Palco esta semana de um dos principais conflitos políticos de 2025 por conta da decisão de cassar o psolista Glauber Braga (RJ), o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados se debruçou sobre diferentes processos de perda de mandato nos últimos anos, assumindo em cada um deles posturas distintas. Entre os parlamentares que estiveram no alvo desse tipo de procedimento estão a ex-deputada Flordelis (PSD-RJ), cujo processo foi votado pelo plenário da Casa em agosto de 2021, e Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), que teve a perda do mandato avalizada pelo colegiado em agosto do ano passado e ainda aguarda decisão final do plenário.
Um levantamento publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo em abril de 2021 mostrou que, nas duas décadas anteriores, o Conselho de Ética recebeu pedidos de cassação de 148 parlamentares, mas recomendou a perda de mandato de apenas 22 deles, um percentual de menos de 15% do montante. Destes últimos, oito tiveram a cassação chancelada pelo plenário da Casa. Em linhas gerais, tais processos envolveram acusações de tentativa de extorsão, corrupção, peculato, mentiras durante depoimento prestado em Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), entre outras alegações.
O caso mais proeminente entre os que ocorreram desde o período do impeachment de Dilma Rousseff (PT) foi o do deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), que presidiu a Câmara entre 2015 e maio de 2016, quando foi afastado do exercício do mandato parlamentar e, consequentemente, da presidência da Casa pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão da Corte veio após pedido formalizado pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

O órgão argumentou que o emedebista usava o cargo para “constranger, intimidar parlamentares, réus, colaboradores, advogados e agentes públicos, com o objetivo de embaraçar e retardar investigações”. Um pouco mais tarde, em setembro de 2016, já enfraquecido politicamente, Cunha foi cassado pelo plenário da Câmara por 450 votos a dez. O político carioca foi acusado de ter mentido em depoimento prestado à CPI da Petrobras, em maio de 2015, quando disse não ter contas no exterior.
Flordelis
Acusada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) de ser a mandante do assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo, executado com mais de 30 tiros em junho de 2019, em Niterói (RJ), a deputada, pastora e cantora gospel Flordelis (PSD-RJ) teve a cassação aprovada pelo Conselho de Ética em junho de 2021. Na ocasião, o placar ficou em 16 votos a um. Depois, em agosto do mesmo ano, o processo chegou a plenário e, momentos antes da apreciação do texto, teve o rito de votação alterado por parte do então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O pepista anunciou que o plenário não mais votaria o relatório do colegiado, e sim um projeto de resolução sobre o caso.
“Quem pode mais pode menos, ou seja, quem pode cassar pode suspender mandato e também pode absolver”, disse o pepista aos pares. Na prática, a manobra abriria uma janela de oportunidade para eventual flexibilização das penalidades a serem impostas à deputada pelo fato de que o novo formato de texto permite a apresentação de emendas, ou seja, sugestão de alteração ao texto, desde que haja a assinatura de 103 deputados ou líderes partidários cuja representatividade some esse montante.

Apesar disso, não foram protocoladas emendas, e o pedido de perda de mandato da parlamentar recebeu sinal verde do plenário por 437 votos favoráveis, sete contrários e 12 abstenções. Condenada pela Justiça a 50 anos de prisão, a ex-deputada hoje cumpre pena na Penitenciária Talavera Bruce, em Bangu, zona Oeste do Rio de Janeiro.
Daniel Silveira
Também teve realce, no histórico recente do Conselho de Ética da Câmara, o caso do bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ). Em fevereiro de 2021, ele foi preso a mando do STF, no âmbito do inquérito sobre atos antidemocráticos, por conta da veiculação de um vídeo em que fez apologia ao Ato Institucional nº 5 (AI-5), instrumento de repressão da ditadura militar, e pregou a destituição de ministros do Supremo. A manutenção da prisão foi aprovada pelo plenário da Câmara dias depois, por um placar de 364 votos a favor e 130 contrários.
Paralelamente, Silveira se tornou alvo de diferentes denúncias no Conselho de Ética por conta da conduta antidemocrática. Em julho de 2021, o colegiado aprovou, por 12 votos a oito, uma recomendação de suspensão de seis meses do mandato do bolsonarista. A decisão não chegou a ser apreciada pelo plenário da Câmara. Entre 2021 e 2024, o deputado viveu diferentes sobressaltos com a Justiça e foi preso quatro vezes. Em abril de 2022, foi condenado pelo STF à perda do mandato e dos direitos políticos, acumulando uma pena de prisão com duração de oito anos e nove meses, motivo pelo qual hoje é considerado ex-deputado. Aliado de primeira hora do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Silveira atualmente está preso no Rio de Janeiro, em regime semiaberto.
Márcio Jerry
O deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA) virou alvo de representação no Conselho de Ética em maio de 2023 por ter protagonizado uma situação controversa em que bateu boca com a bolsonarista Julia Zanatta (PL-SC) durante discussão na Comissão de Segurança Pública da Câmara. Na ocasião, ele encostou na deputada e falou no seu ouvido, motivo pelo qual foi acusado de violência de gênero e consequente quebra de decoro. A denúncia ao colegiado foi apresentada pelo Partido Liberal (PL), sigla de Bolsonaro, que pediu a cassação de Jerry. Ao debater o caso, o deputado maranhense chegou a pedir desculpas à colega, e o Conselho de Ética arquivou o processo por dez votos a cinco.
Da Cunha
O deputado federal Delegado da Cunha (PP-SP) entrou na rota do Conselho de Ética em abril de 2024, quando recebeu uma representação por parte do Psol. A sigla o acusou de quebra de decoro após ele se tornar réu por um ato de violência doméstica supostamente cometido em outubro de 2023. A denúncia do partido veio à tona após a divulgação de uma reportagem que tratava de agressões à ex-companheira do pepista, Betina Grusieck. Ao prestar depoimento à polícia, ela afirmou que Da Cunha teria tentado sufocá-la e que, para se defender, ela teria batido com um secador na cabeça do deputado. O Ministério Público se debruçou sobre o caso e concluiu que Betina agiu em legítima defesa.

Em versão apresentada à polícia, o deputado paulista alegou que a ex-companheira é lutadora profissional de muay thai, que o teria provocado e que ele agiu “com o fim de se proteger”. Ao apreciar o caso no Conselho de Ética, o relator do processo, deputado Albuquerque (Republicanos-RR), disse que não teria havido quebra de decoro parlamentar e que preferia esperar o trânsito em julgado do processo criminal contra Da Cunha para avaliar melhor o caso. Albuquerque recomendou que houvesse apenas uma censura verbal ao pepista, aprovada pelo colegiado em maio de 2024, por 13 votos a cinco. Na sequência, o processo foi arquivado.
Chiquinho Brazão
Protagonista do caso policial mais midiático do último ano no Congresso, o deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) foi preso preventivamente em março de 2024 pela Polícia Federal, a mando do STF, sob a suspeita de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ), ocasião em que também foi vitimado o motorista Anderson Gomes.
Cinco meses após a prisão de Brazão, o Conselho de Ética aprovou uma recomendação de perda de mandato do parlamentar. O placar ficou em 15 votos favoráveis, um contrário e uma abstenção, mas o deputado carioca não chegou a ser cassado porque o processo ainda não foi apreciado pelo plenário.

Glauber Braga
Alvo do caso mais impactante do atual momento, o psolista Glauber Braga (RJ) teve uma recomendação de cassação de mandato aprovada pelo conselho na quarta (9), por 13 votos a cinco. Ele enfrenta uma denúncia apresentada pelo partido Novo por quebra de decoro. O objeto de alegação é uma situação em que, em abril de 2024, Braga bateu boca e se envolveu em agressões físicas, nas dependências da Câmara, com um militante de extrema direita que atacou a sua mãe. A ocorrência veio após diferentes ocasiões em que o deputado fluminense foi alvo de ofensas por parte do militante durante ações políticas de rua do seu mandato no Rio de Janeiro.
O processo político que envolve Braga ainda está em curso na Câmara. O parlamentar anunciou que irá recorrer à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), à qual cabe avaliar questionamentos de ordem processual. Na sequência, o caso deve ir a plenário, onde o regimento exige 257 votos para que seja aprovado um parecer do Conselho de Ética.
Outros
Houve ainda uma série de outras representações por quebra de decoro que tiveram destino diferente dentro da Câmara dos Deputados. Foi o que ocorreu, por exemplo, com a deputada Carla Zambelli (PL-SP), que se tornou ré no Supremo em 2023 por conta do episódio em que, às vésperas do segundo turno das eleições de 2022, perseguiu o jornalista Luan Araújo e sacou um revólver contra ele após um bate boca ocorrido em ato político em São Paulo (SP). O caso foi objeto de denúncia apresentada em outubro do mesmo ano pelo Psol à Câmara. O partido alegou “conduta atentatória contra o decoro parlamentar”, mas o processo não chegou à apreciação do Conselho de Ética porque não foi encaminhado ao órgão pela mesa diretora da Casa, à época comandada por Arthur Lira (PP-AL).
A bolsonarista atualmente é acusada no STF pelos crimes de porte ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal com emprego de arma de fogo. O julgamento do caso foi suspenso no último dia 24 por conta de um pedido de vista e, até o momento, o placar está em cinco votos favoráveis à condenação da bolsonarista a uma pena de prisão em regime semiaberto. Os ministros que defendem essa penalidade também opinaram pela cassação da deputada, mas o processo ainda aguarda a posição dos outros seis ministros da Corte.
Entre os demais casos de denúncia por quebra de decoro que chegaram à Câmara, está o do bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG), alvo de representação das siglas Psol, PT, PDT e PSB em maio de 2023 sob a acusação de transfobia. A iniciativa veio após o parlamentar, durante manifestação no púlpito do plenário, colocar uma peruca de fios longos na cabeça e afirmar que “mulheres estão perdendo espaço para homens que se sentem mulheres”. O episódio ocorreu em 8 de março daquele ano, no Dia Internacional da Mulher, e o caso foi arquivado pelo Conselho de Ética cinco meses depois. Na ocasião, o colegiado optou por aprovar apenas a aplicação da penalidade de censura escrita.

Outro personagem que entrou na roteiro das denúncias por quebra de decoro foi o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), atualmente licenciado do cargo por iniciativa própria para uma temporada nos Estados Unidos. Filho de Jair Bolsonaro, o parlamentar foi alvo de 13 representações que chegaram ao Conselho de Ética desde 2017. Os processos se deram por diferentes razões. Em um deles, Eduardo foi acusado de extrapolar os limites por ameaçar “enfiar a mão na cara” do deputado Marcon (PT-RS) após este dizer que o atentado à faca sofrido por Jair Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018 teria sido “fake“.
Em outro, o parlamentar foi representado pelas siglas PCdoB, Rede, Psol e PT por ter debochado da tortura sofrida pela jornalista Míriam Leitão durante a ditadura militar, quando a profissional foi presa e perseguida pelo regime. Na ocasião, ela estava grávida do primeiro filho e chegou a ser jogada por agentes da repressão em uma sala escura na presença de uma cobra. O caso é um dos mais emblemáticos entre os que vieram a público no que tange à memória da ditadura. Nenhuma das denúncias contra Eduardo Bolsonaro chegou ao plenário da Câmara porque todas elas foram arquivadas pelo Conselho de Ética.