Quando a gente fala em “lua de mel” a imagem que salta é a de parceiros apaixonados, embarcando numa viagem para comemorar e marcar a nova vida de casados. Algo que em nada parece com o aterrorizante e violento ritual que mulheres viviam no início desse tipo de tradição.
A primeira explicação para a origem desse rito data de duzentos anos depois de Cristo, conta o editor científico da Newsweek, Charles Panati, em seu livro. No Norte da Europa, era comum que os homens se casassem com as mulheres de sua própria comunidade. Mas isso nem sempre era possível, e quando o número de mulheres disponíveis para serem desposadas era inferior ao número de homens, muitos deles ficavam sem uma parceira da própria comunidade Nesse caso, eles saiam atrás de mulheres de outros povoados, que eram raptadas para serem suas esposas.
Essas vítimas eram mantidas em esconderijos nas montanhas por vários dias – que eram contados pelas fases da lua (a duração de cada etapa é de 7 dias em média). Elas só eram liberadas quando já tinha passado tempo suficiente para os familiares interromperem as buscas. Ou quando elas engravidavam, o que era considerado motivo para não anular o “casamento”.
Pensando nessa gestação, o casal ingeria hidromel, uma bebida que era conhecida pelo seu poder afrodisíaco e fertilizante. A junção do isolamento com base no ciclo lunar e o hidromel teriam inspirado o que a gente chama hoje de lua de mel.
Padrinho, o antigo comparsa
Mas esse homem não agia sozinho. Charles Panati conta em seu livro que o papel do padrinho também vem dessa época. “Como havia a ameaça real da família da noiva tentar forçosamente obter seu retorno, o padrinho ficava ao lado do noivo durante toda a cerimônia de casamento, alerta e armado.” Ele também podia servir como sentinela do lado de fora da casa dos recém-casados.
Charles diz que embora esses acontecimentos possam ser vistos como folclore, há uma documentação escrita e artefatos físicos que atestam sua veracidade. Ele dá como exemplo os altares das igrejas de muitos povos antigos – incluindo os hunos, os godos, os visigodos e os vândalos. Sob eles havia um arsenal de porretes, facas e lanças.
A posição da noiva no altar, mantida até hoje, também foi inspirada na estratégia de luta dessa época. Entre os bárbaros do Norte da Europa (assim nomeada pelos romanos), o noivo colocava a mulher sequestrada ao seu lado esquerdo, porque assim ele ficava com a mão direita livre para atacar com a espada, caso tentassem resgatá-la.
Durante os séculos XVI e XVII, escritores e poetas britânicos começaram a usar esses registros em suas poesias. O que ajudou a popularizar o termo. Eles diziam que a vida conjugal começava nova, como a primeira fase da lua, então crescia e minguava. Nos séculos seguintes, essa ideia de se isolar depois do casamento começa a pegar em outros países. É o que acontece no Brasil.
O termo “lua de mel” aparece pela primeira vez no dicionário inglês-latim, de Richard Huloet, em 1552. O costume é batizado junto com a explicação de que os meses seguintes à vida de casado não seriam tão doces quanto o primeiro – seguindo o mesmo ritmo das fases da lua: nova, crescente, cheia e, por fim, minguante.
Pelo mundo
Ao longo dos anos, os preparativos para a lua de mel também começam a ganhar novas ideias e se espalhar pelo mundo. No Brasil, por exemplo, em meados de 1930 surgem os primeiros manuais de casamento. Eles dizem que o grande objetivo da mulher é conseguir um marido e ensinam como fazer isso.
“Elas precisam ser castas, puras, levar uma coleção de camisolas e chegar na primeira noite de núpcias, dominando seu nojo [de sexo] e ceder amavelmente”, explica a historiadora Mary Del Priore, autora do livro Histórias Intimas, em sua participação no programa Café Filosófico.
Muito do que era recomendado estava ligado a uma obsessão da medicina da época em perseguir o prazer feminino. Se dizia que o sexo era só pra reprodução, então o orgasmo era completamente desnecessário. Não saber sobre o próprio prazer, nem conhecer o próprio corpo, era altamente recomendável.
A lua de mel, então, seria a primeira experiência sexual delas. E seria, provavelmente, com um homem que já transava nos bordéis, mas que tinha aprendido que sexo com a esposa era para ser rápido e fazer filho. Dentro do quarto, era esperado que os homens ensinassem às mulheres o que elas tinham que fazer.
Por todo esse contexto, a lua de mel parecia assustadora para muitas mulheres. E era nesse momento que ela revelava o seu verdadeiro propósito, que era afastar a mulher de sua família. O que evitava que ela saísse correndo no meio da noite querendo voltar para casa dos pais.
Problema superado?
Ao longo do século XX a ideia do casamento mudou. O amor e o desejo dos casais passou a ocupar o espaço do que antes era principalmente de aliança entre famílias. Mas a lógica que deu origem a esse ritual, não pode ser considerada como um problema resolvido. “Ainda se espera em vários lugares do Brasil que as mulheres sejam ignorantes em relação ao sexo”, diz Caroline Freitas, doutora em antropologia social.
Expectativas direcionadas que devem ser correspondidas até que o casamento aconteça. Depois, as pressões são para elas adotarem uma performance para satisfazer não a si, mas ao parceiro. “Depois de puras, elas tem que ser leoas do sexo e se não viram, elas são [apontadas como] culpadas da violência que é o cara enganá-las e a cidade inteira saber”, complementa.
Para Caroline Freitas é preciso falar de violência contra a mulher, trazendo para o debate os principais responsáveis por esse crime ainda existir. “Ela [violência contra as mulheres] vai tá sempre a espreita, a medida em que a sociedade, como um todo, não enfrenta e não discute o que é ser homem.”
Esse movimento, segundo ela, passa também por um olhar cuidadoso para a infância. Já que estudos feitos no mundo todo apontam que meninas da geração Z tendem a ser mais progressistas e meninos mais conservadores. Para ela, é preciso colocar o comportamento deles em discussão. “Do mesmo modo que entendo que não se avança na luta contra o racismo, se não falamos de branquitude”, finaliza.
Artigo original publicado em AzMina.