A construção da Escola de Sargentos do Exército dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Aldeia-Beberibe, no Grande Recife, é um escândalo anunciado. Trata-se de um crime ambiental em plena Mata Atlântica, prevendo a destruição de aproximadamente 200 mil árvores em uma das regiões mais estratégicas para a preservação ambiental e comprometendo o abastecimento de água para cerca de um milhão de pernambucanos. É um ataque direto à biodiversidade, aos mananciais e à inteligência da população.
Mais do que devastar a flora, o projeto ameaça a fauna já fragilizada e compromete as nascentes do rio Catucá, único rio que alimenta a barragem de Botafogo. Em vez de zelar pela segurança hídrica, o Exército avança com uma obra megalomaníaca, orçada em R$ 1,8 bilhão, incluindo 576 apartamentos para oficiais e sargentos — tudo bancado com dinheiro público, enquanto falta verba até para o almoço das tropas. É cinismo social, descaso ambiental e um deboche com a sociedade.
É inadmissível que o ministro da Defesa, o pernambucano José Múcio Monteiro, esteja à frente de uma ação tão desastrosa para o seu próprio estado. Enquanto seu primo, o empresário Eduardo Queiroz Monteiro, do Grupo EQM, mantém mais de 11 mil hectares de Mata Atlântica preservados, Múcio se torna um símbolo do negacionismo climático, patrocinando a destruição de uma das áreas mais sensíveis do território pernambucano.
A omissão — ou conivência — do governo de Pernambuco também merece repúdio. A governadora Raquel Lyra utilizou a máquina pública e a Agência Estadual de Meio Ambiente (CRPH) para pedir a derrubada da decisão da juíza da comarca de São Lourenço da Mata, que proibia obras públicas e privadas nos corredores ecológicos. E o presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), o desembargador Ricardo Paes Barreto, atendeu ao pedido em decisão monocrática, escancarando o caminho para o desmatamento em larga escala.
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Não há justificativa plausível para instalar uma escola militar em cima de nascentes, desrespeitando decretos estaduais que protegem corredores ecológicos. O que deveria ser um espaço de formação cidadã se converte em um exemplo desastroso de desprezo pelo meio ambiente. Que lição se pretende dar aos jovens? Que destruir florestas e comprometer o futuro do planeta é aceitável?
Enquanto fazem discursos vazios sobre sustentabilidade, o que se vê é a prática da destruição acelerada. A realidade é trágica: o termômetro sobe, os oceanos se aquecem, os aquíferos secam — e ainda ouvimos falar em “compensação ambiental”, como se isso justificasse a devastação. É uma grande mentira, um engodo que mascara as várias alternativas locacionais existentes para o projeto e estudadas pelo Fórum Socioambiental de Aldeia.
A sociedade civil precisa reagir. O Ministério Público Federal, o Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério Público de Pernambuco (MPPE), os órgãos de fiscalização e controle devem agir com firmeza. Os responsáveis por essa atrocidade ambiental precisam ser responsabilizados. Não podemos aceitar que interesses militares se sobreponham ao direito coletivo à água, à floresta e à vida.
A crise climática não pode ser empurrada para nossos filhos e netos. A Mata Atlântica é dos brasileiros. E a luta pela sua preservação é agora — ou não haverá depois.
*Milton Tenório é profissional liberal, ativista ambiental e morador de Aldeia.
**Os artigos de opinião não necessariamente representam a posição editorial do Brasil de Fato.