Matéria atualizada dia 11 de abril, às 11h30, com posição do Governo do Estado do RS.
Ainda estava escuro, quando 400 famílias entraram na madrugada desta quinta-feira (10) em uma área de 1,7 mil hectares da CEEE Transmissão, na cidade de Triunfo (RS). A área servia para plantação e tratamento de eucalipto para os postes. A Brigada Militar já está no local.
Segundo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a área está abandonada e sem cumprir sua função social. “As estruturas dos prédios e galpão estão degradadas e houve roubo de transformadores e fios de cobre”, destacam.

O acampado em Tupanciretã e integrante da direção estadual do MST Marlon Rodrigues afirma que após um ano das enchentes ainda não houve retorno do governo do estado sobre o reassentamento das famílias que tiveram suas casas e lavouras alagadas em Eldorado do Sul. “Também estamos aguardando do governo federal as soluções para o assentamento das famílias que estão há mais de 10 anos acampadas no RS.” Estão cadastradas no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra/RS) 1.604 famílias que aguardam por assentamento.

“Nós temos projeto de recuperação dessa área, através da agroecologia, que vai muito além da plantação de eucaliptos e criação de gado clandestino. E nossos assentamentos da região metropolitana são exemplos da nossa capacidade de produção agroecológica”, afirma.
Hoje o MST está com cinco acampamentos montados no estado, em Passo Fundo, Charqueadas, Tupanciretã, Hulha Negra e Encruzilhada do Sul.
MST é recebido pelo governo do estado
Em audiência na noite desta quinta-feira (10), após a desocupação da área no final da manhã, o governo do estado informou que a antiga Usina de Beneficiamento de Postes e Horto Florestal Renner da CEEE-D, em Triunfo, é uma área avaliada para se tornar um assentamento.
Segundo a secretária de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG), Danielle Calazans, isso só não foi possível porque existe um laudo técnico da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) atestando contaminação no solo e água subterrânea, mas que irá solicitar um novo laudo.
O laudo de 2020 afirma que investigações ambientais realizadas a partir de 2004, prestaram contas de contaminação no solo e água subterrânea, além de tonéis com resíduos perigosos enterrados. “No passado, a área já sofreu intervenção, com remoção de resíduos e solo contaminado em 10 áreas consideradas as fontes ativas primárias de contaminação, sendo eles encaminhados para incineração, aterro industrial ou siderurgia, conforme sua tipologia. A área vem sendo semestralmente monitorada desde então, tendo sido solicitada pela Fepam a realização de Investigação Ambiental Detalhada na área central da usina, no entorno do poço cacimba e junto à área do aterro de resíduos no talhão 05, do horto florestal.”
O espaço foi utilizado no passado no beneficiamento de postes, operada pela CEEE no período compreendido entre os anos de 1960 e 1997, com uso de produtos químicos para a preservação de postes e produtos derivados de madeira. Entre os anos de 1998 e 2005 a unidade foi operada pela AES Sul Florestal, permanecendo fechada após este período, sendo a posse da área devolvida, por decisão judicial, para a CEEE no ano de 2006.

A secretária também se comprometeu em buscar novas possibilidades de áreas no estado e a chamar uma nova reunião até final do mês. Também participaram da reunião o secretário-adjunto da pasta, Bruno Silveira, e o secretário de Habitação e Regularização Fundiária, Carlos Gomes. Além dos deputados estaduais, Adão Pretto Filho (PT) e Matheus Gomes (Psol), que acompanharam a negociação com a Polícia de Choque da Brigada Militar durante toda a manhã.
Adão Pretto Filho, que é presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, ressaltou ainda para os representantes do governo do estado a ação ostensiva da Brigada Militar durante ocupação do MST, em Triunfo, nesta quinta-feira (10).
“A ocupação foi ordeira, sem violência. E o que o governo do estado faz? Envia batalhão de choque. Estamos falando de famílias inteiras, com mulheres e crianças, em uma manifestação ordeira. A presença da tropa de choque só deixa o ambiente hostil, quando o que se busca é diálogo e solução para essas famílias. É um aparato desproporcional. Na condição de presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia, e de parlamentar que defende o MST, eu repudio a postura do governo do estado”, afirmou Pretto.
Na avaliação da direção do MST, a negociação não avançou desde que foi conversado com o governo do estado no ano passado, após a enchente, para o reassentamento de famílias de Eldorado do Sul e a criação de novos assentamentos. Além disso, foi repudiada a ação ostensiva da Polícia de Choque na desocupação da área pela manhã.
Incra tem cadastradas 1.447 famílias em seis acampamentos
Em nota, o Incra-RS informa que seu cadastro computava, em março deste ano, 1.447 famílias em seis acampamentos. “A autarquia está consolidando dados de ações de recadastramento realizadas em abril em dois acampamentos, com a inclusão de novas famílias e a exclusão de ausentes, com indicativo de redução do número geral”, acrescentou.
O instituto destacou que, além de áreas ofertadas e avaliadas, que aguardam disponibilidade orçamentária, tem feito a gestão para incorporação de áreas não onerosas. “Recentemente (7/3), o governo federal desapropriou um imóvel rural de 125 hectares em Cruz Alta, onde já vivem 12 famílias, para incorporação ao Programa Nacional de Reforma Agrária. O Incra/RS aguarda imissão na posse para criação do assentamento.”
Ocupar, para o Brasil alimentar

Com o lema “Ocupar, para o Brasil alimentar”, desde o dia 1º de abril já foram realizadas 23 ações em 10 estados. Foram mobilizadas cerca de 10 mil famílias que pedem o direito à reforma agrária e fomento para a produção da agricultura familiar.
As ações de protesto e ocupações de latifundiário ocorreram nos estados do Pará, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Goiás, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Mato Grosso.
A Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária segue em curso no mês de abril, até o próximo dia 17, Dia Internacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária, que marca os 29 anos do Massacre de Eldorado do Carajás. Crime executado pela Polícia Militar a mando do fazendeiro Ricardo Marcondes de Oliveira, deixando 21 trabalhadores Sem Terra assassinados e 69 pessoas mutiladas, durante uma marcha na BR-155, no Pará.
O lema da jornada deste ano remete a alta no preço dos alimentos. Segundo o MST, esta alta afeta, principalmente, a população mais pobre, que destina uma parte maior do que os ricos para alimentação. “Em março, o tomate subiu 12,57%, a melancia 15,08%, o ovo de galinha 19,44% e o café moído 8,53%. Mesmo o Brasil sendo o grande produtor de soja e boi, o óleo subiu 29,2% e a carne 20,8%”, afirma o movimento.
O MST avalia que as medidas adotadas pelo governo federal para tentar conter a alta, como medidas ligadas à isenção de impostos para importação e aumento do valor do Plano Safra para o agronegócio, são insuficientes, pois não atacam a raiz do problema.
“O campo brasileiro está controlado pelo agronegócio, cujo objetivo é o lucro por meio da venda de commodities. Esta alta dos preços não é passageira, mas apresenta uma tendência de crescimento. Entre 2012 e 2024, as frutas subiram 299%, hortaliças e verduras 246%, cereais, legumes e oleaginosas 217%, e tubérculos, raízes e legumes 188%. Este é um cenário que permanecerá enquanto o agronegócio for o modelo hegemônico no campo brasileiro.”
Movimento aponta medidas para a crise do preço dos alimentos

Na visão do MST, a saída para a crise do preço dos alimentos passa por medidas estruturais, de médio e longo prazo, que ataquem a origem do problema. “Por isso, a Reforma Agrária Popular é uma política necessária e urgente para reverter este cenário.”
O movimento defende que o governo invista massivamente na produção da agricultura camponesa, responsável pela produção da maioria dos itens que chegam à mesa do povo brasileiro. “É o investimento nesta agricultura que poderá assegurar preços baixos. Em especial, ampliar significativamente os investimentos no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e no Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).”
Além disso, o MST acredita que o governo também deve assegurar a ampliação da área da agricultura camponesa destinada à produção de alimentos. “Novas áreas de assentamentos, por exemplo, são essenciais para garantir o aumento do alimento produzido que chega à mesa das famílias.”
Outra proposta é que o governo deve restabelecer a política de formação de estoque de alimentos. “Esta medida é fundamental, principalmente, para a população mais pobre, em especial aquelas atendidas por programas sociais.”
Segundo o movimento, as ocupações denunciam este cenário no qual o agronegócio lucra com a fome e a pobreza do povo brasileiro. Os sem-terra reafirmam que a Reforma Agrária Popular deve ser encarada como uma política urgente e necessária para combater essa mazela e desenvolver um campo voltado, efetivamente, à produção de alimentos saudáveis.
