Lapa, e a Escola Milton Santos, em Maringá. A Escola José Gomes da Silva (Itepa), em São Miguel do Iguaçu, está atualmente em processo de reestruturação.
Preservação ambiental
A reforma agrária também tem se mostrado aliada da preservação ambiental. Dados do Instituto Água e Terra (IAT), com base no Cadastro Ambiental Rural (CAR), apontam que a média de cobertura vegetal nativa nos assentamentos do Paraná é de 29,51%. Cerca de 52,6% dessas áreas mantêm entre 20% e 40% de vegetação nativa, estando plenamente regulares quanto à reserva legal mínima exigida, que é de 20% para imóveis rurais.