A decisão do presidente Donald Trump de taxar a compra de produtos de outros países gerou uma guerra comercial entre os EUA e a China. Tal conflito espalhou nervosismo entre agentes econômicos do mundo todo, o que também elevou a cotação do dólar em diversos países, inclusive no Brasil.
Tudo isso criou uma nova pressão sobre o preço da comida vendida à população brasileira. O preço dos alimentos já vêm em alta desde o ano passado. Segundo economistas ouvidos pelo Brasil de Fato, podem subir ainda mais caso a guerra comercial se intensifique.
Em 2024, a comida subiu 7,69% no Brasil, empurrando para cima o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que chegou a 4,83% – além da meta definida para o índice. Essa alta teve relação com secas e enchentes, que comprometeram a safra nacional, mas também com a elevação do dólar ao final do ano passado.
De outubro a dezembro de 2024, a cotação da moeda estadunidense no Brasil subiu de cerca de R$ 5,5 para até R$ 6,25 já por conta da eleição de Trump e de suas promessas de intervenções radicais sobre a economia.
Em 2025, a cotação do dólar caiu, baixando a R$ 5,60. Após o anúncio do tarifaço do Trump, voltou à casa dos R$ 6, o que afeta o preço da comida por aqui.
Efeito dólar
O dólar em alta pressiona o preço dos alimentos, primeiro, porque parte dos ingredientes de produtos básicos da nutrição nacional são negociados em dólar. O maior exemplo disso é o trigo. O Brasil precisa importar trigo para produzir farinha, pães e massas. Se o dólar sobe, a tendência é que esses produtos fiquem mais caros.
Além disso, o dólar em alta faz com que empresários do setor agropecuário brasileiro foque suas vendas na exportação. O resultado disso é que faltam produtos no mercado interno, o que faz subir os preços dos alimentos por aqui.
Esse movimento já foi descrito por José Giacomo Baccarin, professor de economia e política agrícola da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e diretor do Instituto Fome Zero (IFZ), em análises sobre o preço da comida em 2024.
O especialista usa a carne para comprovar como o dólar afeta a inflação de alimentos produzidos e vendidos no Brasil. As carnes subiram 20,8% durante 2024. Isso porque os frigoríficos bateram recordes de exportação no ano, aumentando em 30% suas vendas ao exterior.
O caso soja
A soja também é um produto tipicamente brasileiro cujo valor depende muito do mercado internacional. O dólar alto, por si só, já faria com que mais soja fosse enviada para o exterior e permanecesse menos no país. O tarifaço agrava esse processo.
Trump taxou a importação de produtos chineses. A China respondeu taxando produtos vindos dos EUA, especialmente os agropecuários. Os EUA estão entre os maiores fornecedores de soja da China. A retaliação chinesa tende a tornar a soja estadunidense mais cara, abrindo espaço para a soja brasileira.
Um estudo do Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental Aplicada (Nemea), do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), indica que a exportação de soja tende a crescer com a guerra comercial. Seriam cerca de US$ 4,8 bilhões (cerca de R$ 28 bilhões) a mais em exportações causadas pelo tarifaço, o que tende a elevar a cotação do grão no país.
De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), parte do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), unidade da Universidade de São Paulo (USP), a casa de 60 quilos do grão já subiu mais de 2% desde que Trump anunciou as tarifas – de R$ 131,77 para R$ 134,61 em Paranaguá, polo exportador do grão.
Baccarin explicou que, embora a soja não seja muito consumida como alimento no país, seu preço influencia no custo do óleo de soja e também das rações para porcos e frango. Ou seja, também tem grande influência no preço da comida.
Ele crê que a guerra comercial pressione a inflação. Clayton Campagnolla, coordenador do tema clima e alimento do Instituto Fome Zero, ex-presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), ratificou o risco.
Giorgio Schutte, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) e coordenador do Observatório da Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil (Opeb), também acredita em alta da comida. “O agronegócio fará a festa. Mas a tendência é aumentar os preços aqui.”
João Pedro Revoredo, economista e um dos autores do estudo no Nemea sobre os impactos do tarifaço, discorda. “Esse novo conjunto de tributação internacional vai favorecer os produtores, que vão produzir mais. A produção adicional vai ser enviada ao exterior. Por isso, não vejo risco de alta”, explicou.