A greve dos municipários de Porto Alegre continua. As manifestações de quarta-feira (9) começaram cedo. Servidores e servidoras municipais se concentraram novamente em frente à prefeitura. Posteriormente seguiram até a Praça do Tambor, em frente ao Armazém do Cais, onde acontece o South Summit, evento voltado à inovação e empreendedorismo, alvo de críticas por parte do funcionalismo.
Os manifestantes chegaram a ser cercados pela tropa de choque da Brigada Militar e por agentes da Guarda Municipal para evitar manifestações. O objetivo da mobilização no local foi denunciar o desmonte dos serviços públicos em Porto Alegre (RS) e reafirmar o papel fundamental da categoria na construção de políticas públicas inovadoras nas últimas décadas.
O diretor geral do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), João Ezequiel, criticou a atual gestão municipal. Segundo ele, o governo de Sebastião Melo segue uma política de ataque ao funcionalismo e de arrocho salarial.
“O governo Melo está nos devendo 33,4% de reposição. Somente em sua gestão já são 11,29%, e ele quer empurrar a reposição de 2025 também. Ou seja, nos levar a três anos sem reposição. Enquanto isso, os salários do prefeito e secretários tiveram aumento de 62% a partir de janeiro de 2025″, denunciou Ezequiel.

O diretor também destacou a criação de funções gratificadas (FGs) para cargos comissionados (CCs), enquanto os servidores de carreira seguem sem qualquer reajuste. Segundo ele, mesmo a proposta verbalizada recentemente pela prefeitura, de 4,83% de reposição, foi apresentada sem qualquer cronograma de pagamento.
“Não houve proposta por escrito. Levamos essa verbalização para a assembleia geral, e a categoria rechaçou. Na verdade, nem houve votação, porque não havia proposta formal. A decisão foi seguir com a greve“, explicou.

Presente no ato, a vereadora Karen Santos (Psol) também comentou sobre a tentativa de negociação com o Executivo. “Não dá nem para dizer que foi uma negociação, foi um deboche com os servidores, que é a reposição de 4,83% podendo chegar até abril de 2026. É um desrespeito muito grande. Ana Pellini, secretária da Fazenda, estava junto conosco nessa negociação e disse que não tem recursos em caixa.”
Em resposta a isso, prossegue a vereadora, foi colocada a proposta de votar projetos que tragam mais arrecadação para o município, mas que dialoguem com a necessidade de ter uma justiça tributária. “A gente sabe que é uma cidade que vem diminuindo a sua população. Que a gente consiga ter justiça tributária e a partir disso a Capital arrecade mais para fazer o pagamento em dia dos servidores.”
Tentativa de repressão à manifestação
O dirigente sindical também relatou que, pela manhã, a Tropa de Choque da Brigada Militar tentou impedir que os municipários se deslocassem da Secretaria Municipal de Administração e Patrimônio (Smap), na sede da prefeitura nova, até o local do South Summit.
“Disseram que não poderíamos sair dali, mas a manifestação é um direito constitucional. Os municipários sempre se manifestam de forma pacífica, com cantorias, palavras de ordem”, relatou.
Por fim, Ezequiel reforçou que a luta dos municipários não é apenas por salário, mas pela defesa da cidade como um espaço de direitos e cidadania. “O prefeito Melo precisa nos receber e apresentar uma proposta concreta. Não estamos só discutindo o funcionalismo. Estamos discutindo o futuro da cidade.”

Também presente na manifestação, a deputada estadual Sofia Cavedon (PT) contou que ingressou no serviço público em 1985, por concurso, e destacou, por experiência, o protagonismo dos trabalhadores municipais na consolidação da redemocratização do país.
“Essa categoria inovou na gestão do lixo urbano, com a criação de galpões, reciclagem e coleta seletiva, na preservação ambiental, chegando a tornar Porto Alegre a cidade mais arborizada do Brasil. Mas, principalmente, na educação, com a implementação da escola cidadã, que rompeu com o modelo excludente e militarizado. Espalhamos a educação cidadã por toda a cidade e implementamos a educação infantil como política pública”, afirmou Cavedon.

Críticas à precarização e à terceirização
Segundo a deputada, as inovações se estenderam ao transporte público, com a consolidação da Carris como a empresa mais bem avaliada do país e a criação de eixos transversais, focando no transporte coletivo eficiente e sustentável. A aposta atual no transporte individual, segundo ela, contribui para o colapso da mobilidade urbana.
A área da saúde também foi lembrada, com a ampliação dos postos e equipes de saúde da família e o fortalecimento do atendimento preventivo. Outro destaque foi a criação e a manutenção do Instituto de Previdência dos Servidores (Previmpa), considerado hoje uma das bases das finanças públicas da cidade devido à sua gestão responsável.

Cavedon também denunciou que os sucessivos governos de direita, no comando da cidade há cerca de 20 anos, vêm fragilizando o serviço público com políticas de terceirização e sucateamento, especialmente no Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae) e no Departamento Municipal de Habitação (Demhab). Ela mencionou que hoje há cerca de 57 mil contas de água suspensas por falta de estrutura para atendimento adequado à população.
Ao comentar sobre os 100 primeiros dias da gestão municipal, Karen Santos também critica as terceirizações. “Essa lógica da terceirização e da contratualização obriga muitas vezes esses trabalhadores que têm esses contratos com a prefeitura a se submeter, a fazer a manutenção dos seus empregos e acabam votando no governo atual.”
A parlamentar também chamou atenção para a mobilidade urbana e a precarização no transporte público. “A gente sabe que está cada vez mais difícil empreender, trabalhar, se deslocar nessa cidade, um transporte precário, caro e que não tem responsabilidade com a mobilidade urbana, com a sociedade.”
Para ela, a oposição tem um projeto de cidade como alternativa, de que é possível ter emprego, dignidade, direitos respeitados.
Servidores reclamam de descaso
A professora Nicole Santos Ferreira, que ingressou recentemente na rede municipal de ensino, compartilhou sua indignação com a falta de estrutura nas escolas e com a política salarial da prefeitura.
“Eu sou solteira, não tenho filhos, e já é apertado. Imagina quem tem filhos e precisa sustentar uma casa sozinha. É uma mentira atrás da outra. O prefeito diz que está negociando, mas não apresenta propostas concretas. É um descaso”, desabafou.

Ferreira também denunciou as condições precárias de trabalho nas escolas municipais. “Na minha escola, que é de madeira, chega a fazer 38 graus. Só três salas têm ar-condicionado. O restante não tem nenhuma estrutura. Não há condições dignas de trabalho.”
Para ela, estar na rua neste momento, em frente ao South Summit, é uma forma de desmascarar a propaganda oficial. “Esse evento acontece num local que foi recentemente alagado. A cidade que o prefeito quer vender como modelo de inovação é, na verdade, uma mentira. Estamos aqui para mostrar que essa cidade perfeita que ele apresenta não existe.”

A recicladora Sheila Gonçalves foi ao ato juntamente com a filha, residente no Quilombo de Ouro, no bairro Lomba do Pinheiro. A recicladora disse ser muito importante estar nas ruas para denunciar tudo que está errado. “Temos que botar a boca no trombone e falar de tudo que está errado.”
A filha dela, Janara Gonçalves, 18 anos, estudante do período noturno faz coro com a mãe acerca da importância da mobilização. “Estamos sem ônibus para andar, a cidade está precária, estou desde o início sem ir às aulas pela falta de professor.” Ela espera que por meio da mobilização, o governo ouça e que a situação melhore.
Posicionamento da prefeitura de Porto Alegre
Em nota oficial encaminhada ao Brasil de Fato RS, a Prefeitura Municipal de Porto Alegre informa que deu continuidade à rodada de negociações com a comissão que representa o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa). De acordo com o Executivo, em reunião na manhã de terça-feira (8), a prefeitura sinalizou a reposição da inflação referente a 2024, tanto para os salários dos servidores quanto para o vale-alimentação. O valor será pago conforme cronograma a ser definido.
De acordo com o comunicado, nos próximos dias, o prefeito Sebastião Melo receberá os representantes da categoria para dar seguimento ao diálogo. “Ao longo das últimas semanas, o governo municipal participou de cinco reuniões com a diretoria do sindicato e reafirmou o compromisso com a transparência, a responsabilidade fiscal e a busca de soluções responsáveis, considerando as limitações orçamentárias enfrentadas pelo Município decorrentes da enchente de maio de 2024”, expõe.
Na avaliação da administração municipal, os índices da defasagem inflacionária apresentados pelo sindicato não correspondem ao período da atual gestão. Conforme informa a nota, entre 2022 e 2023, o Executivo concedeu um reajuste salarial de 15,85% e aumentou em 35% o vale-alimentação. Em 2021, durante a pandemia, a concessão de reajustes foi impossibilitada pela Lei Federal 173/2020. Em 2024, a prefeitura repôs em 4,62% o vale-alimentação.
“Além disso, a prefeitura propôs recentemente um complemento remuneratório para os servidores que recebem até um salário mínimo básico, com pagamento retroativo a janeiro de 2024. O projeto de lei que viabiliza essa medida já está em tramitação na Câmara Municipal de Vereadores.”
Em relação aos servidores que aderiram à paralisação a partir de terça-feira, 1º de abril, todas as secretarias foram orientadas a cortar o ponto daqueles que se ausentaram nestes dias, em consonância com entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF).
