A recente liberação de milhares de hectares para perfuração de petróleo e gás nos Estados Unidos, feita pelo presidente Donald Trump, é vista pelo professor do departamento de geografia e do programa de pós-graduação em ciência ambiental na Universidade de São Paulo (USP) Wagner Ribeiro como uma tentativa de retomar um modelo de exploração já superado. Segundo ele, a medida busca resgatar uma imagem de potência econômica e energética que o país americano não representa mais.
“Trump tenta sinalizar a seus eleitores um padrão e uma nostalgia que os Estados Unidos já não têm. O país não é mais modelo a ser seguido, nem pelas mudanças climáticas nem pelo padrão energético que representa”, afirmou Ribeiro, em entrevista ao programa Conexão BdF, do Brasil de Fato. Para ele, a aposta em combustíveis fósseis vai na contramão da inovação, cada vez mais liderada por China e países da União Europeia — justamente o temor de Trump.
“Hoje, a alternativa está em novas fontes de energia. O petróleo já não me parece mais uma saída”, avaliou.
Os EUA liberaram, para a exploração de gás e petróleo, mais de 9 milhões de hectares da Reserva Nacional de Petróleo no Alasca, correspondente a 82% da sua área total. O governo também anunciou a volta de um programa que prevê o arrendamento dos combustíveis no Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico (ANWR), com mais de 631 mil hectares da planície costeira.
Mesmo fora do Acordo de Paris, EUA devem influenciar nas discussões ambientais
Durante seu mandato, Trump anunciou a saída dos EUA do Acordo de Paris, mas o processo é lento e não acontece de forma imediata. O professor Wagner Ribeiro explicou ainda que, mesmo fora de pactos internacionais, os Estados Unidos costumam participar das reuniões como “membros observadores” e, devido ao peso de sua economia, exercem influência nas decisões.
“Ainda que não assinem os acordos, os EUA sempre tentam interferir nos rumos das negociações climáticas. Certamente farão o mesmo na COP30 [30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas], que será realizada no Brasil”, alertou Ribeiro.
Árvores de plástico em Belém são ‘erro grotesco’ e prejudicam imagem do Brasil
Às vésperas de sediar a COP30, o governo do Pará instalou árvores artificiais na Nova Doca, uma das instalações montadas para receber o evento em Belém. A medida foi amplamente criticada por ambientalistas, inclusive por Ribeiro, que vê contradição entre o gesto e o discurso ambiental do país.
“É incompreensível porque sabemos de todas as implicações da decomposição dos plásticos nos oceanos, que chegam muitas vezes nos nossos corpos através da cadeia alimentar. É um erro grotesco, brutal, que não faz o menor sentido”, opinou.
Para ele, a cidade deveria valorizar sua vegetação natural, inclusive para evitar um vexame global: “Belém tem grandes árvores, é uma cidade muito verde. Se o Brasil quiser se proteger de críticas internacionais, precisa dar bons exemplos, e isso começa por usar árvores e plantas de verdade.”
País tem potencial mal aproveitado para economia verde
Para Ribeiro, o Brasil tem um potencial enorme para liderar uma economia verde, mas ainda investe pouco em ciência e tecnologia. Ele destacou a importância da chamada “química fina” associada à biotecnologia, que consiste na mistura de materiais orgânicos e processados, para desenvolver novos materiais, fármacos e alimentos.
“Temos aqui algo raro: a combinação da biodiversidade com a sociodiversidade. O conhecimento dos povos originários, quilombolas e ribeirinhos permite identificar espécies e desenvolver produtos inovadores a partir disso”, indicou. “Temos capacidade, mas ainda estamos aquém do necessário para liderar essa transição.”
Garimpo ilegal é herança de modelo colonial
Durante a entrevista, Ribeiro também chamou atenção para a devastação provocada pelo garimpo ilegal no Brasil, especialmente em Terras Indígenas. Segundo o professor, a atividade seria uma herança do período colonial, baseado na extração predatória de recursos do subsolo.
“É uma aposta no modelo antigo, herdado da época colonial do Brasil, de retirar os materiais da natureza, especialmente os que estão no subsolo. Os garimpeiros hoje operam com maquinário pesado e têm enorme capacidade de destruição em pouco tempo. A recuperação das áreas degradadas, no entanto, pode levar até 60 anos”, lamentou.
O professor defende que a verdadeira riqueza do país está na superfície, na biodiversidade. Ele acrescenta que é preciso proteger os estoques de carbono e investir em pesquisa para descobrir novos usos para as espécies nativas, mantendo a floresta em pé.