A mobilização dos indígenas Kapinawá resultou na suspensão de um leilão que iria pôr à venda parte do território desse povo, no município de Buíque (PE).
“A gente já estava fazendo grandes mobilizações internas para fazer até protesto, caso não não fosse suspenso por vias judiciais. Mas conseguimos!”, comemora Aylla Monteiro de Oliveira, indígena Kapinawá e mestranda em direito.
O pedido de suspensão, assinado pela procuradora Danielle Kelly de Lima, da Procuradoria da Fazenda, foi expedido no início da noite de quarta-feira (9), na véspera do leilão, marcado para às 10h de quinta-feira (10).
Os 126 hectares que iriam a leilão fazem parte de uma fazenda sobreposta ao território ancestral. O imóvel tem dívidas fiscais com o estado e o valor arrecadado seria revertido para o pagamento das pendências. A área total da fazenda é de quase 800 hectares, território que engloba três aldeias Kapinawá, onde vivem cerca de 100 famílias.
“E aí o medo é: o estado vai leiloar essa área, o estado não quer essa área, quer é o dinheiro para pagar as dívidas fiscais. Ele não vai olhar quem é o comprador, ele não quer saber”, alerta Oliveira.
Além do descaso com as reivindicações dos indígenas, que habitam a área e pedem pela demarcação do território, os Kapinawá temem que as terras sejam compradas por empresas de energia eólica, cada vez mais presentes na região.
“Tem três empresas rodeando essa área, porque é uma área boa de vento”, diz Oliveira. No início do ano, os indígenas conseguiram a suspensão da licença prévia que autorizaria a instalação de um parque eólico na região pela empresa Energia de Buíque Ltda.
“Era um projeto com mais de 70 aerogeradores para ser colocado nesse território. A gente se mobilizou há quase três anos e conseguimos, agora em fevereiro, uma resposta do CPRH [Companhia Pernambucana de Controle da Poluição Ambiental e de Administração de Recursos Hídricos], que é o órgão licenciador de Pernambuco”, conta.
Localizada entre os municípios de Buíque, Ibimirim e Tupanatinga, a Terra Indígena (TI) Kapinawá tem 12 mil hectares demarcados, onde vivem cerca de 2 mil pessoas, de acordo com dados do Instituto Socioambiental (ISA). Há, no entanto, outra parte do território, também habitada pelos Kapinawá, sem demarcação.

Oliveira explica que, por se tratar de uma terra muito boa, com solo de qualidade e fácil acesso à água, foi tomada por fazendeiros.
“Só que aí sempre foi considerado terra Kapinawá, moram muitas famílias. A gente tem muitos conflitos, porque eles não deixam abrir estrada, não deixam pegar coisas do lado de lá, porque teoricamente é deles. No papel é deles, mas a gente sabe que é terra Kapinawá.”
Eólicas afetam saúde, aponta estudo
Com a instalação de um parque eólico, chegam o cerceamento do território, os impactos para a biodiversidade e os danos à saúde de quem vive perto das torres.
“Tem relatos de que não há mais abelhas, de que as aves não estão fazendo mais o seu curso migratório para aqueles locais, porque se elas fizerem, elas vão esbarrar nas torres”, afirma Oliveira.
Nos humanos, a perturbação decorrente do som constante emitido pelas imensas hélices – que rodam incessantemente – já tem até nome: síndrome da turbina eólica, associada a sintomas como insônia, irritabilidade, dores de cabeça e ansiedade.
Um estudo conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Pernambuco, em conjunto com Universidade de Pernambuco (UPE), identificou que 66% dos moradores de áreas rurais próximas a parques eólicos, entre adultos e crianças, utilizam medicamentos para dormir.
Mais da metade (54%) relataram ter perda auditiva e 31% reclamaram do incômodo visual causado pelas sombras das pás girando, o chamado efeito estroboscópico, que, somado ao ruído constante, deteriora a saúde mental dessa população. Além de todos esses impactos observados, 41% relataram alergias e dermatites por conta da poeira espalhada pelas hélices nas casas ao redor.
João do Vale, agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), acompanha há dez anos os conflitos consequentes desses parques e ressalta que as instalações afetam, sobretudo, as comunidades e povos tradicionais, como indígenas, quilombolas e catingueiros, causando adoecimento e expulsando essas pessoas dos seus territórios.
“Existem, talvez, milhares de pessoas já adoecidas no nordeste todo por causa do barulho. Essas pessoas não vão ficar bem, porque elas continuam morando. Algumas, que tem condições de ir para cidade, vão para cidade, as outras ficam ali e vão adoecendo até morrer”, diz.