Na tarde de quarta-feira (9), um grupo de jornalistas realizou protesto na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) pedindo uma solução para a situação trabalhista na empresa de comunicação Diario de Pernambuco. Funcionários e ex-funcionários alegam sofrer há nove anos com seguidos atrasos salariais, falta de pagamento de verbas rescisórias e de depósito do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), não recolhimento do INSS, pejotização e jornadas de trabalho exaustivas.
Entre funcionários e ex-funcionários, mais de 400 jornalistas e suas famílias sofrem com débitos em aberto, segundo levantamento do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco (Sinjope). Estes casos renderam contra o Diario mais de 300 processos – hoje em fase de execução no Tribunal Regional do Trabalho (TRT-6). Os valores a serem pagos, segundo o Sinjope, variam entre R$ 4 mil e R$ 1 milhão, somando mais de R$ 32 milhões em dívidas com os trabalhadores.
Novos processos continuam surgindo. Um deles é encabeçado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que ajuizou uma ação contra o jornal cobrando dívidas que a instituição possui com trabalhadores ativos e demitidos. Em outubro de 2022, há dois anos e meio, a 10ª Vara do Trabalho do Recife ordenou que as dívidas fossem quitadas, mas nada aconteceu. A ordem se repetiu em outubro de 2024. Os jornalistas lembram que o Diario tem milhões de reais em imóveis cuja venda não afetaria o funcionamento do jornal.
A manifestação dos jornalistas na Alepe foi endossada por alguns deputados, como João Paulo (PT). “Existem funcionários na ativa com até dois anos e meio de salários atrasados, recebendo pagamentos parcelados e irregulares. Trabalhadores que dedicaram parte significativa das suas vidas a uma instituição tão importante como o Diario de Pernambuco”, discursou o ex-prefeito do Recife.
O petista classificou a situação como “inadmissível”. “Precisamos agir de maneira firme para assegurar os direitos desses profissionais, proteger a dignidade do trabalho jornalístico e para preservar a história bicentenária de um veículo tão significativo para o estado e para o Brasil”, discursou João Paulo. Em novembro, o Diario de Pernambuco, jornal mais antigo em circulação na América Latina, completará 200 anos. “Pois deve honrar a sua história honrando os direitos dos jornalistas”, sugeriu o deputado.
Outros parlamentares também se solidarizaram com a categoria, que tinha dezenas de representantes nas galerias da Alepe. “Ao parabenizar os 200 anos do jornal mais antigo de Pernambuco, ressaltemos também a importância dessas pessoas que, com suas mãos e ideias, constroem cotidianamente esse veículo”, aparteou Dani Portela (Psol). “Se a gente tem democracia hoje, devemos também à coragem e força dos jornalistas”, afirmou Doriel Barros (PT).
Já Gilmar Júnior (PV) pediu celeridade ao Judiciário e iniciativa aos empresários responsáveis pelo Diario. “A decisão já está tomada lá na Justiça e a gente não vê avançar. Isso é um descaso com o trabalhador. A instituição tem patrimônio para vender, então que venda e pague o que está devendo”, cobrou.
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“Nosso papel é não se acovardar”, diz presidente do Sindicato de Jornalistas sobre agressões
Jailson da Paz, presidente do Sinjope, resume a situação como “um verdadeiro pesadelo”. “Enquanto isso, o jornal continua funcionando com vários PJs”, completa ele, que foi funcionário do Diario. “Nós sempre estamos nos bastidores da notícia, mas agora a gente quer que a sociedade saiba que os jornalistas do Diario de Pernambuco, que construíram e botaram o jornal na rua todos os dias, estão sem receber seus salários, rescisões e indenizações”, diz Cláudia Elói, ex-funcionária do jornal.
Nove anos de sucateamento
Segundo os jornalistas, os atrasos começaram em novembro de 2016, meses após o Grupo R2, dos irmãos Alexandre e Maurício Rands, adquirirem a empresa. O jornal também teria parado de honrar com os depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e os recolhimentos para o Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS). As demissões vieram em seguida e, ao reclamarem suas verbas rescisórias, teriam ouvido como resposta: “Coloquem na Justiça”.
Após três anos, os Rands venderam o Diario de Pernambuco para o advogado Carlos Frederico Vital, mas os trabalhadores dizem que a situação não melhorou. A principal mudança, segundo relatos, foi a demissão dos trabalhadores de carteira assinada (CLT), substituídos por trabalhadores contratados como pessoa jurídica (PJ). “E eles são obrigados a trabalhar presencialmente todos os dias, com plantões aos fins de semana e feriados – tudo isso sem direito a férias, 13º ou qualquer benefício”, conta Jailson da Paz, presidente do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco (Sinjope).
Segundo o sindicato, na atual gestão alguns jornalistas fizeram acordos temporários de redução de seus salários e gratificações para que o jornal ao menos efetuasse o pagamento em dia, o que não aconteceu. As denúncias alegam ainda que os remanescentes com contratos no formato CLT já contabilizam um ano e meio de salários atrasados, além de INSS e FGTS. O sindicato dos Jornalistas tem recebido relatos de falências pessoais, endividamento, dificuldades para suprir necessidades básicas, além de problemas de saúde mental e física.
Patrimônio
Os trabalhadores mencionam como alternativas viáveis para quitar as dívidas as vendas do parque gráfico desativado do Diario na avenida Cruz Cabugá, região central do Recife; e o clube que o jornal possui na Estrada do Arraial, bairro do Parnamirim, um dos metros quadrados mais valorizados do Recife. Estes imóveis não têm qualquer funcionalidade para a operação do jornal. Desde novembro de 2024, após dois pedidos por um plano especial de pagamento, o TRT-6 transferiu a execução dos processos para o setor de pesquisa patrimonial do tribunal.
O Diario de Pernambuco possui, além do jornal impresso, as rádios Clube AM e FM. A empresa pertence aos grupos Diario de Pernambuco (detentor de 78%) e Diários Associados (22%). Os Associados também são detentores do Correio Braziliense, do Estado de Minas e outros jornais impressos, além de sites e emissoras de TV e rádios. Em 2008 o seu faturamento era superior aos R$ 500 milhões ao ano. Já o dono do Grupo Diario de Pernambuco é o advogado cível Carlos Frederico Vital.
O Brasil de Fato entrou em contato com o Diario de Pernambuco e com o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT-6), buscando posicionamentos sobre as questões relatadas nesta matéria. Até o momento, nenhuma das instituições nos respondeu. Tão logo o façam, será acrescentado ao texto.
